Agência Adital, por Marcelo Barros *

Em Caracas, a tarde deste domingo 03 de dezembro se iniciou luminosa e a partir das quatro se transformou quase repentinamente em instável e chuvosa. De qualquer forma, as chuvas não prejudicariam mais as votações presidenciais que se encerravam justamente às 16 horas deste 03 de dezembro.

Em uma avenida central do La Florida, bairro residencial de classe média alta, o Colégio de la Consolación era um centro de votações com sete seções eleitorais. O ônibus com 44 observadores internacionais chegou a este centro pelas 16, 40 h. As portas do colégio estavam fechadas e vigiadas por quatro soldados do exército, enquanto outros se colocavam estrategicamente em outros pontos da avenida. É que lá dentro começavam as auditorias para contar os votos e ver se o número de cédulas correspondiam ao número de votos eletrônicos. E ali mesmo, ou seja, em cada local, sob a vigilância de testemunhas credenciadas dos diversos partidos, os responsáveis pelo Conselho Eleitoral faziam a apuração dos votos para saber o resultado das eleições. Lá fora se juntaram umas 80 pessoas, todas de oposição para gritar e protestar. Queriam entrar e assistir a auditoria, o que não é permitido por lei. Posteriormente, a presidente daquela zona eleitoral declarou – e isso foi comprovado por várias testemunhas – que, quando, naquela zona eleitoral, ela declarou encerradas as eleições às 16, 10 h, não tinha ninguém querendo votar. Encerraram a votação. Dez minutos depois, chegou um ônibus de pessoas trazidas pela oposição para votar. Como não puderam mais entrar, trouxeram uma câmara de televisão e começaram a protestar contra a lisura destas eleições. Quando viram chegar o ônibus cheio de observadores internacionais, começaram a gritar e a exigir que eles os ajudassem a forçar a entrada. Uma pessoa começou a atirar fogos de artifício para parecer tiros e aumentar o clima de confronto. Um segurança me pegou pelo braço: “Vamos sair daqui porque, em poucos minutos, a violência pode explodir”. Antes mesmo que eu pudesse optar, fui levado em meio à pequena multidão de volta ao ônibus. Seis observadores que chegaram primeiro conseguiram entrar e acompanhar por quase uma hora o processo de auditoria e depois de apuração.Das oito da manhã ao meio dia e novamente das três da tarde às cinco, assim como os outros 400 observadores internacionais de mais de 50 países do mundo, pude visitar oito zonas eleitorais diferentes no centro da cidade, na periferia e em uma cidade do interior, próxima a Caracas. Outros companheiros foram para zonas rurais e outros viajaram de avião para cidades da fronteira. É difícil resumir minhas impressões que, em geral, senti que foram as da imensa maioria dos observadores. Partilho com vocês o que consigo formular:

1. Sobre a estrutura e a organização do processo eleitoral

Descobri que a Venezuela tem 25.028.715 habitantes recenseados, dos quais mais de 16.083.986 têm mais de 18 anos e estão inscritos como eleitores. Isso significa 59, 51% da população ativa, o que é um índice bom na América Latina. Conforme a lei do país, o voto não é obrigatório. Entretanto, o resultado destas eleições mostra que o nível de abstenção foi o mais baixo de toda a história recente do país: 26%. Neste domingo de eleições, o que se via nas ruas era uma multidão de jovens e pessoas velhas, gente sadia e pessoas doentes sendo levadas para as seções eleitorais. Todos vestidos com sua melhor roupa como para uma grande festa. Filas imensas. Muita gente que saiu de casa às 03, 30 e às 04 da madrugada para conseguir votar perto de meio dia. Uma manifestação de verdadeiro civismo. Por outro lado, uma multidão de mesários, de seguranças das seções e de testemunhas ou vigias dos diversos partidos. Todos trabalharam desde a madrugada e, em geral, o clima era de alegria e confraternização. Quando eu vi aquelas filas imensas, achei que jamais eles conseguiriam fechar as votações às quatro da tarde. Surpreendentemente, entre quatro e cinco da tarde, todos os venezuelanos que quiseram tinham votado e o processo de votações tinha sido encerrado em paz.

