Fonte: http://arruda.rits.org.br/

Trabalhando há oito anos com economia solidária e comércio justo, a ONG Guardiões do Mar inicia mais um projeto baseado na reciclagem do lixo e que pretende proporcionar melhores condições de vida e trabalho para catadores de lixo dos municípios de São Gonçalo, Itaboraí e Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Com apoio da Petrobras, a Re-Cooperar, nome da nova cooperativa de reciclagem de lixo, vai beneficiar diretamente 150 famílias nessas cidades, gerando renda e novas perspectivas de futuro.

Neste primeiro momento, a entidade realiza um diagnóstico social dos catadores de lixo. De acordo com o presidente da Guardiões do Mar, Pedro Belga, não existem dados quantitativos e qualitativos oficiais sobre a situação dessas pessoas. “Formamos equipes que, todos os dias, vão às ruas, aos lugares onde eles se concentram, para saber quantos são, quem são, quanto ganham. Os dados coletados in loco servirão de base para a construção de um diagnóstico nacional real”, explica.

Ele prossegue dizendo que entre os catadores existem aqueles que estão em situação de rua e catam lixo para satisfazer suas necessidades básicas diárias – que incluem comida e, em alguns casos, bebida alcoólica e até mesmo drogas. A dependência química, aliás, é recorrente entre os catadores. Por outro lado, há os chefes de família desempregados, com lugar para morar, que não conseguem se inserir no mercado e recolhem lixo para gerar renda. O presidente da Guardiões do Mar deixa claro, porém, que não haverá discriminação na hora de selecionar os participantes, pois o mais importante é que eles tenham interesse em participar do projeto.

A intenção da Re-Cooperar é dar melhores condições de trabalho e de vida para os catadores e suas famílias. “Para isso precisamos saber se o que estamos oferecendo [em termos de renda] é superior ao que eles têm hoje, para que se interessem pela cooperativa. Queremos dar qualidade de vida, incluí-los na sociedade e humanizar o trabalho de coleta”, explica Pedro.

Em cada município, serão selecionados 50 voluntários para dar início aos trabalhos. Além dos 150 beneficiados diretos, mais 60 jovens serão inseridos em ações de qualificação, para trabalharem na transformação do lixo em artesanato. “Com esses jovens vamos tratar a questão do primeiro emprego e a sua capacitação para o mercado de trabalho. Eles vão aprender técnicas de expressão oral, matemática financeira básica e português”, destaca Pedro.

A dinâmica do projeto prioriza a retirada dessas pessoas das ruas, oferecendo um espaço mais seguro para trabalhar e com equipamentos adequados. Mais do que isso, a Re-Cooperar também se propõe a acompanhar os dependentes químicos, oferecer cursos de alfabetização, auxiliar na retirada dos documentos necessários para participarem da cooperativa, trabalhando ainda a inclusão social e digital desses trabalhadores e suas famílias.

Em relação aos filhos dos catadores de lixo, que na maioria das vezes ajudam os pais no trabalho, Pedro deixa claro que é “inadmissível” um programa que conviva com o trabalho infantil ou escravo, ou mesmo que não pague os impostos. Uma das condições impostas aos participantes da Re-Cooperar é que não coloquem seus filhos para trabalhar na coleta e que as crianças estejam devidamente matriculadas na escola. A ONG, em contrapartida, manterá atividades sociais e culturais no período em que as crianças não estiverem nas salas de aula.

Para que as intenções se tornem realidade é necessário o lixo, base para toda essa transformação. Foram estabelecidas parcerias com grandes produtores de resíduos sólidos recicláveis, como shoppings, condomínios e empresas, que doam esse material para a cooperativa. Segundo Pedro, “com a divulgação do trabalho, pessoas físicas vão querer participar. Assim, criamos núcleos em bairros mais distantes da nossa área de atuação. Esses catadores fazem o trabalho ainda no campo, mas com todo o uniforme – luvas, máscaras – e repassam para cooperativa. Um caminhão passa e recolhe o material uma vez por semana, por exemplo. E eles recebem como cooperados”.

A previsão é que cada cooperado receba, em até três meses, pelo menos um salário, além de ter o INSS pago. “A tendência é que esse valor aumente com o tempo, tornando possível agregar mais cooperados com um salário bom”, esclarece Pedro. Ele ainda acrescenta que, em média, leva-se três anos para atingir a autogestão. Até lá, a ONG prestará consultoria financeira e buscará novos mercados, fora do estado, para escoamento da produção. “Nós somos uma incubadora de cooperativas, de empreendimentos sociais”, comenta o presidente da Guardiões do Mar, que já acompanha outras duas cooperativas: Manguezarte e Modelarte.

Pedro revela que, atualmente, 250 famílias vivem da renda do artesanato reciclado e que, com a criação dessa nova cooperativa, mais de 400 famílias serão beneficiadas. “O lixo, para eles, é uma bolsa, um porta-retrato, só a matéria-prima que é diferente”, ressalta. Ele destaca ainda que o modelo por eles criado retira o produto definitivamente do meio ambiente. Os produtos levam uma etiqueta com contato da cooperativa, para que sejam recolhidos e reciclados outra vez quando a pessoa não quiser mais o objeto.

A iniciativa da Guardiões do Mar faz parte da Rede de Reciclagem da Petrobras, que já engloba oito estados brasileiros. A entidade ainda vai contar com o apoio do Instituto Baía de Guanabara (IBG) e pretende, já no próximo ano, trabalhar a idéia de educação e reciclagem nas escolas da região. Com gincanas, distribuição de cartilhas e oficinas, a ONG espera ter cerca de 150 jovens como parceiros e disseminadores de educação ambiental.

“O catador de rua tem um papel ambiental extremamente importante, mas os moradores da cidade não o valorizam. Ele não é mendigo, está contribuindo com a sociedade, com a limpeza da cidade. E a sociedade precisa ser mais informada e se entender mais”, conclui Pedro.