Fonte: ITCP COPPE UFRJ (mala-itcp@itcp.coppe.ufrj.br)

Um importante passo na história política do cooperativismo popular e da economia solidária no Brasil começou a ser dado na noite de 29 de agosto, no Paraná, com o Primeiro Seminário de Direito Cooperativo, Políticas Públicas e Cidadania. Organizado pelo Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, a proposta do encontro, que vai até o dia 1º de setembro, é reunir representantes das mais diversas posições e experiências do cooperativismo contemporâneo, no Brasil e no Mundo, para aprofundar o debate e contribuir para a definição dos marcos jurídicos do cooperativismo do trabalho.

Acesse o programa Economia Solidária como Resistência que divulga o evento em http://www.cooperativismopopular.ufrj.br/arquivos/bgf1037.wmv

O grande avanço é o fato da organização contextualizar a questão central no plano jurídico, ampliando a discussão para os planos político e econômico, a partir de uma reflexão interdisciplinar que analisará a lei em um amplo cenário da sociedade brasileira. Não é por outra razão que a discussão exige aproximação mais atenta com os movimentos sociais, organizações de trabalhadores, grupos e empreendimentos populares.

São muitos os olhares.. Se de um lado os trabalhadores têm consciência da impossibilidade do cooperativismo avançar no país sem uma legislação adequada, de outro, a sociedade brasileira tem clareza da complexidade das questões políticas e econômicas que envolvem esse debate.

Enquanto os cooperados pedem garantias legais e políticas públicas mais justas para o desenvolvimento de projetos autogestionários, cresce o número de gestores públicos que propõem aos governos a adoção do cooperativismo como modelo de desenvolvimento local. O movimento que aponta para uma profunda mudança social, onde os trabalhadores se apropriarão da própria economia, esbarra, entre outros fatores, na atual legislação trabalhista que, historicamente, vê o trabalhador subordinado ao patrão.

Buscando apontar alternativas, o Núcleo de Direito Cooperativo e Cidadania investiu todos os seus esforços na organização do Primeiro Seminário de Direito Cooperativo, Políticas Públicas e Cidadania. O encontro permitirá momentos de reflexões teóricas e exposições de práticas para a construção de propostas, com destaque para as presenças internacionais da advogada Ainhoa Larrañaga, representante da rica experiência espanhola das cooperativas de Mondragón e Pesquisadora do Instituto LANKI, e do professor Rui Namorado, auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Coordenador do Centro de Estudos Cooperativos da Universidade de Coimbra, que fez a Conferência de abertura abordando a história e os horizontes do cooperativismo.

Forças políticas atuantes

A proposta, que já se concretiza, é dar voz à pluralidade de posições e experiências, a partir da discussão teórica nas áreas de Economia, Política e Direito, conforme esclarece o professor José Antônio Peres Gediel, coordenador do Núcleo de Direito, Cooperativa e Cidadania.

“O eixo da Economia busca demarcar as possibilidades e limites dos empreendimentos cooperativos de iniciativa popular na atual conjuntura; o da Política refere-se à questão da representação e participação desses movimentos e organizações na formulação das políticas públicas e seus reflexos na conquista da cidadania; finalmente, o eixo do Direito analisa as formas de institucionalização das políticas públicas e regulação da atividade econômica, tendo como baliza a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.

O seminário contempla, ainda, questões, propostas e perspectivas brasileiras semelhantes às experiências cooperativistas em outros Países. Nesta linha, foram relacionados os seguintes temas básicos: reflexão sobre a história do cooperativismo; crise do emprego e do Estado de bem-estar social; autogestão e apropriação coletiva dos meios de produção; economia solidária e cooperativismo popular; políticas públicas e redefinição da pesquisa e extensão universitária; representação política, sindicalismo e movimentos sociais; e Direito e legislação cooperativista.

Confrontos recentes

À frente dos trabalhos, o professor José Antônio Peres Gediel lembra que há muito a caminhar até que seja possível definir os marcos jurídicos do cooperativismo no Brasil. “Atuando a partir dos eixos econômico, político e jurídico vamos avaliar a inserção dos empreendimentos populares na economia contemporânea e seu impacto na própria estruturação do trabalho neste novo momento da economia. É necessário, primeiro, localizar esses empreendimentos nos cenários nacional e internacional”.

