Fonte: Adital, por Marcelo Barros *

Esta semana, marcada pelo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no 10 de dezembro, começou pela entrega dos prêmios Nobel aos vitoriosos deste ano. De todos os vencedores, o que mais surpreendeu o mundo foi a concessão do Nobel da Paz a Muhammad Yunnus, o economista paquistanês, chamado “banqueiro dos pobres” que, na década de 70, criou o Grammen Bank (na língua local, “banco de aldeia”).

Como economista, este estudioso provou que, na atual organização da sociedade, a pobreza não existe por acaso ou como resultado de alguma incapacidade dos pobres progredirem. É conseqüência da ordem social e econômica do mundo, regida por estruturas feitas para garantir o lucro de poucos criando regras que transferem rendas dos mais pobres para os mais ricos. Um exemplo disso é o Brasil. O governo Lula que, até aqui foi quem mais se preocupou e cuidou da distribuição de renda, criou o programa Fome Zero que beneficia milhões de famílias pobres. Este programa recebe 28, 7 bi de reais para ser distribuídos. Entretanto, ao mesmo tempo, o governo destina só no ano 2006 a quantia de 279.723 bilhões ao pagamento da dívida publica. “O economista Márcio Pochmann, ex-secretário da administração Marta Suplicy, em São Paulo, calcula que 75% destes recursos são apropriados por aproximadamente 20 mil famílias. É o maior programa de ‘distribuição de renda’ às avessas do mundo” (Cf. Câmara dos Deputados, Dep. João Alfredo, Um mensalão ainda maior, Brasília 2006, p. 9). No Brasil, como no resto do mundo, os pobres não são pobres e sim empobrecidos, ou seja, explorados pelas estruturas sociais e econômicas. Estas são planejadas para excluir da vida social a uma multidão destinada a servir de mão de obra barata e sem direitos sociais precisos.

Na busca de meios para romper com esta cadeia violenta, Muhammad Yunnus constatou que os pobres não precisam de esmola e sim de justiça, equidade e oportunidade para se libertarem. Neste contexto, o crédito é um direito humano fundamental. O importante é que não seja como ocorre em nossos países um instrumento para que os donos do capital controlem aos pobres que precisam do seu dinheiro. Não pode ser como fazem os bancos internacionais com os países pobres: para cada dólar emprestado, recebem 11 de volta e ainda dizem que estão nos ajudando.

O micro-crédito, realizado a partir do pobre, pode ser um excelente caminho de libertação das pessoas excluídas dos recursos bancários e instrumentos oficiais do capitalismo.

Hoje, o Grammen Bank conta com seis milhões e meio de clientes no mundo, dos quais, é importante salientar, não é por acaso que 97% são mulheres. Em trinta anos, este Banco dos Pobres, fundado na Índia, no inicio dos anos 70, conta com 2000 filiais e está presente em 70 mil aldeias e cidades do interior do Terceiro Mundo.

Todos ficamos contentes que o prêmio Nobel da Paz tenha sido dado a Muhammad Yunus. Isso significa que a sociedade internacional reconhece que nunca existirá paz sem que a sociedade internacional reveja e mude a estrutura econômica do mercado. O mercado é em si uma construção social, boa e útil. Os sistemas de troca enriquecem e põem as culturas em diálogo. O que está errado é o capitalismo neoliberal fazer do mercado um ídolo, tornando-o autônomo e absoluto.

Para nos manter sempre lúcidos, podemos fazer uma pergunta crítica sobre esta escolha do Nobel 2006: por que o banqueiro dos pobres recebeu o Nobel da Paz e não o da Economia, se a sua ação tem sido justamente colocar a Economia a serviço da justiça e do direito dos mais pobres? Por que dão a ele, economista dos pobres, o prêmio da Paz e dão o Nobel da Economia ao norte-americano Edmund Phels que dedica sua vida para tornar a economia capitalista capaz de associar o pleno emprego à estabilidade de preços e ao crescimento, ou seja, ao lucro maior do sistema que, justamente o seu colega Muhammad Yunus quer transformar? Como não ter a impressão de que a comissão organizadora do Nobel premia a Ética quando se trata da Paz e, ao mesmo tempo, dá um prêmio a Antiética quando se trata de economia do lucro das empresas?

De qualquer modo, o Nobel da Paz pode ser considerado como recebido por todos os grupos que, no mundo inteiro, desenvolvem projetos de “economia solidária”, como entidades que promovem o comércio équo-solidário, o turismo responsável e o financiamento érico. Estes grupos constroem uma economia alternativa em quatro níveis: no plano pessoal, no âmbito local, no comunitário e finalmente no social mais amplo. Trata-se de construir uma economia solidária, não apenas como medida emergencial para resolver o problema dos pobres, mas como proposta estrutural e permanente, de produção alternativa ao capitalismo. Uma nova forma de articulação social da humanidade que transforma a economia de competição em caminho de cooperação, com um rosto verdadeiramente humano, um coração ético e um horizonte de pleno respeito à natureza. No plano pessoal, os grupos de aquisição solidária (GAS) se educam para desenvolver um consumo mais crítico e consciente, o que significa consumir respeitando a natureza, a saúde, o bem estar, o direito dos filhos, das futuras gerações e de todos os povos do mundo. São grupos que se organizam para evitar o desperdício, reciclar e reutilizar tudo o que for possível. Descobrem, assim, novas formas de sobriedade social e política.

No plano mais amplo da sociedade, o fato novo é a articulação e organização política não só de Estados como é a ONU, mas a formação de uma rede de integração de povos e organizações da sociedade civil. Nestes dias, de 06 a 09 de dezembro, aconteceu em Cochabamba, Bolívia, uma primeira Assembléia Internacional de Integração dos Povos. Sua primeira proposta é o desenvolvimento de uma economia solidária como base de organização da sociedade.