Fonte: Adital

Quem foi Chico Mendes?

Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, era acreano, nascido no seringal Porto Rico, em Xapurí, no dia 15 de dezembro de 1944. Filho de seringueiro, aos onze anos de idade já trabalhava ao lado do pai.

A sua trajetória de liderança começa em 1973, quando participou dos conflitos de terra na fazenda Santa Fé, e se expande em 1975, com a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, quando é indicado a secretário geral. Em 1976, participa ativamente das lutas dos seringueiros para impedir desmatamentos e organiza várias ações em defesa da posse da terra.

Aquele era um período difícil para os brasileiros, com o País em pleno regime de ditadura militar e 1977 passaria a ser um marco na vida de Chico Mendes, com a fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e a sua eleição para vereador, pelo MDB, à Câmara Municipal local. Começam, também, as ameaças de morte por parte dos fazendeiros, e as divergências partidárias porque o MDB não era solidário às lutas dos trabalhadores rurais.

Em 1979, Chico Mendes leva para a Câmara Municipal debates entre lideranças sindicais, populares e religiosas, e, por isso, é acusado de subversão e submetido a duros interrogatórios, sem ter como denunciar as arbitrariedades dos torturadores contra ele e outros presos políticos.

Com o início do processo de “abertura lenta e progressiva” do regime militar, em 1980, surge o Partido dos Trabalhadores – PT. Chico, um dos fundadores no Acre, passa à direção do partido naquele estado, participando de comícios na região juntamente com Lula.

Neste mesmo ano, Chico Mendes é enquadrado na Lei de Segurança Nacional, a pedido dos fazendeiros da região que procuravam envolvê-lo no assassinato de um capataz de fazenda que poderia estar envolvido no assassinato de Wilson Pinheiro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Brasiléia.

No ano seguinte, Chico Mendes assume a direção do Sindicato de Xapuri, do qual foi presidente até o momento de sua morte. Nesse mesmo ano, Chico é acusado de incitar posseiros à violência e, julgado no Tribunal Militar de Manaus, consegue se livrar da prisão preventiva.

O que fez Chico Mendes

Em outubro de 1985, lidera o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, durante o qual é criado o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), com Chico na liderança.

A luta dos seringueiros começa a ganhar repercussão nacional e internacional, surge, então a proposta de “União dos Povos da Floresta”, que busca unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazônica, propondo ainda a criação de reservas extrativistas nas áreas indígenas, na própria floresta, ao mesmo tempo em que garantem a reforma agrária desejada pelos seringueiros. Chico assumiria a presidência do CNS em março de 1989, no 2º Encontro Nacional dos Seringueiros.

Em 1987, representantes da ONU visitam Chico Mendes, em Xapuri, onde puderam ver de perto a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros provocadas por projetos financiados por bancos internacionais.

Dois meses depois, Chico Mendes levava estas denúncias ao Senado norte-americano e à reunião do BID, um dos bancos financiadores. Trinta dias depois, os financiamentos aos projetos devastadores são suspensos e Chico é acusado por fazendeiros e políticos de prejudicar o “progresso” do estado do Acre.

Tudo este trabalho leva entidades de defesa da ecologia e de Direitos Humanos, nacionais e internacionais, a homenagear Chico Mendes, entre eles o prêmio “Global 500”, oferecido pela própria ONU.

O surgimento da União Democrática Ruralista – UDR, em 1988, no Acre, criada por proprietários de terras que não se conformam com a possibilidade de uma reforma agrária e criação de reservas ecológicas, acirra as ameaças ao líder seringueiro.

Chico Mendes, por sua vez, amplia seu campo de ação, percorrendo várias regiões do Brasil, participando de seminários, palestras e congressos, com o objetivo de denunciar a ação predatória contra a floresta e as ações violentas dos fazendeiros da região contra os trabalhadores de Xapuri. Participa, também, da realização de um grande sonho: a implantação das primeiras reservas extrativistas criadas no Estado do Acre, além de conseguir a desapropriação do Seringal Cachoeira, de Darly Alves da Silva, em Xapuri.

A realização desse sonho seria também o começo do seu fim.

