Fonte: http://www.mobilizadores.org.br/coep/usuario/publicacaoLer.aspx?cd=3305
A Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura é gerida por jovens entre 20 a 24 anos e se tornou um ponto de cultura do Ministério da Cultura. A Agência é resultado de um projeto desenvolvido em parceria pela ONG Movimento de Organização Comunitária (MOC) e pelo Instituto Credicard para capacitar jovens da região sisaleira da Bahia em técnicas de rádio e jornalismo para produção de notícias relacionadas à promoção do desenvolvimento territorial sustentável no semi-árido. Sediada em Retirolândia, a 240 quilômetros de Salvador, a Agência Mandacaru atua em 33 municípios das regiões do Sisal e do Vale do Jacuípe. João Netto, presidente da Agência Mandacaru, nos conta nessa entrevista como a ONG surgiu, sua proposta, o trabalho que desenvolve e os desafios a que se propõe visando contribuir para tornar o sertão sustentável.
Mobilizadores COEP – Como surgiu a Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura?
R. – No final de 2001, inicio de 2002, o Movimento de Organização Comunitária (MOC) firmou uma parceria com o Instituto Credicard para o desenvolvimento de um projeto no “Programa Jovens Escolhas” (PJE), do Instituto. A partir daí, foi elaborado o projeto “Comunicação Juvenil”, que visava capacitar jovens entre 15 e 20 anos em técnicas de rádio e jornalismo. O projeto foi escrito pelos próprios jovens oriundos de nove municípios (Santa Bárbara, Conceição do Coité, Araci, Retirolândia, Santa Luz, Valente, Nordestina, Queimadas e Riachão do Jacuípe) e buscava preencher a lacuna que havia nas entidades da região e nas rádios comunitárias que atuavam em parceria com o movimento social. Até que, em 07 de julho de 2005, após três anos de formação e qualificação em várias temáticas (gênero, etnia, políticas públicas, desenvolvimento sustentável, convivência com a seca, cultura popular), além de técnicas em habilitação de rádio e jornalismo, surgiu a Agência Mandacaru. Hoje, a Agência, que está sediada em Retirolândia – a 240 km de Salvador–, atua em 33 municípios das regiões do Sisal e Vale do Jacuípe, e é gerida por jovens da faixa etária de 20 a 24 anos. Somos um ponto de cultura do Ministério da Cultura (MinC) e estaremos lançando, em maio, uma coletânea sobre as várias manifestações culturais da região sisaleira.
Mobilizadores COEP – O que é o MOC e qual seu objetivo?
R. – Bem, o MOC é uma ONG situada na cidade de Feira de Santana (BA), e que este ano completa 40 anos. Ela atua em vários níveis políticos, desde a formação para construção de cisternas, formação e qualificação da imprensa, formação em gênero, juventude e políticas públicas, além de ser um forte instrumento político que auxilia o movimento social da região sisaleira da Bahia e uma referência na área de educação, com duas experiências que servem de base para política pública.
Mobilizadores COEP – Como é a realidade da região sisaleira da Bahia?
R. – A região sisaleira é uma área geográfica muita castigada não só pelo clima árido e temperado, mas principalmente pelos conflitos de interesse político que nela se fazem presentes. A área, no entanto, apresenta grande potencial de desenvolvimento. Acreditar que podemos conceber desenvolvimento é um dos nortes de nossa luta em busca de uma comunicação justa e democrática. A aposta de que podemos ter uma região livre das pequenas oligarquias vem se tornando realidade a cada dia; aos poucos vamos ocupando espaços antes jamais ocupados e dando conta do recado. Acredito que ter um sertão sustentável significa fazer com que as pessoas sejam incluídas em processos de formação, qualificação e que tenham acima de tudo dignidade de poder expressar, seja de qual for forma for, sua liberdade.
Mobilizadores COEP – De que forma os meios de comunicação podem contribuir para o fortalecimento da identidade do trabalhador rural da região sisaleira da Bahia?
