Fonte:Soraia Costa, do Congresso em Foco

Apesar das duras críticas sofridas pelo governo do PT, as pesquisas de opinião mostram que o presidente Lula conseguiria se reeleger no primeiro turno. Segundo o último levantamento do Ibope, divulgado dia 10, ele teria 57% dos votos válidos se a eleição fosse hoje.

Os resultados são semelhantes aos revelados nas últimas semanas por outros institutos, como Vox Populi, Datafolha e Sensus. Todos apontam a vitória de Lula no primeiro turno e destacam que seu eleitorado está, principalmente, nas camadas mais populares e de escolaridade mais baixa.

De acordo com o Ibope, entre os entrevistados com nível superior, o presidente tem a preferência de apenas 27%. Na faixa de renda familiar entre cinco e dez salários mínimos, só 33% declaram que votarão no petista. Nesses segmentos, sobe o apoio a Geraldo Alckmin (PSDB), Heloísa Helena (Psol) e Cristovam Buarque (PDT).

A grande pergunta é: por que Lula mantém tal favoritismo, mesmo enfrentando a ojeriza de vasta parcela da classe média e após o seu governo atravessar um turbilhão de escândalos?

Em busca dessa resposta, o Congresso em Foco entrevistou dois parlamentares, três analistas políticos, um economista e uma especialista em políticas sociais.

Para um deles, o deputado federal Roberto Freire (PPS-PE), aliado de Alckmin nas eleições, a popularidade do presidente é conseqüência da desinformação da população menos instruída. Problema que, acredita ele, a campanha na TV poderá resolver.

No outro extremo, o deputado federal Antônio Delfim Netto (PMDB-SP), hoje lulista de carteirinha, também apresenta uma explicação relativamente simples: o governo petista, bem ou mal, melhorou a vida dos mais pobres e, por isso, são tão grandes as chances de Lula ganhar mais quatro anos.

Os demais entrevistados, técnicos com posições políticas menos explícitas, ancoram seus argumentos em teses que ajudam a entender não só o vigor eleitoral de Lula nas faixas de menor renda como as críticas que ele sofre de segmentos de classe média.

Saiu tudo ao contrário

Quem faz uma boa síntese dos dois fenômenos (o sucesso de Lula entre os pobres e as frustrações que seu governo provocou na classe média) é Antônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Mantida com recursos dos sindicatos, a entidade, criada há 20 anos, se constitui no mais importante grupo organizado de pressão dos trabalhadores sobre o Congresso e o governo federal em Brasília.

Toninho do Diap, como ele é conhecido, lembra que Lula foi em 2002 o candidato da classe média. Desfrutava de preferência absoluta entre aqueles com renda acima de cinco ou dez salários mínimos. “Agora é o inverso”, afirma. “São os mais pobres que sustentam a candidatura Lula”.

Por quê? Do lado da população carente, responde ele, uma razão objetiva é o temor de perder o dinheirinho magro, porém vital, do Bolsa Família. Quanto à classe média, prossegue Toninho, há grande decepção com o modo petista de governar.

Essa insatisfação tem a ver, em parte, com o conteúdo das políticas públicas implementadas pelo governo: “Lula não governou para a classe média. Só nos últimos meses, adotou medidas que a beneficiam, dando por exemplo o aumento salarial para os servidores, corrigindo a tabela do Imposto de Renda, vetando o FGTS para empregados domésticos ou segurando o reajuste dos combustíveis”.

Mas, no seu entender, o modo petista de administrar (aí incluída a questão da ética) foi o que mais afastou um eleitorado que no passado quis Lula lá, no Planalto. Sua didática formulação merece um parágrafo inteiro.

“Para ter maioria no Congresso”, diz, “um governo tem três alternativas: compartilhar a gestão com outras forças políticas representadas no Parlamento, partilhar com a base social o conteúdo das políticas públicas e liberar recursos orçamentários de forma a atender demandas políticas ou sociais. O PT não fez nenhuma dessas coisas. Enveredou pelo caminho de conservar o poder em suas mãos e comprar os parlamentares para garantir maioria nas votações. Foi este o equívoco fundamental, decorrente da ânsia pela hegemonia”.

