Fonte: Helder Gomes (helgomes@uol.com.br)

Queremos manifestar a nossa indignação, nosso repúdio e esclarecer historicamente à população sobre algumas informações deturpadas, transmitidas pela Multinacional Aracruz Celulose, por exemplo, as suas ações e comunicações coercitivas veiculadas pela imprensa, nas escolas e instituições do município.

Em primeiro lugar, a Empresa faz afirmações sobre a inexistência de aldeias indígenas na região de Aracruz, no entanto, como podemos comprovar no jornal A Gazeta do dia 04/01/1995, fala de um sítio arqueológico, com duas urnas mortuárias intactas e quatro fragmentadas, descoberto em Santa Cruz com no mínimo 600 anos de existência. Isso quer dizer que bem antes da chegada dos portugueses, os índios já viviam nesta região.

Ela afirma ainda que “… no século XVI, os Tupinikim ocupavam uma faixa de terra situada entre Camamu (BA) e o rio São Mateus (ou Cricaré), alcançando a Província do Espírito Santo”, mas, historiadores e alguns viajantes como Jean de Léry, que passou pelo território espírito-santense em 1557 e Gabriel Soares de Sousa (1587), confirmam a presença dos Tupinikim no século XVI não só na região entre Camamu e o rio São Mateus, mas também na Região de Aracruz. Esses índios também viviam na região do rio Piraquê-Açu, onde em 1556 foi fundada pelo jesuíta Afonso Brás a Aldeia Velha (Santa Cruz). De acordo com John Hemming, a população Tupinikim do sul da Bahia até o Espírito Santo era em 1.500, de 55 mil habitantes. Há registros da etnia Tupinikim na região de Aracruz nos escritos de André Thevet, Hans Staden, dos jesuítas José de Anchieta e de Fernão Cardim.

Nós estamos nessa região há mais de 600 anos, como comprova vários documentos. Estamos resistindo e vimos muitas de nossas aldeias serem destruídas.

Em segundo lugar, estamos reivindicando apenas uma parte da terra que nos pertence e é necessária para a nossa sobrevivência e dos nossos filhos.

De acordo com o Livro Tombo de Nova Almeida: “Em 1610, os índios Tupinikim receberam do representante da coroa portuguesa no Espírito Santo, donatário e presidente da província Francisco Aguiar Coutinho, a “doação” de uma sesmaria de terras de seis léguas em quadro. Em 1760 a área foi demarcada, com aproximadamente 61 quilômetros no sentido Norte-Sul e 49 quilômetros no sentido Leste-Oeste”. Esse território foi medido de um lugar chamado Patranha (entre Jacaraípe e Capuaba) indo até Comboios. A sesmaria foi confirmada por Alvará em 1760. E; e em 1860, D. Pedro II visitou a aldeia Tupinikim e ratificou a doação das terras.

A nossa briga é com a Empresa Aracruz Celulose que ocupou a nossa terra indevidamente, como nos relata a Constituição Federal de 1988 no Artigo 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. No parágrafo 2º: “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”.

Apesar de que o governo nem sempre posicionou em nosso favor, em todos os estudos antropológicos da FUNAI confirmaram essa terra como terra indígena.

Em terceiro lugar, gostaríamos também de tranqüilizar a população, pois, não vamos invadir as suas casas e roubar o que lhes pertence.

Em quarto lugar, a nossa ação tem como objetivo pressionar a FUNAI para encaminhar o relatório de contestação à Empresa Aracruz Celulose ao Sr. Ministro Márcio Thomaz Bastos em vista da demarcação e a homologação dos 11.009 hectares que nos pertence.

