Fonte: INCRA

A assinatura dos três Decretos Presidenciais de desapropriação da Usina Catende (PE), ocorrida na tarde desta sexta-feira (13), no Palácio do Planalto, em Brasília, soluciona um conflito histórico que se prolongava há 13 anos na Zona da Mata pernambucana, justamente em um dos locais mais emblemáticos da reforma agrária no País. Na cerimônia, representantes dos trabalhadores da usina manifestaram a importância da desapropriação. O evento contou com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel; do ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro; do presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, da superintendente do Incra em Pernambuco, Maria de Oliveira, e do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Manoel José dos Santos, além de lideranças de outros movimentos sociais.

Leia também a matéria Na Usina Catende, Ministério mantém projetos de economia solidária e de qualificação de jovens do campo em http://www.mte.gov.br/Noticias/Conteudo/12469.asp

Quatro mil famílias de trabalhadores rurais serão assentadas no local. Outras 1,2 mil famílias da região também trabalharão no parque industrial sucro-alcooleiro, já considerado o maior da América do Sul, antes de sua falência, na década de 90. Desde então, os trabalhadores rurais que ali viviam não tinham regularizada a situação de posse da terra. “A reforma agrária não é só a quantidade de terra que você disponibiliza. A reforma agrária é a qualidade do resultado que você dá para os trabalhadores e suas famílias para trabalhar. É a qualidade da assistência técnica, a qualidade do financiamento, a qualidade da garantia de preços”, enfatizou o presidente Lula. Após assinar os decretos, o presidente recebeu de 12 trabalhadores rurais da Usina Catende presentes na cerimônia uma tela de um dos próprios beneficiários da desapropriação, Adir José Catende, retratando a pujança do trabalho na cana-de-açúcar e o parque industrial em pleno funcionamento.

Com os decretos, foram desapropriados 24 imóveis rurais do complexo da Usina Catende, totalizando 23 mil hectares. Nesse complexo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Incra organizaram um projeto de economia solidária que abrange 12 municípios: Catende, Água Preta, Palmares, Xexéu, Jaqueira, Maraial, Brejo da Madre de Deus, Timbaúba, Camutanga, Tacaimbó, Belém de Maria e Lagos dos Gatos. O projeto interministerial envolve, ainda, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), por intermédio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

“A Catende é um processo de reforma agrária emblemático, mas também um processo vitorioso de economia solidária. Desde 2003, já foram realizadas cinco mil operações do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que somam R$ 9 milhões. E não se pode deixar de falar: com inadimplência zero dos trabalhadores rurais”, ressaltou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel.

Trabalhadores comemoram vitória

No passado, a Usina Catende foi uma das principais unidades sucro-alcooleiras do Brasil. Em 1993, num cenário de crise, a empresa demitiu 2,3 mil trabalhadores, que reagiram coletivamente ao desconhecimento de seus direitos previdenciários e trabalhistas por meio de um pedido de falência. Decretada em 1995, essa foi a primeira falência judicial de uma usina nordestina, rompendo com o costume de serem os próprios usineiros quebrados os liquidantes de suas empresas falidas.

A ação dos trabalhadores na Justiça foi bem sucedida para garantir a defesa de seus direitos, ao evitar o fechamento da empresa, que é a principal fonte de emprego da região. Além de preservar o patrimônio, assegurou-se a continuidade dos negócios via empresa de trabalhadores credores. Essa nova empresa adota um modelo alternativo de gestão, tendo reorganizado a produção agrícola e industrial e promovido a diversificação da produção, com a criação de gado bovino e caprino e a produção de feijão, banana, mandioca e mel. O até então síndico da massa falida é um dos próprios trabalhadores, Marivaldo Andrade, cortador de cana desde os sete anos de idade.

“Este é um apoio não paternalista, é um apoio para uma região se desenvolver”, afirmou ele, lembrando que o açúcar produzido pelos trabalhadores rurais da Catende tem compra garantida pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Este ano, R$ 10 milhões foram destinados pelo PAA para o escoamento da produção da Catende.

Representante das mulheres trabalhadoras no complexo, Cristina Maria de Mendonça, recordou que, ao ser demitida em 1993, sequer tinha leite para alimentar o filho, José da Silva, então uma criança. Foi uma das trabalhadoras que testemunhou a luta pela saída dos usineiros do complexo e a decretação da falência judicial. “Eu nunca me vi como estou hoje: dona de minha terra, dona de minha casa. A gente se sente dono do mundo numa hora dessas, sabe?”, contou Cristina. Integrante do projeto de economia solidária, ela hoje tem uma plantação de 500 toneladas de cana. O filho cursa a faculdade de Administração.

Programa Cana de Morador

O Projeto Usina Catende implantou um programa inédito na exploração de cana, o Programa Cana de Morador, que mobiliza os trabalhadores demitidos e os credores preferenciais da falência. Há um trabalho conjunto do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – por intermédio da Secretaria de Economia Solidária –, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)/Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) no apoio ao desenvolvimento do projeto, por meio do Pronaf, da assistência técnica e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), além de iniciativas de capacitação gerencial.

Mesmo antes de se transformar em um projeto de assentamento, a Usina Catende já é alvo de projetos produtivos dos próprios trabalhadores rurais que lá vivem, como os de bovinocultura de leite, piscicultura, fabricação de ração animal (como um subproduto do açúcar), plantio coletivo de café e milho e adoção da fruticultura. As famílias que já moram nas construções ao redor dos engenhos é que deverão ser assentadas no local. O assentamento deve possibilitar a geração de trabalho para mais de 10 mil pessoas, a partir do envolvimento das famílias nas atividades produtivas.