Fonte: http://www.comciencia.br/comciencia/?section=3&noticia=248, por Zulmara Carvalho

Nos últimos anos, o mês de novembro registra eventos que difundem a luta do movimento negro pelos direitos humanos e combate ao racismo em todo país. Além das discussões sobre a estruturação das desigualdades raciais e políticas afirmativas no Brasil, o debate sobre as reparações históricas e humanitárias vem ganhando força e deve ser a bandeira do movimento em 2007.

No âmbito das políticas afirmativas, as cotas para negros em postos de trabalho também devem ser consideradas, segundo a pesquisa do economista Vinícius Garcia, do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp. A análise do mercado de trabalho negro nos últimos 25 anos, feita por Garcia, mostra que os negros só têm possibilidade de ascensão a partir da junção entre o crescimento econômico e políticas de ação afirmativa).

Dentro da discussão sobre a relação com o Estado, tanto o sociólogo Valter Silvério, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), como a pedagoga Angela Soligo, diretora da faculdade de educação da Unicamp, concordam que apenas políticas de ações afirmativas podem de algum modo auxiliar na reversão das desigualdades raciais no Brasil.

Para a socióloga Gevanilda Gomes, pesquisadora da Fundação Armando Alvares Penteado e presidente da Soweto organização negra, a luta anti-racista passa pela parceria entre a universidade e os movimentos sociais “a partir desse diálogo, o negro deixa de ser apenas objeto das ciências humanas e torna-se sujeito pesquisador”, afirma Gomes. “É justamente o sistema de cotas nas universidades – tão criticado por alguns segmentos da sociedade – que está viabilizando pesquisas que estão resgatando a história do povo afro-brasileiro, o que dá a base para a reividicação de reparações”, explica a socióloga Ruth Pinheiro, diretora do Centro de Apoio ao Desenvolvimento do pequeno e micro empreendedor negro do RJ (CAD) e membro do Colymar – órgãos que objetivam a inserção sócio-econômica da comunidade afro-brasileira.

A socióloga explica que a luta por reparação aos povos africanos e da diáspora teve início ainda no início do século XX por meio das cruzadas pan-africanas que foi o movimento precursor da independência de países na África. Mas somente em 1990, o nigeriano Bashorron M.K.O. Abiola inicia o discurso por reparações financeiras, no Black Caucus (congresso afro-americano). Abiola defendia o perdão da dívida externa dos países africanos e reconhecimento de crimes cometidos contra os africanos.

Como exemplos de reparações, Pinheiro cita que em 1990 os Estados Unidos pagaram 20 mil dólares para cada nipo-americano, enquanto a Áustria pagou 25 milhões de dólares para sobreviventes do holocausto judeu, assim como, em 1988, o Canadá cedeu 250 mil milhas quadradas de terras para os índios esquimós. “Todos reconhecem o holocausto judeu, mas não o africano”, argumenta a socióloga.

No Brasil, o movimento por reparações, sugere o pagamento de 102 mil dólares para cada afro-descendente. Além do reconhecimento da escravidão como crime contra a humanidade pela Organização das Nações Unidas em 2001, os militantes defendem as reparações pela violação dos direitos humanos desde a abolição da escravatura e acreditam que a indenização seja viável.

Observadora brasileira na primeira conferência pan-africana de reparações, Pinheiro explica que uma das dificuldades nessa luta está no próprio discurso do governo. “O Brasil foi oficialmente convidado para o evento (1993), mas alegando que não existe racismo no Brasil, uma vez que a constituição não permite, não enviou uma delegação. É verdade que a cultura africana está completamente inserida na sociedade brasileira, mas no momento de conceder um empréstimo diferenciado ou cotas todos reclamam”, critica a socióloga.

Origens históricas da discriminação

Por que os negros são tão apartados dos processos de desenvolvimento, quando elementos da sua cultura estão tão presentes e misturados à brasileira? “Desde a abolição há políticas públicas voltadas para a exclusão do negro no Brasil que proibiam desde a organização coletiva de negros, a exclusão da cidadania e do voto e políticas de saúde pública voltada primordialmente aos brancos e excluindo os negros do acesso à saúde”, afirma o historiador Sidney Chalhoub, pesquisador da Unicamp.

Segundo a diretora do CAD, a eugenia (teoria criada pelo cientista inglês Francis Galton, que defendia a melhoria da raça humana baseada em descriminação racial), por exemplo, foi adotada pelo Brasil (de forma velada no artigo 148 da constituição brasileira de 1934) para valorizar a cultura branca. Por outro lado, já na república, o código penal previa como crime a vadiagem atribuída em especial a população negra no país. O efeito de sentido dessas ações, marginalizou os afrodescendentes, fazendo até que refutassem a sua identidade. Para o artista Fausto Antônio, uma estratégia para combater a visão européia e etnocêntrica é o ensino de capoeira na escola. “Não como uma extensão da educação física, mas como uma questão interdisciplinar”, completa ele.

Consciência Negra

Pinheiro acredita que a mudança da percepção da população brasileira em relação ao negro não se deve somente ao dia da consciência negra, que foi instituído em território nacional para ser comemorado em 20 de novembro pela lei nº 10.639 (2003), mas a uma série de ações, principalmente àquelas voltadas para o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, que se se tornou obrigatório no país por meio da mesma lei. “O acesso a esse estudo, em todos os níveis de escolaridade, permite que a população tenha mais conhecimento e interesse pelas questões negras”, defende a socióloga.

Segundo dados da Polícia Militar (PM), 12 mil pessoas participaram da parada negra na Avenida Paulista em São Paulo no dia 20, o qual foi determinado feriado em mais de 200 cidades, de acordo com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Contudo, atividades relativas ao movimento da consciência negra se estendem até início de dezembro em todo país, como o Etnicidades na capital paulista.