Em quinto lugar, no século XVIII, fomos proibidos de falar a nossa língua e obrigados a adotar nomes portugueses. De acordo com Prezia e Hoornaert (2.000:94): “A língua portuguesa tornou-se obrigatória, os caciques viraram “capitães” e as lideranças passaram a ser vereadores municipais ou juízes. Todos os indígenas a partir daquele momento seriam cidadãos portugueses”. Como podemos ver, fomos obrigados a falar somente a língua portuguesa e hoje muitos exigem de nós o uso da língua indígena como sinal da nossa identidade. Diante desses fatos históricos, não seria uma contradição exigir de alguém a falar uma língua de que foi proibido há mais de dois séculos!?

De acordo com Coutinho (2006,145): “Em 1758, outra Carta-Régia proibia que novas povoações recebessem nomes indígenas, e os jesuítas eram considerados culpados pelo fraco uso da língua portuguesa e ensinar o Tupi”. Há também, outros escritos que confirmam a imposição da língua portuguesa em detrimento da língua indígena.

O Artigo 3º da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma: “1) Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem discriminação a homens e mulheres desses povos. 2) Não deverá ser empregada nenhuma espécie de força ou de coerção que viole os direitos humanos e as liberdades fundamentais desses povos, inclusive os direitos contidos na presente Convenção”.

Em sexto lugar, a Empresa ridiculariza a imagem do cacique Vilson Benedito de Oliveira, ao apresentá-lo, segundo ela, com elementos culturais de outros povos indígenas. Indignados com tal afirmação, queremos afirmar: “Sobre a questão indígena aqui no Espírito Santo, “a questão pois da autenticidade de uma cultura, é uma falsa questão. A cultura é reproduzida para o aqui e o agora…” (Revista Agora-ES, abril/80p.35). Na mesma entrevista, Cunha, questiona o fato da sociedade “nacional” cobrar dos índios uma imagem cultural estática, congelada no tempo e no espaço. “O que lhes censura, mais ou menos conscientemente, a opinião urbana, é não terem perpetuado inalterada a sua tradição cultural, Não serem mais aqueles margaiás vistosos e guerreiros. Curiosa censura! Alguém jamais nos censurou ou pôs em dúvida nossa identidade étnica por sermos tão diferentes hoje de há um, dois ou quatro séculos atrás? O que temos culturalmente em comum com os descobridores do Brasil? Nem mesmo a língua, basta tentar reler os escritos da época. Se a cultura é algo vivo, que se transforma, por que exigir que a deles, não a nossa, tivesse parado no tempo”.

A Empresa critica também a identidade do cacique Vilson e gostaríamos de esclarecer que a pintura corporal utilizada pelo povo Tupinikim é uma tradição dos nossos antepassados e segundo Gregório (1980:29): “A pintura do corpo usada pelas tribos Tupi-Guarani, era feita com urucu e o jenipapo” e os adornos eram utilizados para se enfeitar e de acordo com Staden (1974: 168): “Além disso fabricam para si um enfeite de penas vermelhas, que se chama acangatara (cocar) e que amarram à cabeça”. E o nome Jaguareté é um nome Tupi e de acordo com Teixeira (1995:299):

Português: onça

Tupi: jaguaraté

Parintin: djagwára

Tapirapé: txãwãrã

GuaraniMbiá: jagwareté

Estamos nos sentindo feridos na nossa dignidade e nos nossos direitos e de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – Artigo 14: “Dever-se-ão reconhecer aos povos indígenas e tribais os direitos de propriedade e posse da terra que ocupam tradicionalmente. Além disso, nos devidos casos, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito desses povos de utilizar terras que não sejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação de povos nômades e de agricultores itinerantes”.

Enfim, sabemos que estamos lutando contra uma grande potência, uma multinacional que usa do seu poder econômico para induzir a população a tomar partido a seu favor com argumentos insustentáveis, e por isso, convidamos a população a fazer uma pesquisa sobre a verdadeira História do nosso povo. A Empresa chegou no município em 1967 e nós estamos aqui há mais de 600 anos. Afinal, de quem são essas terras?

Aracruz, 15 de setembro de 2006

Comunidades Indígenas Tupinikim e Guarani