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Por Sueli Mello

Duas novas pesquisas, uma realizada nos Estados Unidos e outra na Grã Bretanha, comprovaram o que os adeptos da agricultura orgânica sempre defenderam: que os alimentos orgânicos protegem os consumidores dos pesticidas (afinal, eles quase não são empregados nesse tipo de cultivo) e que os alimentos produzidos pela agricultura intensiva moderna estão se tornando menos nutritivos do que os produzidos há 60 anos.

Para comprovar isso, pesquisadores da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, analisaram a urina de crianças de três a 11 anos de idade durante um período em que foram alimentadas apenas com produtos orgânicos. Não encontraram metabólitos de malation e clorpirifos, dois pesticidas bastante empregados na agricultura convencional. Quando as crianças voltaram a se alimentar normalmente, eles rapidamente foram encontrados nas amostras.

No estudo britânico, realizado pela organização não-governamental The Food Comission (Comissão Alimentar), que defende o uso de alimentos mais saudáveis e seguros, foram comparadas estatísticas oficiais sobre alimentos à base de carnes e lácteos da década de 1930 e de 2002, e uma das constatações foi que o conteúdo mineral do leite, do queijo e da carne produzida pela agricultura intensiva caiu, durante esse período, para 70% do valor nutricional que tinham.

Na opinião do engenheiro agrônomo, difusor de tecnologia da Embra= pa Hortaliças, Assis Marinho Carvalho, esses resultados parecem óbvios para quem já atua na área de produção orgânica e acredita nesse sistema. Mas os estudos são importantes para esclarecimento, até mesmo de profissionais da área agronômica.

Carvalho lembra que na década de 1960, pesquisadores franceses já mostravam que o DDT (pesticida) passava do leite para os fetos humanos, provocando mortes, abortos e deficiências. E o mesmo foi evidenciado na Baía de Minamata, no Japão. Ele próprio desenvolveu uma tese comparando cenouras produzidas pelo sistema orgânico com similares do sistema convencional e concluiu que as orgânicas seriam mais produtivas e apresentavam menor custo, além de serem mais saborosas e mais nutritivas que as produzidas pelo sistema convencional. Defendida na Universidade de Brasília (UnB), em janeiro de 2004, a tese de Carvalho foi premiada durante o 45° Congresso Brasileiro de Olericultura, realizado em Fortaleza, em agosto de 2005.

Em seu estudo, ele comparou oito espécies de cenouras produzidas no verão em sistema orgânico e convencional no período de novembro de 2002 a fevereiro de 2003. As análises de laboratório e pesquisas de campo estenderam-se durante todo o ano de 2003. “As principais vantagens da cenoura orgânica, além da textura e sabor, foram o maior teor de sólidos solúveis (que produzem um suco com mais polpa, além de diminuir o gasto com energia durante o processamento) e matéria seca (que contribui para uma maior conservação após a colheita e está relacionada às fibras, que ajudam a melhorar o funcionamento do intestino)”, relata. “Para resíduos minerais (que aparecem nas cinzas, em função do uso de fertilizantes) e açúcares (relacionados à doçura e carboidratos), as cenouras provenientes do sistema convencional apresentaram maiores teores. Quanto à fibra bruta e carotenóides (precursor da pró vitamina A), os índices foram indiferentes”, completa.

Para comparação do sabor, foram realizados 137 testes em Taguatin= ga, no campus da UnB, na feira de orgânicos do Ceasa-DF e no restaurante da Embrapa. As pessoas não sabiam que tipo de cenoura estavam provando. A maioria preferiu as orgânicas, especialmente as cozidas no vapor.

A pesquisadora Renata Galhardo Borguini, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), órgão ligado à Secretaria de Agricultura, em Pindamonhangaba, também estudou em seu mestrado na Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) o conteúdo nutricional de um alimento orgânico: o tomate. Segundo ela, ainda não foi possível detectar diferenças em relação ao alimento convencional, mas tentará comprovar sua superioridade nutricional em sua tese de doutorado, também sobre tomates, em fase de finalização.

Ponderada, afirma que embora tenha visto vários estudos sobre o tema, acredita que as afirmações sobre melhor qualidade dos orgânicos podem ser exageradas, e não devem ser generalizadas, pois existem estudos mal controlados que não levam em conta vários fatores que podem interferir nos resultados, como a variedade dos alimentos, a região de produção e a qualidade das sementes. Ela diz ainda que avaliar a qualidade nutricional dos alimentos convencionais fundamentando-se apenas em estatísticas pode não ser a melhor estratégia.

Tendência

Embora apresentem preços de 30 a 500% superiores aos alimentos convencionais, muito caros para o padrão do povo brasileiro, pode-se afirmar que o consumo dos alimentos orgânicos no país é uma tendência para uma parcela da população. “A produção cresce 30% a= o ano”, diz Carvalho. Além disso, relata, uma pesquisa recente feita pelo Sebrae e pela Federação da Agricultura em Brasília (DF) apontou que mais de 2000 produtores mostraram interesse em migrar para esse sistema.

O pesquisador Enrique Ortega, do Laboratório de Engenharia Ecológ= ica da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, afirma que os preços dos orgânicos até que são baixos quando se considera quanto tempo e quanto trabalho tem a natureza para formar uma reserva de petróleo, base dos fertilizantes, dos pesticidas e do transporte empregados pela agricultura convencional. Exploradas com maior ênfase a partir da década de 30, as reservas petrolíferas, segundo o professor, devem durar no máximo até 2030, quando será necessário buscar novas alternativas. “Melhor buscar antes”, alerta. Entre as opções, acredita, está a agricultura orgânica, por não necessitar= de petróleo para o seu desenvolvimento.