Fonte: www.ciranda.net, por Rita Casaro

George Mochai fala sobre as reivindicações no país africano assolado por miséria e desemprego

O cenário para reivindicações por melhores condições de vida e trabalho no Quênia está longe de ser confortável. Cerca de metade da população economicamente ativa está desempregada e a renda per capita anual do país é aproximadamente US$ 350, o que coloca boa parte abaixo da linha da pobreza. Como resultado, a criminalidade cresce assustadoramente. Numa cultura fortemente machista, as mulheres enfrentam ainda o assédio sexual, extremamente freqüente, especialmente nas fábricas. Assim, não poderia ser mais apropriada a conferência sobre trabalho decente realizada durante o Fórum Social Mundial 2007, que aconteceu entre 20 e 25 de janeiro na capital, Nairóbi. Após a discussão, que reuniu dezenas de sindicalistas de várias partes do mundo, George Mochai, dirigente da Cotu (Central Organization of Trade Unions), a central sindical do Quênia, à qual estão ligados 36 sindicatos e cerca de 1 milhão de trabalhadores, falou à Ciranda.

Qual é a pauta do movimento sindical queniano?

As lutas do sindicalismo no Quênia são basicamente pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores e suas famílias. Isso tem sido feito por meio das negociações coletivas, às quais as empresas estão obrigadas graças a um sistema desenvolvido ao longo de anos. Em caso de divergências, há uma um sistema de arbitragem cuja decisão é final. Além disso, também estamos engajados em buscar mudanças políticas no País, mas de forma não partidária. Por exemplo, está em discussão uma reforma constitucional e os trabalhadores têm participado do debate. O texto feito no ano passado reconhece o direito de os trabalhadores terem representação no Parlamento, não como partido político, mas como um grupo social. Apesar dos avanços, foi rejeitado num referendo, inclusive por nós, porque após as negociações o governo fez emendas alterando questões essenciais que diziam respeito à democratização da administração pública, mantendo o sistema atual, muito centralizado. Esses pontos voltaram a ser discutidos e mais uma vez a Cotu está participando ativamente.

Qual o principal problema dos trabalhadores?

O mais grave é sem dúvida alguma o desemprego. A população economicamente ativa soma 8 milhões de pessoas e aproximadamente metade está desempregada, especialmente os jovens. Isso está gerando um problema social muito grave, que é a alta criminalidade. Assolam o país assaltos a banco, batedores de carteira e roubos em geral. E, à medida que o governo aumenta a segurança nas cidades, os crimes migram para a área rural, onde as pessoas aterrorizadas não têm como recorrer à polícia tão facilmente. A situação deve-se em grande parte às políticas impostas pelo Banco Mundial e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que exigem cortes nos serviços públicos e insistem na privatização das estatais. Acabamos de perder a concessão das estradas e do serviço postal para o setor privado; a água, um recurso natural, também já deixou de ser pública. Isso é um desastre, porque a privatização coloca ênfase na obtenção de lucros, não no bem-estar das pessoas.

E com desemprego alto, o salário cai…

Obviamente. O salário mínimo é de aproximadamente US$ 88. Não é suficiente absolutamente para o sustento de uma família. Nossa reivindicação é US$ 300. Não queremos um salário mínimo, mas um que garanta vida digna. Mas essa é a renda da maioria, especialmente aqueles que não estão nos sindicatos e não são beneficiados pelas negociações coletivas, que atingem cerca de 60% da mão-de-obra formal. Principalmente nas pequenas empresas é muito difícil os sindicatos entrarem. Por isso mesmo, apesar do valor irrisório, defendemos o piso legal de forma muito zelosa, porque sabemos que sem isso os trabalhadores podem se ver obrigados a trabalhar por migalhas.

Mas mesmo esse salário está garantido apenas para quem está no mercado formal de trabalho, não?

Sim, o sindicalismo no Quênia está organizado sobre uma base industrial e ainda não atingiu os trabalhadores da economia informal, que enfrentam condições ainda mais adversas. O que temos feito nesse caso são parcerias com cooperativas para dar assistência a essa parcela da força de trabalho com apoio financeiro para desenvolver os próprios negócios, ampliá-los e eventualmente contratar outros empregados.

Nesse cenário desfavorável de desemprego e salários baixos, as mulheres enfrentam problemas adicionais?

O principal problema enfrentado pelas mulheres é o assédio sexual. Em geral, as pessoas em posição de comando nas empresas são homens, que em muitos casos não hesitam em exigir favores sexuais em troca de promoções ou simplesmente para manter o emprego das subordinadas. Isso é muito comum, especialmente no setor fabril. Eu me lembro de um caso, cuja denúncia recebi no meu sindicato (indústria da alimentação). A trabalhadora estava muito angustiada porque o gerente da fábrica a estava assediando e ameaçando demiti-la. Nós sugerimos a ela fingir que concordava para que pudéssemos flagrá-lo. Ela aceitou a proposta e marcou um encontro com o gerente para uma bebida; nós tiramos fotos e depois o confrontamos. A princípio, ele negou porque não sabia que tínhamos provas. Quando viu as fotos, constrangido, ainda tentou contornar a situação. Fechou a porta do escritório e propôs: “Vamos conversar de homem para homem.” Nós dissemos: “Nada feito, não vamos permitir que isso aconteça.” Felizmente, esse gerente acabou demitido por assédio sexual. Mas esse é um caso singular em que a mulher teve coragem de denunciar e teve um final feliz. No entanto, há vários casos em que as mulheres se vêem sem saída. Intimidadas e sem coragem de denunciar, elas vão para o desemprego ou cedem ao assédio. Muitas até contraíram HIV nessas situações.