Fonte: site Chico Mendes Revista “Chico Mendes”, publicada pelo STR de Xapuri, CNS e CUT em janeiro de 1989

A morte anunciada de Chico Mendes

Uma onda de violência e impunidade já vinha sendo denunciada por Chico Mendes naquele ano de 1988. Crimes contra líderes sindicais e seringueiros, como aponta a Revista Chico Mendes, editada pela CUT/CNS, que não eram apurados:

* Em 26 de maio, dois seringueiros foram baleados durante manifestações no prédio do IBDF, em Xapuri, por dois pistoleiros que fugiram de motocicleta. Foram identificados posteriormente por testemunhas, mas o inquérito policial não acompanhou todos os fatos. As suspeitas recaíram em Darli e Alvarino Alves da Silva; * Em 17 de junho, o dirigente do Sindicato de Xapuri e candidato a vereador do PT, lvair Higino de Almeida, foi assassinado. Os suspeitos foram identificados como Cícero Tenório Cavalcante e os sobrinhos de Darli Alves da Silva. O inquérito não apurou a autoria do crime; * Em setembro, outro seringueiro foi assassinado no município de Xapuri e apareceram como suspeitos filhos e parentes próximos de Darli e Alvarino. O caso não foi apurado; * Ainda em setembro, dois corpos foram encontrados ao lado da casa da sede da fazenda de Darli. Ele próprio comunicou o fato à policia, que fez o sepultamento na própria fazenda sem proceder a investigações. Posteriormente, a polícia fez a exumação dos cadáveres e levou uma equipe médica de Rio Branco para fazer os exames, visto que os médicos locais se recusaram a atestar a “causa mortis”. Os crimes também não foram apurados; * Em 26 de setembro, a Polícia Federal no Acre recebeu carta precatória originária da Comarca de Umuarama, no Paraná, com o fim de efetivar a prisão preventiva de Darli e Alvarino. Na tarde de 27 de setembro, Chico Mendes testemunhou a presença de Darli em frente à Polícia Federal. De um hotel próximo ao local Chico telefonou imediatamente pedindo a prisão de Darli. Nada foi feito. A carta só foi enviada ao juiz de Direito da Comarca de Xapuri no dia 13 de outubro. Os mandados de prisão foram executados no dia 19 de outubro mas os fazendeiros fugiram; * Em 17 de novembro, Chico Mendes denunciou ao juiz da Comarca por carta, que Darli e Alvarino estavam tramando seu assassinato. No mesmo mês e com o mesmo teor, ele escreveu carta ao secretário de Segurança Pública, ao Governo Estadual e ao Superintendente da Polícia Federal; * Em 29 de novembro, o Sindicato de Brasiléia remeteu telex ao governador Flaviano Melo, ao diretor geral da Polícia Federal, Romeu Tuma e ao Secretário da Segurança Publica, denunciando ameaças de assassinato de trabalhadores rurais em Xapuri e Brasiléia. Não obteve resposta. Em 5 de dezembro, os sindicatos de Brasiléia e Xapuri, o Conselho Nacional dos Seringueiros e o Centro de Trabalhadores da Amazônia remetem novamente telex a essas autoridades.

Durante todo esse período, Chico Mendes denunciou de várias outras formas também as ameaças que vinha sofrendo. Chico tinha consciência que a “segurança” oferecida pelo governador Flaviano Melo, era só para evitar uma complicação maior do Estado, uma vez que o movimento tinha se tornado conhecido mundialmente, principalmente junto ao Banco Mundial, BID e Congresso americano.

“Eu tenho consciência de que todas as lideranças populares nesses últimos dez anos -advogados, padres, pastores, líderes sindicais – todos eles foram mortos mesmo com garantia de vida do governo. Não precisa nem citar exemplos, pois eles estão vivos na memória de todos. Tenho esperança de continuar vivo. É vivo que a gente fortalece essa luta. De parte do governo do Estado não tenho por que temer. Pelo contrário. Agora, por outro lado, eu estou diante de dois inimigos poderosos: a UDR e a Polícia Federal do Acre” – declarou na época Chico Mendes à imprensa brasileira.

Apesar das denúncias, dos pedidos de proteção por parte de entidades ambientalistas, personalidades políticas e dirigentes sindicais, do governador ter colocado dois PMs como segurança, Chico Mendes foi assassinado no quintal de sua casa com um tiro de escopeta, no dia 22 de dezembro de 1988.

Um dia ele afirmou: “Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.”

Impunidade

No dia 15 de dezembro de 1990, quando Chico Mendes estaria completando 46 anos de idade, dois dos envolvidos no seu assassinato, Darli Alves da Silva (mandante) e Darci Alves Pereira (autor) eram condenados a 19 anos de prisão. Em 1993 eles escaparam da prisão e foram novamente capturados em 1996. Mas isso não significou o fim da impunidade. Em abril de 2003, o governador do Acre, Jorge Viana (PT) ordenou a reabertura do caso, a pedido do Comitê Chico Mendes.