As diversas delegações internacionais constataram que a forma de votação na Venezuela é das mais avançadas e seguras do mundo. De fato, a pessoa se apresenta na sua seção eleitoral e a primeira coisa é deixar as impressões digitais do dedo maior na máquina (catahuellas) que o registra e não permitirá mais em todo o país que o dono daquelas impressões possa votar de novo. Então, a pessoa assina sua rubrica na folha de eleição e vai até a máquina eletrônica que está protegida por uma pequena parede de papelão para garantir o segredo. Na máquina, há uma tela com a foto de cada candidatos e o seu nome, ligado à bandeira e ao nome de um partido. O eleitor ou eleitora aperta o botão no candidato que quiser, seja na foto, seja na bandeira do partido e a máquina lhe mostra a cédula eleitoral para que ele possa ainda confirmar se aquela é mesmo a opção que ele escolheu. Se sim, ele confirma e a máquina imprime uma cédula eleitoral em papel que é o seu voto e ele deposita na urna lacrada que está no meio da sala.

É claro que este processo torna uma eleição mais lenta. Em alguns casos, para algumas pessoas mais velhas ou que tenham dificuldade de usar a máquina eletrônica, deixa o eleitor inseguro e houve mesmo alguns que acabaram anulando o voto, mas, de fato, todos os observadores se colocaram de acordo que esta forma garante uma segurança maior.

Vários brasileiros observaram que, diferentemente do Brasil, as ruas estavam todas limpas e não havia aquela multidão de papéis, santinhos e propaganda eleitoral sujando os postes e enchendo calçadas. Havia sim faixas e cartazes espalhados nos postes, mas dava uma impressão de mais ordem e menos bagunça. Alguém ponderou que estas eleições são somente presidenciais, ao contrário do processo brasileiro que sempre une votações em várias instâncias. Por outro lado, é verdade que isso deve corresponder também ao temperamento ou estilo do povo.

2 – Sobre o resultado das eleições

As votações se encerraram às quatro da tarde. Às oito, o Conselho Nacional Eleitoral proclamava o resultado ainda não oficial, mas garantido. Chávez tinha conquistado uma vitória maior do que das duas eleições anteriores a que concorreu e de uma forma que todos garantiam ser justa e democrática. Os diversos centros internacionais de observação e as comissões ligadas a organismos da ONU, OEA e União Européia declararam que as eleições foram limpas e democráticas. Elogiaram o processo como dos mais perfeitos e evoluídos do mundo atual. O candidato derrotado foi à televisão e reconheceu a derrota, o que pôs um termo final ao receio de que se instalasse no país uma situação de instabilidade política e confronto quase de guerra civil. O presidente Chávez recebeu o público no palácio e agradeceu a vitória com um discurso espontâneo e mesmo improvisado, mas muito claro e profundo. Em síntese resumiu dizendo que, agora, acabou-se o período de transição e começa a era da construção real do socialismo e de uma mudança estrutural da sociedade na qual ocorrerá uma verdadeira distribuição de renda e se realizará a justiça social. É a revolução bolivariana que se define como uma revolução não violenta, de teor cultural indígena, de inspiração evangélico-cristã e de conteúdo socialista. O povo tomou as ruas e começou a festa da vitória.

No hotel que hospedou a maioria dos observadores, era também evidente o clima de alegria, principalmente dos latino-americanos. Um deputado e uma deputada da FLMN de El Salvador, junto com um jovem porto-riquenho do partido que luta pela libertação de Porto Rico e ainda vários índios de Honduras riam e quase choravam de emoção. Descobri em todos estes países membros do Congresso Bolivariano dos Povos, instituição que, tenho certeza, a maioria dos brasileiros nem sabe que existe já instituída e funcionando. A vitória do presidente Hugo Chávez garante a consolidação deste processo revolucionário e de integração continental.

Para mim, foi um privilégio muito grande estar aqui e representar a muitos irmãos e irmãs do Brasil que desejam ver o nosso continente tomado pelo espírito novo e transformador desta revolução bolivariana.

* Monge beneditino e autor de 26 livros. mosteirodegoias@cultura.com.br