Fonte: http://www.auniao.com/ler.php?id=4709, por Humberta Augusto
Perante o contínuo crescimento do número de repatriados nos Açores, é preciso quebrar preconceitos e o ciclo vicioso de exclusão. Estas são algumas das problemáticas focadas pelo seminário “Inclusão Social, Desenvolvimento Local e Economia Solidária”.
Desde 1981 até à data, deram entrada nos Açores cerca de 700 repatriados. Todos os anos, a média aponta para um crescente incremento de indivíduos que, após cumprimento de pena nos Estados Unidos da América ou Canadá, são deportados para o arquipélago. Estes são apenas alguns dos números que caracterizam uma vasta e mais complexa problemática actualmente vítima de um “ciclo vicioso” de exclusão que é preciso desmistificar.
Estas são as conclusões da intervenção “O Trabalho em Rede na Problemática do Cidadão Repatriado” da autoria de Natércia Gaspar e Maria Humberto Batista, apresentada no âmbito do seminário “Inclusão Social, Desenvolvimento Local e Economia Solidária”. Promovido pela Caritas da Ilha Terceira, o encontro está a reunir técnicos dirigentes públicos e de IPSS numa unidade hoteleira em Angra do Heroísmo.
Segundo as técnicas da Divisão da Acção Social de Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, estas são pessoas que acabam por ser vítimas de um “ciclo vicioso que se caracteriza por um processo de exclusão, em que os indivíduos são excluídos pela sociedade e acabam eles próprios por se auto-excluir”. “A sociedade dominante não entende a carga de conflito e a revolta que o evolve o acto de repatriar e rotula e exclui. Por cá, espera-os o estigma e a rejeição de uma sociedade que dá continuidade aos processo de marginalização do qual já foram vítimas nos países de acolhimento”, receios, que se reflectem, complementam, “à escala mundial”. Neste contexto, refere, trata-se de pessoas “sem terra”, dada a inexistência de sentimento de pertença com o lugar onde residem.
Socialização problemática
Regra geral, os repatriados “por norma emigraram muito novos com as suas famílias, socializaram-se num espaço social e cultural claramente diferente do país de origem, confrontaram-se com a dicotomia entre de acolhimento e a preservação das crenças e valores culturais do país de origem”, explicam. No fundo, estas pessoas acabam por efectuar um “processo de socialização com desvios e contradições” que acaba por levar à pena de prisão e regresso compulsivo à terra que os viu nascer. A maioria, referem, “não tem o mínimo de identificação com este novo espaço físico e social, com a cultura e inclusive com a própria língua”. Segundo as responsáveis, o que o repatriamento não tem em expressão quantitativa – representando, afirmam, cerca de 0,32 % da população açoriana–, tem em “carga simbólica”: “pelas dificuldades de integração”; pelas “distâncias cautelares”, pela “categoria social de repatriado”. “A desconfiança”, referem, é generalizada, desde as populações locais, a entidades empregadoras, senhorios, estabelecimentos comerciais, serviços públicos, etc.
Redes de apoio à mobilidade
Porém, a integração deste indivíduos é um factor que as técnicas realçam, através das Redes de Suporte à Mobilidade Humana, criada pelo Instituto de Acção Social, nas ilhas de São Miguel e Terceira. “Presentemente, dos repatriados apoiados, 18 conseguiram autonomizar-se, não beneficiando actualmente de qualquer tipo de apoio”. “É igualmente de realçar, o número crescente de indivíduos intervencionados pelas redes que tem vindo a fazer um esforço para a sua integração, a demonstrá-lo estão os 94 indivíduos integrados no mercado normal de trabalho e 31 indivíduos integrados no mercado social de emprego e em formação em contexto normal de trabalho”. Actuar a nível do “Ser”, “Estar”, “Fazer”, “Criar” e “Saber” são os pilares do processo de integração deste grupo de cidadãos, seja ao nível do acolhimento, do tratamento, da qualificação profissional, da aprendizagem, entre outras.
Repatriamento não é adjectivo
Contra a ideia de que repatriado é um adjectivo, as técnicas da Acção Social afirmam que esta condição é “um acto meramente administrativo”, uma vez que já é “punitivo e desumano o quanto baste. Expulsar uma pessoa que já cumpriu o seu castigo é impedir que ele, após ter pago a sua dívida para com a sociedade, tenha a possibilidade de se reabilitar”. “A deportação vai contra o direito e o princípio do respeito pela vida privada e familiar defendido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos”, defendem. Desde 1997, a média por ano de repatriados que dão registo no estabelecimento de Ponta Delgada entre 14 e 28 de indivíduos. Deste total, “uns não conseguiram integrar-se”, fazendo parte do universo dos sem-abrigo e “outros integraram-se plenamente”.
Repatriamento em números
A cada ano que passa, o número de pessoas repatriadas tem vindo a aumentar constantemente nos Açores. Na estatística oficial, o maior número de deportações provêm dos E.U.A. Dos cerca de 700 repatriados chegados até ao momento às ilhas, verifica-se uma prevalência de indivíduos do sexo masculino (661), em relação às do sexo feminino (38). A ilha de São Miguel é a ilha que mais repatriados tem recebido, num total de 491 (394 dos E.U.A. e 97 do Canadá), seguindo-se a Terceira que acolheu 128 indivíduos (100 dos E.U.A e 28 do Canadá). Actualmente, as das redes de apoio existentes nestas ilhas apoiam 146 repatriados, a rede de São Miguel 128 e a da Terceira 18. Este ano, chegaram aos Açores um total de 54 repatriados, divididos por São Miguel (39) e Terceira (8).