O primeiro ponto ressaltado pelo Comitê, ao pedir a reabertura do caso, foi o de Jardeir Pereira, o “Mineirinho”, pronunciado no processo como co-autor do assassinato, mas que nunca foi preso. Ele é suspeito de envolvimento com o narcotráfico na fronteira do Acre com a Bolívia. O crime dele prescreverá em 21 de dezembro de 2008, pois foi cometido antes da alteração na legislação que passou a suspender o prazo prescricional em caso de fuga do acusado.

O Comitê Chico Mendes também pediu a investigação do envolvimento da equipe de repórteres do jornal O Rio Branco na cobertura do assassinato do sindicalista, no dia 22 de dezembro de 1988. A equipe chegou a Xapuri cerca de uma hora e meia após o crime. Na edição do dia seguinte, o jornal publicou as fotos do corpo do ecologista crivado de chumbo. A proeza da equipe foi narrada pelo jornal nos seguintes termos: “Informado logo após o assassinato, nossa equipe de reportagem se deslocou para Xapuri. O editor-chefe César Fialho, o repórter Adonias Matos e o fotógrafo Luís dos Santos seguiram num automóvel gol. Em uma hora e meia estavam naquela cidade. Na viagem de ida, apenas um pneu furado”.

Mas a estrada não permitia que a viagem fosse feita em menos de quatro horas.

Pontos a serem esclarecidos:

A Polícia Militar, que realizava buscas dos possíveis assassinos e tinha no seu comando o então sargento H. Neto, sempre chegava com atraso aos locais onde Darli e Alvarino teriam estado.

O suposto suicídio de uma das mulheres de Darli na sede da fazenda Paraná, antes que prestasse depoimentos ao delegado que investigava o caso.

Comentários ouvidos na sede do Rio Branco Futebol Clube, cerca de cinco dias antes do assassinato de Chico Mendes, quando um dos seguranças – possivelmente o sargento R. Freitas, assassinado algum tempo depois – do então prefeito Adalberto Aragão, depois de breve conversa com outra pessoa, disse que Chico Mendes duraria talvez mais cinco dias.

Movimentações bancárias e financeiras ocorridas poucos dias antes até dias depois do assassinato de Chico Mendes, para que se pudesse chegar a possíveis “financiadores” do crime. Assim como a compra de parte do seringal Cachoeira por Darli Alves da Silva no início do ano de 1988, incluindo a origem do dinheiro de quem supostamente pagou tal aquisição.

A situação dos criminosos 18 anos depois

Darli Alves da Silva, em 2005, atropelou e matou a aposentada Maria Florência do Nascimento, 71. Ele fugiu para não prestar socorro à vítima. Não foi preso por este crime.

Em agosto deste mesmo ano, Darly foi preso pela polícia civil de Basiléia, cidade do Acre, por um mandado de prisão, expedido pela justiça paraense, através de carta precatória, por crimes previsto no art. 121 (homicídio) praticado em 1980 no Pará. Ele tem outros dois mandados em Minas Gerais e no Paraná. Em Santarém, também em 2006, Darli foi novamente condenado pela Justiça. Desta vez, pelos crimes de falsidade ideológica e obtenção de financiamento mediante fraude, conforme documento da Justiça Federal do Pará:

“O réu foi condenado por dois crimes. Um deles, previsto no Código Penal Brasileiro, de falsidade ideológica, que consiste em “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita”. O outro crime – “obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira” – previsto na Lei nº 7.492/86, a chamada Lei do Colarinho Branco.”

“Darli, que em 1991 recebeu a punição de 19 anos de prisão por mandar assassinar Chico Mendes, foi condenado em agosto de 1996, em Umuarama (PR), pelo cometimento em 1973 de um outro assassinato, pelo qual pegou mais 12 anos. Cumpria, portanto, 31 anos de reclusão pelos dois crimes, mas nos últimos dois anos se encontrava em liberdade condicional, benefício a que teve direito após cumprir parte das penas que lhe foram impostas nos dois julgamentos.”

Hoje, 18 anos depois, Darli Alves da Silva está preso na Unidade de Recuperação Social, em regime fechado, na cidade de Rio Branco, no Acre. Darcy Alves da Silva, seu filho e cúmplice, vive em sua fazenda, no Acre, livre, cuidando dos negócios da família.

Fontes:

* Justiça Federal – Seção Judiciária do Pará * Polícia Civil do Acre * Página 20 (Internet) * site Chico Mendes