Santa Maria abrigou uma iniciativa de resgate do autêntico trabalho popular e familiar

Por: Alexania Rossatto de Santa Maria (RS) para Brasil de Fato

Em um mundo marcado por altas e baixas nas bolsas de valores, guerras fiscais e “riscos econômicos” de toda natureza, produtores, comerciantes e consumidores da economia popular e solidária consideraram o evento que aconteceu entre os dias 7 e 9, em Santa Maria (RS), um “tratado contra a concorrência desleal do capitalismo”. O evento, que marcou o segundo ano da Feira de Economia Solidária do Mercosul, consolidou ainda os 13 anos da realização da Feira Estadual do Cooperativismo, os seis anos da Mostra da Biodiversidade e os cinco anos da Feira Nacional de Economia Solidária.

Referência internacional na economia solidária, Santa Maria abriga, desde 1992, locais e regionais do gênero. Desta vez, o objetivo foi promover, divulgar e articular com os países do Mercosul as propostas de economia solidária, agricultura e agroindústria familiar, agroecologia, comercialização direta e autogestão dos empreendimentos solidários do Brasil. “No coração dessa iniciativa está o sonho de um novo mundo possível. A feira trabalha a metodologia do Fórum Social Mundial, com a diferença que aqui aplicamos o debate do Fórum na prática. Este, para nós, é o novo mundo possível. O cooperativismo é a força das famílias pobres e o que está no lastro do nosso trabalho é a solidariedade consciente”, afirma Irmã Lourdes Dill, uma das coordenadoras da feira.

Durante a feira, as populações urbana, indígenas, quilombolas, movimentos sociais, catadores e camponeses que estiveram no Terminal de Comercialização Direta puderam ver, comprar e trocar experiências com mais de 500 expositores de diversos Estados e países latino-americanos que trouxeram artesanato, roupas, alimentos orgânicos, calçados, flores, sementes, entre outros. Teve destaque também o resgate da memória da liderança indígena Sepé Tiaraju, morto há 250 anos em São Gabriel (RS).

A experiência das famílias

Os relatos de experiências de trabalho cooperativo das famílias foram uma troca enriquecedora. A santamariense Maria Magdalena Dalcin disse que teve muitas dificuldades no início, mas hoje é grata pelos resultados. Sua maior alegria é “acordar de manhã cedo e poder dizer: vou trabalhar”. O envolvimento da família Dalcin com a economia solidária começou em 2001, com a produção de queijo, lingüiça, copas. Hoje, eles compartilham experiências com os demais trabalhadores da sua cooperativa.

Vindas de Biguaçu, município próximo à Florianópolis, Jane Barth e Maria Cândida Martins representaram um grupo de 40 famílias de artesãos. “A maioria das famílias associadas vive só do artesanato. Participar desta feira é divulgar o nosso trabalho”, diz Jane. Foi com essa perspectiva que elas iniciaram o projeto de economia solidária em 1998: “Antes, o trabalho era individual e não avançávamos. Pela união, tudo fica mais fácil. A grande vantagem é que as pessoas se sentem úteis, a felicidade acontece em grupo”, declara Maria Cândida. O grupo catarinense também organiza oficinas e ensina artesanato à população local. “Ensinar os outros não é tirar o trabalho, tem espaço para todos”, concordam as duas.

A língua espanhola marcou presença na feira com 45 famílias uruguaias que há seis anos fazem artesanato em madeira, couro e lã, entre outros. “Trabalhamos em grupos, nos capacitamos cada vez mais e temos um fundo comum para as vendas. Essa é a garantia do trabalho popular e solidário”, declara Samanda Fenner. Segundo ela, a economia solidária ainda é bem inicial em seu país: “Não são comuns iniciativas como esta. A feira está nos ensinando muito, estamos dando os primeiros passos. Apenas no ano passado organizamos a primeira feira de economia solidária no Uruguai”, finaliza.

Na feira circulou a moeda social “Mate”. Com o objetivo de facilitar as trocas indiretas e permitir o acesso para quem não tem dinheiro, mas produtos e serviços a oferecer a moeda social é a moeda da Rede Estadual de Trocas Solidárias do Rio Grande do Sul. A partir da aquisição da Mate, qualquer pessoa pode comprar os produtos da feira. “Foi uma oportunidade de substituir a competição capitalista pela cooperação e solidariedade, pela troca de produtos, saberes e serviços, sem a utilização do dinheiro oficial”, garantem os coordenadores da iniciativa.