R. – A única forma que encontramos de diálogo com o trabalhador rural tem sido através das rádios comunitárias e dos movimentos que lutam a favor dos direitos do trabalhador rural. De grande valor tem sido uma campanha chamada “Nossa agricultura é familiar”, que encabeçamos junto com o MOC para que, a longo prazo, a região desperte para importância dos pequenos agricultores familiares e suas produções. A idéia é sensibilizarmos os próprios agricultores sobre suas potencialidades e para a importância da comercialização dos produtos e da disputa de mercado. Uma última pesquisa realizada na Bahia identificou que em cada 10 pessoas, oito ouvem rádio, e o trabalhador rural, em sua maioria, faz parte deste público ouvinte. A rádio comunitária tem uma grande facilidade de atingir o agricultor, porque a maioria dessas rádios é apoiada pelos movimentos sociais e dentre eles estão os sindicatos rurais, daí o poder mobilizador que as rádios comunitárias têm com esse público prioritário.
Mobilizadores COEP – Que mudanças no comportamento dos trabalhadores rurais já foram visualizadas a partir do trabalho com as rádios comunitárias?
R. – A campanha “Nossa Agricultura é Familiar” já é um claro exemplo disso. Trata-se de um processo gradativo. Aos poucos as pessoas vão entendendo que é importante valorizar o que é seu. Através das rádios comunitárias (Radcom), os trabalhadores rurais têm acesso a informações sobre comercialização, produção e sobre os benefícios que os produtos têm em suas vidas. Em uma última pesquisa realizada com agricultores, entre outubro e dezembro do ano passado em oito municípios, 84% dos entrevistados diziam consumir apenas produtos oriundos dos pequenos produtores e dentre os maiores medos estava o consumo de produtos com agrotóxicos. Daí a importância das rádios comunitárias e de seu poder mobilizador.
Mobilizadores COEP – O desenvolvimento sustentável do semi-árido da Bahia é o foco do trabalho desenvolvido pela Agência. Como vocês estimulam práticas e debates sobre um sertão sustentável?
R. – Os debates são realizados nos fóruns e congressos que acontecem o ano inteiro na região. Além disso, todos os anos, promovemos, com apoio de outros parceiros, o Seminário Regional de Comunicação Social. O foco da iniciativa é verificar como a mídia comunitária pode mudar ou influenciar, através de uma atuação constante nos espaços políticos, a participação dos cidadãos de forma direta e democrática. Além do que, no seminário, ainda promovemos o “Amigos”, uma espécie de prêmio de reconhecimento para todos aqueles, que de forma direta ou indireta, contribuíram naquele ano para o desenvolvimento da comunicação em um determinado município. Além desse trabalho sistemático com as rádios comunitárias, temos também um informativo impresso, com 12 páginas, que chega até os cidadãos da região. O GIRAMUNDO tem como público prioritário o movimento social, poderes públicos, escolas, além dos agricultores e conta com uma tiragem, a cada dois meses, de 10.000 exemplares.
Mobilizadores COEP – E como é possível tornar o sertão sustentável?
R.- Possibilitar um sertão sustentável é dar sentido as coisas que pareciam perdidas. Nunca imaginei que um dia pudesse estar onde estou e graças às lutas, batalhas travadas a cada dia, não só comigo, mas com as propostas de mudança, consegui erguer a Agência Mandacaru , e isso se deve a responsabilidade e ao comprometimento de muita gente, acredito que somando forças e tendo do lado pessoas que buscam o mesmo ideal, UM OUTRO SERTÃO É POSSÍVEL! Sertão justo e igual: esse deveria ser o lema de todos, porém nem sempre conseguimos que todos dêem as mãos e caminhem juntos… Mas, continuaremos tentando, mesmo que os resultados e os impactos venham a longo prazo, pois essa é a idéia.