Fonte: Pedro Carrano, de Curitiba (PR/CMI Brasil), www.midiaindependente.org

Era o início da noite de quarta-feira (8), já passado o expediente, e os trabalhadores da fábrica recuperada Cooperbotões (antiga Diamantina Fossassene), em Curitiba, não imaginavam a cena que estava para ocorrer.

Pelo menos vinte capangas expulsaram as três pessoas que ainda estavam por ali, fecharam-se dentro da empresa, impedindo qualquer pessoa de entrar, reviraram arquivos e usaram a cozinha dos trabalhadores.

Os capangas diziam cumprir uma ordem judicial de reintegração de posse, mas atuaram à revelia da lei, já que a polícia – acompanhada pelo Oficial de Justiça – é quem deve cumprir a decisão.

A fábrica é produtora de botões e funciona como cooperativa autogestionária desde 2004, quando os trabalhadores decidiram tocar em frente uma planta endividada e em vias de falência. Sem salários, sem estoque, sem capital de giro, foi assim que tudo começou. Atualmente, são 90 pessoas. Mas desde então, a vida deles parece estar no fio da navalha. Em maio deste ano, já houve uma reintegração de posse, quando as máquinas estavam sendo levadas da propriedade.

Na época, houve um acordo a tempo de os trabalhadores retomarem as atividades. A ação dos seguranças foi violenta com um dos trabalhadores. O silêncio para falar com a imprensa presente no local foi o maior indício de que havia algo errado. “A liminar veio do nada, sem aviso prévio.

Um trabalhador foi agredido e os capangas arrancaram o telefone da segurança, para que não houvesse contato com ninguém”, descreve Carlos Alberto Fontana, membro do conselho administrativo.

Ilegalidade No meio da tarde de quinta-feira, havia cerca de 50 capangas dentro da empresa, proibindo inclusive os trabalhadores de pegarem seus pertences pessoas.

Os operários da Cooperbotões, então, fizeram plantão do lado de fora dos portões para impedir que fosse levado algum documento ou maquinário da empresa. Ou seja, ninguém entrava nem saía. Isto porque as máquinas e o imobiliário não pertencem aos trabalhadores, fazem parte da massa falida da empresa. Eles temem que tenham que arcar com algum vandalismo. “A reintegração de posse é do prédio e do terreno, mas não do que está ali dentro”, acusa Carlão. Precavidos, os trabalhadores já haviam feito seguro do prédio, o que não justificaria qualquer temor ou acusação de que o patrimônio estaria sendo danificado. Na verdade, Carlão pensa que o Judiciário desta vez escutou apenas um lado, que foi o da propriedade, e não ponderou a situação de 90 pessoas que estão perdendo um trabalho que eles mesmos organizam.

Até o momento, a liminar segue de pé. Por enquanto, resta seguir em frente à fábrica, esperando por mais apoio dos movimentos sociais e entidades. Trabalhador contra trabalhador William Oliveira da Cruz, 24 anos, é auxiliar de produção da Cooperbotões e conta que tentou impedir os seguranças de deixar o prédio – pois os trabalhadores alegam que documentos podem ser levados, o que prejudicaria a sua situação. Ele recebeu então um soco no peito e na boca. Uma das encarregadas pela contabilidade exibe as fotos que foram tomadas no momento da invasão, quando os seguranças desfrutaram da cozinha e da comida dos funcionários, e reviraram uma das mesas do seu escritório. “Estou meio paralisada, tinha tanta coisas para fazer, hoje era dia de pagamento dos contratados”, diz ela, atônita.

Os trabalhadores informam que a paralisação causa um prejuízo diário de 40 mil reais. O pior, para eles, é que situações como esta prejudicam a imagem da fábrica com os compradores e com o mercado. Na época da transição da antiga empresa para a cooperativa, por exemplo, a Cooperbotões chegou a perder até 80 por cento da sua clientela, algo que estava sendo conquistado aos poucos, mesmo na base do aperto Empregos recuperadosEm 09 de agosto de 2004, foi decretada a falência da Diamantina Fossassene, a segunda maior fábrica de botões da América Latina. Já em 07 de abril, os trabalhadores e trabalhadoras tinham ocupado a fábrica. Eles estavam há três meses sem receber os salários e o 13º, entre outras dívidas acumuladas pela empresa, cuja dívida total estava em torno de R$ 33 milhões.Hoje, a Cooperbotões possui um conselho administrativo formado pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras.

Pois os administradores da empresa, na época, fugiram por achar “que os peões não podiam comandar”, como lembra Carlão, com bom humor. Coube aos trabalhadores aprenderem a se virar com a burocracia administrativa e fazer a transição para cooperativa. Apesar de inserida no mercado capitalista, Carlão explica que os operários do chão de fábrica tomam as principais decisões, enquanto aos conselheiros cabem apenas decisões corriqueiras. Embora existam diferenças de salário por haver diferença de qualificações, o menor salário não pode ser seis vezes menor do que o maior salário. Quando há sobras, 80% deste capital é destinado para modernizar a infra-estrutura e 20% dividido entre os trabalhadores. A distribuição se dá periodicamente, na chamada “retirada”. Sem patrões A história da Cooperbotões, assim como a das diversas fábricas ocupadas no Brasil, está inserida no contexto da economia solidária – que possui 15 mil empreendimentos em todo o país. De acordo com Luigi Verardo, o assessor técnico de comunicação da Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão (Anteag), das 675 fábricas recuperadas visitadas pela entidade, desde a década de 90, um terço delas conseguiu manter-se em atividade. Muitas vezes às mínguas, segundo ele, apesar do avanço conquistado com a recente criação de uma Secretaria de Economia Solidária (2003). No entanto, embora existam exemplos pontuais de fábricas que defendem a estatização, baseada na experiência venezuelana, como é o exemplo da Cipla (industria de plástico recuperada em Santa Catarina), no geral, a maioria defende a gestão dos trabalhadores sem intervenções do Estado. “Não queremos trocar um patrão por outro”, comenta. “Na Venezuela, o Estado faz uma intervenção pontual em defesa dos trabalhadores, mesmo para facilitar processos jurídicos, mas não com o compromisso de assumir a fábrica. Aqui no Brasil, as empresas vêm tocando a dez anos, mesmo sem o apoio do estado”, comenta.