Se o negócio saiu ao contrário do esperado, como pode Lula preservar uma situação tão confortável nas pesquisas? Para Toninho, a resposta vai além do apoio do eleitorado mais pobre. “A população não está satisfeita com Lula e o PT, mas não tem saudade do PSDB. Como somente esses dois partidos têm vocação de poder e estão estruturados para conseguir governar, Lula aparece para a população como o menos pior”, acredita ele.

Uma questão de escolha

Na análise econômica, o sentimento de alguns especialistas não é muito diferente: o governo não se saiu tão bem quanto poderia, mas as coisas podiam ter sido muito piores.

Os resultados refletem as escolhas da administração Lula, que priorizou a política macroeconômica (de corte inegavelmente conservador) e o assistencialismo em detrimento de políticas estruturais, abrangentes e transformadoras.

Durante os três anos e meio em que está no poder, Lula manteve as taxas de juros altas e conteve os gastos públicos para atingir um superávit maior até mesmo que o exigido pelo Fundo Monetário Internacional. Em contrapartida, destaca o economista Roberto Piscitelli, que atua na área de finanças públicas, “o crescimento tem sido modesto, inclusive com queda na atividade e no emprego industriais a partir de 2005”.

Segundo o economista, a estabilidade econômica tem sido mantida de forma artificial, o que poderá acarretar problemas futuros. Atualmente, a moeda brasileira é uma das mais valorizadas do mundo e, apesar das reduções dos últimos meses, nossas taxas de juros só perdem para as da Turquia. Ou seja, são as segundas mais elevadas do planeta.

“Com a desaceleração da produção interna, mais cedo ou mais tarde teremos a desvalorização cambial. Não se pode aplicar um remédio tão forte continuamente ou o paciente acaba sucumbindo”, compara Piscitelli.

Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Delfim Netto faz uma avaliação mais positiva. Ressalta como vitórias do governo Lula a retomada das exportações, o equilíbrio das contas públicas e a redução do risco Brasil (que atingiu na última terça, 15, 206 pontos, o índice mais baixo de todos os tempos).

Concorda, no entanto, que o governo falhou no estímulo aos investimentos privados, o que explica o “medíocre” crescimento do país nos últimos anos: “A política monetária do Banco Central prefere sustentar a elevada taxa de juros para não desagradar os mercados financeiros. Espero que o próximo presidente, e tudo indica que será Lula, corrija essa política monetária para liberar a economia brasileira desse garrote que já dura dez anos”, afirma o deputado.

Pelo mesmo motivo, Roberto Piscitelli prevê: “Se a política econômica for mantida, ou vamos continuar crescendo a taxas medíocres ou deixaremos de crescer”.

Roberto Freire também engata nesse filão: “A estabilidade começou com Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real. Quando Lula assumiu o governo, o fim da cultura inflacionária já estava consolidado. É certo que ele não fez nada contra a estabilidade, e isso temos que admitir, mas também não fez nenhum processo de desenvolvimento”.

Ortodoxia e assistencialismo

Em 2002, o Brasil ainda se recuperava da crise provocada pela quebra nas bolsas de valores asiáticas. O medo de mudanças (em função da então iminente vitória de Lula) também contribuiu para levar o risco Brasil, índice que mede a capacidade de uma nação honrar suas dívidas, a disparar no período pré-eleitoral, chegando à alta histórica de 2.443 pontos.

Ao chegar ao poder, no entanto, o PT manteve a política econômica ortodoxa do antecessor, o tucano Fernando Henrique. A escolha agradou aos investidores estrangeiros, mas gerou a ira dos antigos aliados, que acusam Lula de ser “o presidente dos banqueiros”, como adora repetir a ex-petista e agora candidata a presidente pelo Psol, Heloísa Helena.

Discutir até que ponto Lula poderia explorar rotas alternativas é tema sobre o qual não há consenso entre os economistas. Para os analistas políticos, porém, uma coisa é certa: a gestão econômica ofereceu ao governo instrumentos suficientes para conseguir um feito que não se pode desprezar, a implementação de programas de transferência de renda e de uma política de elevação do salário mínimo (de R$ 180 para R$ 350) que beneficiaram diretamente pelo menos um terço da população, que compõe a base da pirâmide social brasileira.

