Fonte: Nelson Breve, para Carta Maior

A estagnação econômica da década passada estruturou o segmento do trabalho precário e informal, que requer políticas alternativas de inserção no mercado profissional. Os desafios a serem enfrentados pelas políticas públicas de emprego neste início de século são o tema da segunda rodada de Debates Carta Maior, apresentado no dia 07 de agosto.

Na década passada, a população em idade ativa da Região Metropolitana de São Paulo cresceu cerca de 20%, enquanto a quantidade de ocupações assalariadas e autônomas expandiu apenas 10%. De cada dois jovens que ingressaram no mercado de trabalho nesse período, apenas um conseguiu se encaixar, ainda que em atividade precária. Esse cenário foi agravado pelo encolhimento de 10% nos empregos com carteira assinada – queda puxada particularmente pelo setor industrial, que cortou uma em cada cinco vagas existentes. A conseqüência óbvia dessas estatísticas é que o desemprego mais do que dobrou, passando de 686 mil no fim de 1990 para cerca de 1,5 milhão em 2000, segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) em parceria com a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).

Nesse período, o contingente de trabalhadores assalariados sem carteira assinada mais do que dobrou, chegando a 1,1 milhão, e o de autônomos cresceu quase 60%, superando a marca de 1,6 milhão. Em 1990, o trabalho informal representava 30% das ocupações na Grande São Paulo. Foi a mais de 40%, em 2000, e essa proporção não se alterou substancialmente nem nos últimos cinco anos, quando o desemprego parou de acelerar e o volume de contratações com carteira assinada voltou a superar o de demissões, com o setor formal da economia absorvendo mais trabalhadores do que as ocupações precárias. Hoje, são mais de 3 milhões de ocupados na economia informal da maior metrópole do país. Somados a cerca de 1,6 milhão de desempregados, eles superam o contingente de assalariados do setor formal (3,5 milhões na iniciativa privada e 660 mil no serviço público).

Terceirização, criação de cooperativas, vendedores autônomos, prestadores de serviços pessoais, expansão de novas ocupações, como serviços de motoqueiros e telemarketing. O que deveria ser alternativa provisória para amenizar o desemprego, tornou-se atividade permanente, alterando a estrutura do mercado de trabalho. “Houve perda dos melhores empregos e a expressiva tendência de deterioração continua, mesmo quando o emprego formal cresce. Viramos uma sociedade de serviçais”, constata o economista Anselmo Luiz dos Santos, do Instituto de Economia da Unicamp. Essa nova realidade das metrópoles brasileiras, moldada pelas estratégias de sobrevivência à estagnação econômica, não tem perspectivas de se alterar nem com um nível mais forte e sustentado de crescimento da economia do país, na avaliação do economista Ladislau Dowbor, professor da Pontíficia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Ele observa que apenas 34 milhões de trabalhadores brasileiros possuem vínculos formais, sendo 27 milhões no setor privado e 7 milhões de funcionários públicos. Na outra face do mercado de trabalho, acomodam-se 93 milhões de autônomos, pequenos agricultores, trabalhadores da economia informal e ocupados em serviços precários. “As perspectivas não são boas para quem imagina a retomada do emprego industrial como forma de garantir postos de trabalho. Não há como absorver essa imensa massa de sub-utilizados que nós temos”, sustenta Dowbor, que não considera realista a visão de que a crise do emprego no Brasil se resolve com a volta do crescimento da economia.

Para o professor da PUC-SP, essa sub-utilização da força de trabalho só poderá ser revertida se a geração de empregos se tornar o eixo estratégico do crescimento. Ao invés de ser encarada pelos formuladores da política econômica como uma conseqüência natural da expansão da economia, seja considerada o seu motor de arranque, a força indutora para criar o fluxo de demanda que colocaria em marcha um circulo virtuoso, no qual mais gente trabalhando consome mais produtos e serviços, aumentando a necessidade de produzir mais, o que amplia a oferta de melhores empregos. “É preciso resgatar a produtividade do sistema de maneira mais ampla”, aponta Dowbor.

Ele sugere quatro linhas de ação para enfrentar o problema estrutural do desemprego: 1) distribuição de renda; 2) frentes de trabalho nas cidades; 3) incentivo a políticas locais de desenvolvimento; e 4) redução da jornada de trabalho. Segundo Dowbor, o primeiro eixo já estaria sendo implementado pelo governo, com as políticas de aumentos reais para o salário mínimo e ampliação da transferência de renda para as famílias mais pobres. Os demais estariam dependendo de maior ousadia.

