Por: Beatriz Pasqualino e Nina Fideles
Em 1995, a Fazenda Macaxeira, no município de Eldorado dos Carajás (PA), foi ocupada por cerca de 1.500 famílias sem-terra. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denunciava que a área de mais de 40 mil hectares era utilizada pelo proprietário Plínio Pinheiro somente para pasto. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a considerava produtiva. Em 1996, após o massacre dessas famílias durante a marcha na rodovia PA-150, o órgão declarou a área improdutiva e destinada para fins de reforma agrária. Hoje, a terra desapropriada de 18 mil hectares abriga cerca de 690 famílias.
O Assentamento 17 de Abril carrega no nome todo o peso que foi o massacre. Mas tem diferentes histórias para contar, seja de sofrimento, seja sobre a produção de alimentos, ou sobre as conquistas na área de educação. Mesmo sem dispor de saneamento básico, esgoto e telefone, o assentado Miguel Pontes, um dos sobreviventes do massacre, que levou um tiro na perna, comemora a conquista da terra. “Hoje consegui arrumar minha família, tenho casa. O que temos, devemos aos companheiros que foram mortos”, diz.
Cada família assentada recebeu um lote de 25 hectares, onde cultivam a agricultura de subsistência. O que sobra da plantação é vendido. Os sem-terra moram em uma agrovila, um pouco distante da roça. Na vila ficam as casas, as mercearias, a escola, a sede da cooperativa e da associação do assentamento, o posto de saúde em vias de ser inaugurado. Todas as pessoas se ajudam. Pegam carona logo cedo para o trabalho na terra, financiam uma pequena moto e assim levam a dura rotina. Raimundo dos Santos Gouveia, de 51 anos, testemunha do massacre, hoje é um dos coordenadores do Assentamento. “No meu lote estou produzindo arroz, milho, abóbora, banana, mamão, cacau. Tem umas vaquinhas de leite. Todo ano tiro umas 150 sacas de arroz, 200 de farinha, 100 de milho”, conta.
Para os assentados, a luta depois da conquista da terra não pára. Ildimar Rodrigues, outro coordenador do assentamento, explica que a importância da reforma agrária para essas famílias começa desde o acampamento onde já se pode plantar alguma coisa. “Foi uma coisa difícil até conseguirmos. Mas depois foi só alegria e muito trabalho porque fomos capazes de transformar nossas vidas. No momento em que você está acampado, já está em cima da terra, pode plantar, pode colher”.
Campo e cidade
O município de Eldorado dos Carajás tem cerca de 40 mil habitantes, 52% vivendo nas zonas rurais. Há muitos assentamentos na cidade, principalmente com produção voltada para a subsistência. Contrariando o preconceito com os sem-terra no Pará, a população do município deve muito de seu desenvolvimento ao 17 de Abril.
Segundo Deuzinho Alves de Sousa, secretário municipal de Agricultura, esse desempenho é resultado do potencial de organização e de estrutura do assentamento. “É uma comunidade privilegiada em termos de desenvolvimento, se comparada a outras comunidades dentro e até fora do município. Foram os assentamentos que trouxeram maior desenvolvimento para a região, gerando recursos para o município”, diz.
Todos na escola
“Hoje aprendi a fazer continhas e ler algumas palavras. Gosto de estudar, mas meu irmão não. Eu falo que ele tem que estudar porque quando ele crescer tem que ser alguma coisa na vida”, explica Daniela, de 7 anos, estudante da 1ª série da escola Oziel Alves Pereira – nome em homenagem a um dos 19 mortos no massacre.
Com uma estrutura improvisada desde os tempos em que a área era ainda um acampamento, a educação é prioridade. Todos os filhos de assentados têm vaga garantida. Os cursos vão do Ensino Fundamental até o Ensino Médio. “É muito importante a gente ter esta escola aqui dentro para os alunos não precisarem se deslocar daqui para a rua. Por causa do transporte, da distância, eles passam muita necessidade”, afirma a diretora Maria das Dores de Oliveira.
Além de cumprir o currículo comum, as aulas são voltadas para a realidade dos assentados. “Muitos pais dos alunos não sabem ler, não sabem escrever. A gente tem até certa dificuldade de mandar tarefinha para casa e os pais não poderem ajudar. A questão é que eles não tiveram esta oportunidade que os filhos agora estão tendo”, explica a professora Lílian Marçal da Silva.
Hoje, a escola de madeira sofre com as goteiras, quando chove. Mas está sendo construída uma nova escola, que os alunos aguardam com ansiedade. “Essa escola é boa, mas a outra é melhor. É de tijolo. É ?mais grande? que essa”, conta Wagno, de 9 anos, aluno da 1ª série do Fundamental.