Formando um contingente de quase 60 milhões de pessoas, as famílias com até dois salários mínimos de renda são decisivas em qualquer eleição. E são elas as maiores beneficiárias dos programas assistencialistas, da queda da inflação e do aumento do salário mínimo.

“Pela primeira vez, em muitos anos, os levantamentos do IBGE sobre as condições de vida do brasileiro mostram que houve efetivamente melhora na distribuição de renda. Não importa se foi uma pequena mudança, mas o fato é que é um fenômeno quase inédito de redução da desigualdade e obviamente isso significa que afetou o bem-estar dos mais pobres”, defende Delfim Netto.

Em uma coisa os técnicos concordam com Delfim: para os mais pobres, pequenos ganhos fazem enorme diferença. Por isso, apesar dos ataques do PT, em 1994, à atuação de FHC no Ministério de Fazenda, o sucesso do Plano Real permitiu que o tucano chegasse ao poder e permanecesse no Palácio do Planalto por oito anos. De maneira análoga, a vantagem de Lula na corrida reeleitoral tem se desenhado a partir do êxito do Bolsa Família, carro-chefe das políticas sociais do governo.

Com Lula, o Bolsa Família passou a agregar outros projetos assistencialistas como auxílio-gás, o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Hoje, o programa atende 11,118 milhões de famílias com renda mensal por pessoa de até R$ 120. Os benefícios vão de R$ 15 a R$ 95, levando em conta o número de componentes da família e a quantidade de crianças em idade escolar.

“A melhoria no valor do salário mínimo e o auxílio do Bolsa Família causaram impacto direto na alimentação e na aquisição de bens de consumo de primeira necessidade, embora as políticas para aumentar o número de empregos de qualidade e garantir a estabilidade das famílias não tenham sido significativas”, constata a professora Ivanete Boschetti, coordenadora do programa de Pós-graduação em Políticas Sociais da Universidade de Brasília.

O Bolsa Família foi implantado no governo FHC. Mas, com Lula, o repasse do dinheiro passou a ser feito diretamente para o beneficiado, pelo correio. Assim, problemas como o escândalo do vale-gás, que identificou fraudes na distribuição dos recursos, puderam ser evitados e a população verdadeiramente carente e que nunca tivera a chance de ganhar esses reais passou a recebê-los.

O peso do mensalão

Nesse cenário, argumentam os especialistas ouvidos, escândalos políticos têm peso relativo. “O beneficiado olha direto para o Lula e contra fatos não há argumentos. Se a população está recebendo um dinheiro que nunca recebeu, não serão as suspeitas de envolvimento no mensalão que reduzirão a popularidade do presidente”, diz o presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos, Carlos Manhanelli, que é sociólogo e cientista político.

“Política compensatória não resolve o problema da pobreza, mas quem antes comia farinha com água e agora tem condições de pagar por um pedaço de carne quer reeleger o presidente”, complementa Ivanete Boschetti.

Outro aspecto é que o escândalo de compra de votos em troca de apoio político, que estourou em maio de 2005 e derrubou o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, não causou arranhões muito fortes na imagem de Lula.

“A crise política atingiu mais o PT do que o presidente. Boa parte dos que estão descontentes com o governo, não atribuem a culpa a Lula, mas ao Congresso”, diz o cientista político Fernando Abrúscio, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.

Embora muitos brasileiros duvidem que o presidente não soubesse do esquema ilegal, no entendimento do Ministério Público Federal, faltam provas para incriminar Lula. “Como não houve constatação, as pessoas aceitam a inocência do presidente, até porque o apelo popular de Lula é maior que o do próprio PT”, destaca Carlos Manhanelli.

Embora o mensalão forneça considerável munição à oposição, os analistas políticos consultados pelo Congresso em Foco pensam que o quadro eleitoral só será alterado nos próximos 45 dias se os adversários de Lula adotarem nova estratégia.