No caso das frentes de trabalho, a idéia é transformar os 5.600 municípios brasileiros em um canteiro de obras de saneamento, drenagem, arborização, contenção de encostas, construção de moradias e outras que demandam mão-de-obra pouco qualificada, mas melhoram a infra-estrutura e a qualidade de vida da população urbana. Os operários seriam recrutados em cooperativas e associações de serviços urbanos. A vantagem das frentes de trabalho em relação às transferências do Bolsa Família, por exemplo, é que, além de gerar renda nas comunidades e dinamizar a economia local, a contrapartida produz benefícios coletivos.

Dowbor aponta experiências interessantes que ocorreram em Santos (Operação Praia Limpa), Mauá (Lei dos Serviços Emergenciais) e São Paulo (Estratégia Paulistana de Inclusão Social), e observa que a Índia adotou recentemente uma lei de garantia de emprego que assegura 100 dias de trabalho por ano para cada família. Trata-se da expansão de um projeto bem sucedido, implementado ao longo de 10 anos no estado de Maharashtra.

Em relação ao apoio governamental para implementação de políticas locais de desenvolvimento, ele lembra que os governos sempre ajudam os segmentos considerados superiores da economia. Seja com programas de saneamento de bancos privados, de reestruturação de dívidas de grandes produtores rurais ou de desoneração fiscal de setores com muita força de pressão, como automobilístico ou de transportes. Mas os pequenos empreendedores conseguem pouca atenção das políticas públicas. Dowbor quer mudança nas regras de aplicação da poupança bancária, comentando que nos EUA existe uma lei que obriga os bancos a investirem nos locais onde fazem grande parte de sua captação e, na Alemanha, 60% da poupança da população – que é maior que o Produto Interno Bruto (PIB) deles – é administrada por pequenos bancos locais.

O economista sugere também que o governo promova políticas integradas de apoio ao desenvolvimento local, como a mudança na lei de licitações para privilegiar as pequenas empresas locais nas licitações municipais. Ele recorda um caso ocorrido em São Luís, no Maranhão, em que a prefeitura renovou o mobiliário das escolas e a licitação foi vencida por uma empresa de Santa Catarina. Foram comprados móveis de metal, que servem bem para as escolas do Sul do país, mas, com a maresia do Nordeste, o mobiliário não deve durar mais que dois anos.

Para defender a batalha da redução da jornada, Dowbor argumenta que o trabalho não deve ser examinado apenas pela ótica econômica, mas como um direito social do cidadão, que a sociedade tem a obrigação de prover. Mencionando o lema que os franceses utilizaram há dez anos, na campanha pela redução da jornada para 35 horas semanais (“Trabalhar menos para trabalharem todos”), o professor considera que a implementação de uma medida como essa produz resultados positivos também do ponto de vista econômico. “O pessoal esquece que a pobreza é um grande custo. É direito de qualquer chefe de família ganhar seu pão. Isso é o básico, o resto é conversa”, protesta Dowbor.

“Não tem solução fácil para problema difícil”, adverte Anselmo dos Santos. Ele concorda que é preciso ter políticas sociais para amparar os trabalhadores de baixa qualificação que estão desempregados ou com ocupações precárias. Defende as frentes de trabalho propostas por Dowbor e a ajuda financeira para evitar que os jovens tenham que deixar a escola para reforçar a renda da família. Mas considera essas intervenções como políticas sociais, que amenizam, mas não resolvem. “Se o país não crescer 5% ao ano por 15 a 20 anos, não enfrentará os problemas do mercado de trabalho, que estão fora do mercado de trabalho. Estão na política macroeconômica”, sustenta Santos.

As políticas de desenvolvimento local para geração de emprego e renda também estarão em discussão na segunda Mesa Redonda da série Debates Carta Maior, que terá a participação dos economistas Carlos Alonso, Márcio Pochmann e Anselmo dos Santos, da Unicamp, Ladislau Dowbor, da PUC-SP, Cláudio Salm, da UFRJ, e Sérgio Pereira Leite, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. O debate será transmitido ao vivo pela TV Carta Maior (www.tvcartamaior.com.br), na próxima segunda-feira, 7 de agosto, às 18h30, a partir do Hotel Maksoud Plaza.