Fonte: http://www.oliberal.com.br/, por Jaqueline Almeida

A pouco mais de um mês das eleições, os moradores do Pará, Maranhão, Tocantins e Amapá vão receber um documento que poderá ajudá-los a escolher seus representantes nas eleições 2006. No próximo dia 15, organizações não-governamentais (ONGs) e movimentos sociais que integram o chamado Observatório da Cidadania vão lançar relatório de quase 300 páginas com informações e dados estatísticos atualizados sobre os principais problemas dos quatro Estados, o que os governantes fizeram para resolvê-los e o que a sociedade civil organizada pode propor para ajudar nas questões críticas. Um capítulo é dedicado à avaliação do trabalho dos deputados estaduais e federais. Após o lançamento, haverá um calendário de divulgação e discussão do material com a sociedade e os governadores, deputados e senadores eleitos.

‘A idéia é dar munição para que as organizações pressionem os governos a implantar as políticas públicas’, disse Aldalice Otterloo, coordenadora do Faor, entidade que coordena o Observatório da Cidadania. Ela acrescenta que o relatório servirá também para mostrar que os Estados ainda possuem muitos problemas, alguns bastante antigos, como os conflitos fundiários e a impunidade, e outros agravados nos últimos anos, como o tráfico de seres humanos. ‘Há uma imensa propaganda que mostra só o que é bom. O relatório vai dar visibilidade àquilo que os governos não mostram’, acrescentou.

O relatório do Observatório da Cidadania 2006 começou a ser produzido no primeiro semestre de 2005 com patrocínio da ONG alemã Misereor. O resultado foi a produção de 29 diagnósticos sobre problemas amazônicos, além da avaliação parlamentar nas assembléias legislativas estaduais e no Congresso Nacional. O relatório foi dividido em 10 capítulos que abordam a agricultura familiar, com ênfase para o recente problema da expansão da monocultura da soja no Pará, políticas públicas para mulheres, juventude, povos indígenas, segurança pública e violência, racismo e homofobia (rejeição a homossexuais), educação, economia solidária e recursos hídricos.

Pela primeira vez, os demais Estados da Amazônia Oriental produziram relatórios a partir de suas próprias entidades. ‘Nós achamos a expansão muito interessante. Foi um aprendizado. Até 10 anos atrás, os movimentos sociais no Tocantins só atuavam na área rural. Um trabalho assim contribui para aumentar a atuação’, disse Paulo Rogério Gonçalves, da ONG Alternativas para a Pequena Agricultura e coordenador do relatório do Tocantins.

A coordenadora do Faor disse que todas as entidades discutiram pontos elementares para começar a produção do relatório, inclusive a escolha dos indicadores estatísticos, que precisam ser seguros e confiáveis. ‘Nós debatemos até o conceito de indicador social’, diz. Outro ponto importante é fazer com que as entidades percebam que atualmente existe uma ‘nova cultura de participação’.

Deputados

A baixa participação democrática fica clara no resultado da avaliação da atuação parlamentar dos deputados estaduais paraenses pela cientista política Doralice Silva. ‘Um grande problema é que a comunicação entre os deputados, os partidos políticos e a sociedade ainda é muito fraca’, avaliou. Segundo ela, uma parte dos parlamentares entrevistados mantêm seus mandados sem entrar em contato com os eleitores, sem se envolver com as discussões do partido, com pouca participação, pautados por questões que passam longe da discussão democrática.

Um sinal disso também apareceu no pouco interesse dos parlamentares sobre a pesquisa feita para o Observatório da Cidadania. Doralice conta que os primeiros contatos para aplicar os questionários começaram no início do ano e, no final do trabalho, apenas 19 dos 42 deputados estaduais do Pará haviam respondido ao questionário de 54 perguntas aplicados por ela e sua equipe. ‘Houve casos em que não conseguimos falar sequer com o assessor do deputado’, lamentou. Além disso, nem todos os que aceitaram responder ao questionário mostraram interesse. ‘Pelo menos 1/4 dos entrevistados nos passou a impressão de desinteresse’.

Globalização tem no tráfico de humanos uma de suas crueldades

Um item inédito nos relatórios do Observatório da Cidadania – mas que se destaca pela complexidade – é o tráfico de mulheres e homens da Amazônia para exploração sexual e prostituição. Elaborado pelo pesquisador Marcel Hazeu e a cientista política Danielle Lima de Figueiredo, do Programa Jepiara e da ONG Sociedade de Direitos Sexuais da Amazônia (SóDireitos), estabelece que o tráfico de seres humanos é resultado de um processo cruel de globalização da economia. ‘A lógica é se manter em um local enquanto der lucro. Quando o lucro acabar, migra-se atrás do consumo, atrás da melhoria de vida’, explica Marcel.

O pesquisador chegou a visitar boates onde há mulheres paraenses sendo usadas para prostituição no Suriname (que faz fronteira com o Brasil) e na Europa. Ele também comparou dados da última Pesquisa sobre Tráfico de Seres Humanos (Pestraf) e resultados de entrevistas em organizações de direitos humanos internacionais e com vítimas. Marcel percebeu, por exemplo, que 22% das mulheres que se prostituem na Holanda são oriundas na América Latina, sobretudo do Brasil, com uma grande participação de paraenses. As mulheres são abordadas por agenciadores em cidades como Belém, Xinguara, Redenção, São Félix do Xingu, Novo Progresso, Eldorado dos Carajás, Castanhal, Bragança, Rondon do Pará e Bom Jesus do Tocantins.

Ele cita no relatório que, durante o trabalho de prevenção ao tráfico com 137 mulheres em pontos de prostituição em Belém, 36 delas relataram que já haviam viajado ou convidadas para se prostituírem no Suriname, 22 na Holanda, 12 na Espanha, 10 na França, nove na Guiana Francesa e cinco na Itália. Algumas delas citaram também ‘oportunidades’ na Alemanha, Estados Unidos e Portugal. Entre as que foram para o exterior, algumas relataram que gostaram e ganharam ‘muito dinheiro’, outras disseram ter achado a experiência ‘muito ruim’ e que voltaram sem dinheiro. Um trabalho semelhante feito por movimentos homossexuais revelou que meninos e homens também já tinham ido para a Europa. ‘Essa informação mostra que homens e meninos em Belém estão em movimento no mercado internacional e ilegal de prostituição, o que os vulnerabiliza para o tráfico’, acrescenta o pesquisador. (J. A.)