Fonte: http://noticias.uol.com.br/licaodecasa/materias/medio/atualidades/ult1685u265.jhtmAntonio , por Carlos Olivieri
Muhamad Yunus ganhou o Prêmio Nobel da Paz de 2006
O Prêmio Nobel da Paz de 2006 foi concedido em 13 de outubro ao chamado “banqueiro dos pobres”, o economista bengali Muhammad Yunus, criador de uma rede de microcréditos para pobres que ajudou milhões de pessoas a sair da pobreza em seu país natal, Bangladesh.
O Comitê do Nobel considerou que o esforço de Yunus para eliminar a pobreza pode resultar em uma paz duradoura, que “não pode ser alcançada a menos que grandes grupos da população encontrem meios de sair da pobreza”. “O microcrédito é um desses meios. O desenvolvimento que vem de baixo também serve para ampliar a democracia e os direitos humanos”, conclui o documento do Comitê.
A partir de um empréstimo de US$ 27 para ajudar 42 mulheres que tinham dívidas com agiotas, o economista fundou o Banco Grameen (“aldeia” ou “rural”, em bengali) para fazer pequenos empréstimos, sem garantia, a pessoas pobres que não teriam condições de consegui-los em bancos tradicionais, para que elas desenvolvam seus empreendimentos artesanais e comerciais.
Do Grameen ao Palmas
As 42 pioneiras eram fabricantes de móveis de bambu. Hoje o Grameen tem mais de 6,7 milhões de tomadores de empréstimos, o índice de reembolso é de 99% e seu sucesso não é só financeiro, como se vê pela concessão do Nobel. Vale a pena notar, por outro lado, que a iniciativa de Yunus não é única e que já existem experiências semlhantes a essas inclusive no Brasil.
Um caso célebre, menos conhecido do que deveria ser em nível nacional, é o do Banco Palmas, de Fortaleza (CE). Trata-se de uma cooperativa de crédito, fundado em 1998 no Conjunto Palmeira, um bairro pobre da capital cearense, com 30 mil habitantes e renda familiar abaixo de dois salários mínimos, de acordo com relatório produzido por João Joaquim e Sandra Magalhães, da equipe de coordenação do projeto.
Administrado e gerenciado pelos líderes comunitários, o Banco Palmas foi criado pela Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras para enfrentar a pobreza do local, com uma filosofia voltada a criação de uma rede de solidariedade de produção e consumo no bairro. O banco possui uma linha de microcréditos para quem quer produzir (criar ou ampliar um pequeno negócio) no Conjunto e outra que financia quem quer comprar de seus produtores e comerciantes.
Círculo virtuoso
Com isso, incentiva a produção e facilita a comercialização dos produtos da comunidade, fazendo a renda circular no próprio bairro e promovendo seu crescimento econômico, uma estratégia que objetiva criar um círculo virtuoso.
“Quando o João, pequeno artesão que produz sapatos, vende sua mercadoria, está conseguindo recursos financeiros para poder comprar os doces da Maria e esta, as confecções da costureira, que por sua vez corta o cabelo no salão do Paulo e assim por diante”, explicam os coordenadores.
Para financiar o consumo, o Banco criou um cartão de crédito popular, o Palmacard, utilizado somente no Conjunto Palmeira. Ele permite às famílias da comunidade comprarem em qualquer comércio cadastrado do bairro e pagar ao Palmas após trinta dias, em data estabelecida pela própria família. No dia estipulado pelo banco, por sua vez, os comerciantes levam suas faturas ao banco e recebem tudo que venderam por meio do Palmacard, com um desconto de 3% da taxa de administração.
Solidariedade em ação
Os produtores/comerciantes beneficiados pelo sistema se reúnem em assembléias mensais para avaliar o funcionamento do cartão, apresentar sugestões e também contribuem com trabalho voluntário para as ações sociais da Associação de Moradores, como limpeza e preservação de praças, acompanhamento às escolas e postos de saúde, entre outros.
A consciência de que consumir produtos e serviços do bairro ajudam a distribuir renda, gerar riqueza e melhorar a qualidade de vida da comunidade, permitiu ao Banco criar outros instrumentos de comércio solidário, como as feiras semanais dos produtores e uma loja solidária, que funciona na sede do Banco, expondo e vendendo os produtos fabricados no bairro.
O Banco Palmas também apóia a criação de empresas comunitárias que têm se multiplicado. Atualmente, já estão em atividade a Palmafashion, empresa de confecção, a Palmart, de artesanato, a Palmalimpe, de materiais de limpeza, além de um Laboratório de Agricultura Urbana, que ensina as famílias a plantar hortaliças e ervas medicinais, bem como a criar peixes em cativeiro nos quintais de suas residências, para posterior comercialização.
Moeda própria
O banco também mantém uma Escola de Socioeconomia Solidária, que capacita os pequenos empreendimentos locais e trabalha junto aos moradores para a criação de uma cultura solidária, organizando ainda um clube de trocas, que funciona com moeda própria, os Palmares e os Palmeirins.
A política de crédito do Banco Palmas é pautada pelo controle social. “Quando um morador chega ao banco para solicitar um empréstimo”, explicam os coordenadores, “ele é informado das regras de funcionamento da rede de solidariedade e não precisa apresentar nenhum documento ou garantia”.
Ou seja, o banco não pede fiador nem faz consultas ao SPC ou SERASA. “Uma analista de crédito visita a família do solicitante e conversa com os vizinhos. É o depoimento da vizinhança que vai servir de aval para o futuro cliente”. “Resgatar na prática socioeconômica o valor da confiança, do amor ao próximo e da paixão pela vida é a perspectiva filosófica do Banco Palmas”, concluem Sandra e Joaquim.
Economia solidária
Por trás de experiências como a de Mohamad Yunus e do Banco Palmas está o conceito de “economia solidária” que coloca o ser humano como sujeito e finalidade da atividade econômica, em vez da acumulação de capital. A noção surgiu a partir dos princípios do cooperativismo que se desenvolveu a partir da Inglaterra em meados do século 19.
Vale lembrar que os princípios do cooperativismo e da economia solidária não se limitam à área financeira, mas a todo o conjunto das atividades econômicas: produção, distribuição, comércio, etc. Segundo a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), já existem cerca de 8 mil associações dessa natureza no Brasil, atuando nos mais diversos ramos.
*Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação. olivieri@pagina3ped.com