“Enquanto os outros estão discutindo o que Lula fez ou deixou de fazer, o presidente está preocupado em mostrar como serão os próximos quatro anos. O tempo é curto. Eles estão remoendo o passado e isso não colou e nem vai colar”, sustenta Manhanelli.

O fator Heloísa

Opinião semelhante tem Fernando Abrúscio. Na avaliação dele, só haverá segundo turno se os candidatos abandonarem a idéia de desmoralizar Lula. O que é certo, para o cientista político, é o aumento dos votos de protesto, sejam eles nulos, em brancos ou dados a Heloísa Helena (Psol).

“A atitude do Congresso favoreceu o descrédito da política. Há grandes chances de Heloísa Helena ganhar as eleições no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, apesar da maior parte dos eleitores dessas localidades não ter intenções reais de levar a senadora ao poder”, opina Abrúscio.

Segundo ele, os votos em Heloísa Helena serão como um aviso de que, se não houver transformação na conduta dos políticos, a senadora poderá virar presidente no futuro.

“O eleitor não quer saber do passado, mas do futuro. Se continuar como está, Heloísa Helena subirá rápido e vai começar a haver uma luta pelo segundo lugar entre a senadora e Alckmin, mas que não aumentará as chances reais de nenhum dos dois”, acrescenta o professor.

Onde o governo fracassou

Embora o programa de governo de 2002 contemplasse o fortalecimento das cooperativas e das micro e pequenas empresas, o que se vê, a menos de cinco meses do término do mandato de Lula, é um investimento tímido do Ministério do Trabalho no projeto Economia Solidária.

Os pequenos grupos formados para a geração de emprego e renda não chegam nem perto das metas propostas durante as eleições. Os postos de emprego criados são destinados a pessoas com baixa escolaridade e salários reduzidos. Muitos deles resultam de contratos temporários e que não garantem a estabilidade do trabalhador.

Apesar de garantirem a popularidade de Lula, as políticas assistencialistas não resultam em mudanças a longo prazo que possibilitem reduzir a pobreza e garantir a inclusão social. “Não houve geração de empregos e o investimento estrutural foi reduzido. A curto prazo não veremos impacto negativo, por causa das políticas compensatórias, mas esta é com certeza a maior fragilidade do governo”, acredita a professora Ivanete Boschetti.

As opções petistas explicam porque Lula é popular entre as camadas mais pobres e desagrada à classe média. Apesar de dar um mínimo de estabilidade a famílias que antes não tinham renda nenhuma, pouco foi feito no sentido de mudar de fato aquela que continua sendo uma das sociedades com maiores disparidades sociais e regionais do mundo.

Mesmo tendo diminuído um pouco as desigualdades, o Brasil continuou sendo um país injusto e no qual a classe média ainda enfrenta grandes dificuldades para realizar suas aspirações: ter dinheiro para pagar as contas no fim do mês, possuir um padrão de vida minimamente confortável, conquistar bons empregos e salários para si e para seus filhos, ascender socialmente etc.

A alta taxa de juros dificulta os investimentos e a geração de empregos. “Quem quiser investir em produção só se endividará se tiver previsão de retorno elevado, impraticável na maioria dos casos”, observa o economista Roberto Piscitelli.

O baixo crescimento da economia e a falta de políticas sociais estruturais explicam o caos dos serviços públicos.

Hospitais e escolas de todo o país sofrem com problemas de estrutura física, escassez de profissionais e baixos salários. Os presídios estão superlotados e a população carcerária cresce cada vez mais. Enquanto isso, a segurança pública – área em que as responsabilidades são compartilhadas entre a União e os estados – está totalmente fora de controle, como deixaram claro as recentes ondas de ataques do PCC em São Paulo.

A classe média, que já era obrigada a pagar por saúde, educação e segurança, passou a ter que gastar também com a aposentadoria nos bancos privados, a partir da reforma previdenciária (que, ainda em 2003, impôs nova redução aos benefícios para quem contribui). E é essa classe média que agora se divide entre alternativas que vão desde a pregação do voto nulo até a defesa da candidatura Alckmin. Tão dividida ela se encontra que seus queixumes, ao menos até o momento, pouco repercutiram no prestígio popular do presidente.