Para Gediel, “o debate político promete ser tão caloroso quanto produtivo, já que o Estado brasileiro oferece, sobretudo no plano constitucional, aos sindicatos e às organizações dos trabalhadores, instrumentos para enfrentar a crise econômica e a redefinição do trabalho. Os Projetos de Lei 171/99 e 7009/2006, que tratam respectivamente da legislação geral sobre cooperativismo e da legislação para as cooperativas de trabalho, frutos de muitas lutas, são hoje expressões concretas do conjunto de questões econômicas. Muitas são as forças políticas que atuam na disputa pela construção desses instrumentos legislativos”.

Sobre o PL 171/1999 citado, vale registrar que no primeiro semestre de 2006 o Senado foi palco do confronto de interesses que envolveram o projeto de Lei do Cooperativismo, tendo como um das questões preponderantes a determinação da Organização das Cooperativas Brasileiras-OCB no sentido de, entre outras propostas na mesma linha, ser a entidade responsável pela coordenação e orientação de todo o movimento cooperativista nacional. Na ocasião, inúmeros estados discutiam leis específicas. Enquanto parlamentares buscavam mais subsídios para enfrentar o debate com propostas concretas, o cooperativismo popular se mobilizava para fazer valer seus direitos.

Segundo, ainda, o professor Gediel, o fato de existirem dificuldades na aprovação de uma legislação consensual, após tantos anos de luta, é prova da indefinição do lugar desses empreendimentos na economia e na sociedade brasileira. “A 171 e a 7009 representam a fragmentação de forças que trabalham nessa perspectiva social e econômica; revelam a dificuldade de compreender a sua inserção dentro de um sistema jurídico que não foi pensado para esses empreendimentos. Por isso é importante reunir pessoas, movimentos, e organizações de trabalhadores para pensarmos, na verdade, um projeto de país e de sociedade”, conclui.

Discursos teóricos e percursos práticos

Testemunhas ativas em todo esse processo, as cooperativas populares vêm enfrentando inúmeros entraves na construção coletiva de um projeto que se constitui hoje num capítulo à parte na história do cooperativismo no Brasil. Sociedade de ajuda mútua, que tem o capital humano como seu maior patrimônio, nas cooperativas populares o projeto político é tão importante quanto o econômico e exatamente por isso cresce a presença deste segmento na economia nacional no sentido de fazer valer seus direitos.

São novos atores sociais que interferem no plano econômico e atuam no plano político comprometidos com os problemas e preocupações da comunidade. Mas, apesar das conquistas, como a recente introdução do cooperativismo popular no programa do governo federal como instrumento de transformação no campo das políticas públicas, as cooperativas populares convivem com questões históricas como a base patrimonial de proteção do Direito no Brasil. Em nosso país, o direito à propriedade privada sempre foi privilegiado em relação ao direito individual. Não existem contratos coletivos na legislação brasileira. O que marca a CLT é o contrato individual. O caminho é somar a visão patrimonial, cujo capital é o principal elemento, com a visão do contrato social.

Enquanto uns defendem uma ampla reforma na atual legislação, muitos que lutam por uma legislação específica que regule a atuação das cooperativas de trabalho, como a OCB, entre outros pontos conflitantes, admitem o trabalho subordinado no interior das cooperativas, o que caracteriza uma dupla face: os trabalhadores são ao mesmo tempo cooperados e empregados.

Sem descartar a importância da discussão em torno das especificidades da legislação, especialistas destacam como uma das grandes questões deste debate, a necessidade, por exemplo, de pensar a proteção social de um trabalhador que não é empregador e também não é empregado, buscando uma alternativa inovadora, um outro sistema de seguridade social a partir do que já existe.

Com problemas desta dimensão, o movimento cooperativista interfere em políticas públicas locais e nacionais. A perspectiva é de amplas mudanças no desenvolvimento local, a partir do momento que esses grupos comecem a ter voz, presença econômica e inserção social, combatendo a exclusão com inclusão e trabalho.. São, sem dúvida, temas centrais no Primeiro Seminário de Direito Cooperativo, Políticas Públicas e Cidadania.

Para mais informações acesse: www.cooperativismopopular.ufrj.br