xxPor: Francisca Sena,

assistente Social e assessora técnica da Cáritas Regional Ceará.

A compreensão de que política não rima com a atuação das mulheres centra-se numa matriz androcêntrica e misógina que justifica um estranhamento e incompetência para exercermos tal atividade. Este suposto estranhamento e incompetência são descontruídos cotidianamente na organização e luta dos movimentos de mulheres e feministas, do campo e da cidade, porém a estrutura política administrativa do país é reveladora do alijamento das mulheres dos espaços estratégicos de deliberação. É no campo da política onde são definidas, executadas e avaliadas as políticas públicas, sendo a presença e participação das mulheres nesses processos e nas instâncias governamentais, fundamentais para a efetivação de políticas públicas que garantam direitos.

Não precisa grande esforço para percebermos a ausência ou uma representação mínima de mulheres na composição de nossos governos: municipais, estaduais e federal, seja no Executivo, Legislativo, Judiciário ou no Ministério Público. Somos a maioria do eleitorado e contraditoriamente delegamos aos homens a tarefa de nos representar no governo. Quanto aos cargos do Executivo, como secretariado, ficamos a mercê da indicação feita pelas/os prefeitas/os, governadoras/es e presidente, que independentemente do sexo quase sempre indicam homens para cargos estratégicos. Será que não temos mulheres suficientemente competentes para assumirmos tais cargos? Que competência se espera de tais gestoras?

É pertinente para nós, em todos os tempos, e em particular na véspera do Dia Internacional das Mulheres, refletir sobre o fosso entre os direitos das mulheres e das políticas públicas e governamentais desenvolvidas pelas prefeituras e governos estaduais e federal. Como as políticas públicas e governamentais são pensadas? Quem gerencia essas políticas? Qual a medida da participação das mulheres na definição das políticas públicas? Até que ponto esses direitos são garantidos?

Destacamos aqui a responsabilidade e o dever do Estado em garantir políticas públicas que efetivem os direitos de cidadãs e cidadãos. Os governos eleitos, para gerirem o Estado, exercem uma parcela significativa de poder na definição das políticas públicas, principalmente quando não há uma participação efetiva da sociedade civil. Na atual legislação brasileira, compete ao Poder Executivo elaborar um plano de ação e prever orçamento para viabilizar essas políticas públicas e garantir direitos. Embora a participação popular em todo esse processo seja um princípio constitucional, reclamamos em particular a ausência ou insignificante abertura dos governos para cumpri-la. Neste caso, o governo acaba definindo, muitas vezes dentro de um gabinete, quais serão as prioridades de governo. Essas prioridades refletirão essencialmente uma matriz de pensamento quase sempre androcêntrica.

A realidade brasileira marcadamente desigual seja no campo social, cultural, econômico, “racial”, de gênero… parece não dizer muito para nossas/os gestoras/es. Em seus discursos e plataformas de governo ensaiam assumir uma proposta ou outra dos movimentos, quando não, assumem compromissos que não cumprem. A falta de prioridade no enfrentamento de questões para nós primordiais como saúde pública de qualidade, combate à violência contra a mulher, à exploração e ao abuso sexual de crianças e adolescentes, ao tráfico de mulheres, ao racismo, reforma agrária, acesso à água podem ser verificadas na dotação orçamentária, pois sem ela as políticas públicas não podem ser efetivadas. Vejamos alguns absurdos. O atual Governo do Estado do Ceará gastou, em 2005, R$ 30.628.301,00 na Criação, Produção e Veiculação de Ações Governamentais, ou seja, em propaganda; este mesmo governo também gastou R$ 260.168.051,56 com Juros e Encargos da Dívida. Por outro lado, este governo não gastou absolutamente nada, no mesmo ano, com a Criação e Implantação de Delegacias de Defesa da Mulher, da Criança e do Adolescente e do Idoso na Capital e no Interior do Estado, embora estivesse previsto em lei a aplicação de R$ 998.905,22 para esta finalidade, no ano em que foi considerado oficialmente Ano Estadual da Mulher.

Quanto à Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), poderíamos também reclamar aqui alguns aspectos relacionados à composição do quadro de gestoras e gestores, onde identificamos visivelmente a falta de paridade de gênero. Vejamos na gestão da Prefeitura Municipal de Fortaleza. De oito secretarias, seis geridas por homens; todas as seis secretarias regionais também têm homens a sua frente; de outros 13 órgãos estratégicos na gestão das políticas públicas, apenas três mulheres assumem a gestão. Essa falta de paridade também não é diferente nos governos estaduais nem federal. Mas o que queremos destacar aqui na PMF é um compromisso assumido na campanha eleitoral de Luizianne Lins a partir do diálogo com os movimentos de mulheres e feministas, que tanto subsidiaram a elaboração do plano do atual governo: a criação de uma Secretaria de Políticas para as Mulheres, vinculada diretamente ao gabinete da Prefeita. Após tomar posse iniciou-se uma reflexão dentro da gestão ponderando a criação e inviabilidade de criação desta Secretaria. As considerações apresentadas por representantes do governo municipal passaram a defender a criação de uma Coordenadoria de Políticas para as Mulheres e agora recentemente fomos informadas extra-oficialmente que será criado um Departamento dentro da estrutura da Secretaria de Direitos Humanos, a ser instituída com a reforma administrativa prevista para este ano.

Quais as razões de uma mudança essencialmente diferente na garantia de direitos das mulheres marcadas historicamente por condições de vida caracterizada pelo sexismo, violência, machismo, racismo, homofobia, pobreza? Queremos reivindicar aqui nosso direito enquanto sujeitos políticos de participar efetivamente na construção da cidade de Fortaleza e reafirmar aqui a defesa da criação da Secretaria de Políticas Para as Mulheres como estratégia básica para desconstruir o quadro de desigualdades que assolam esta grande metrópole. O conhecimento da realidade da vida mulheres, principalmente daquelas que estão na periferia da cidade, em sua maioria negra, são razões suficientes para dedicar uma atenção especial a este segmento. Queremos de fato uma Fortaleza Bela, mas que tenha como princípio básico a justiça!

Além da organização e luta, nós mulheres queremos avançar no controle social das políticas públicas numa perspectiva de contribuir na reconstrução desse modelo de Estado e na radicalização da democracia. Isso significa dizer que exigimos nossa participação na proposição, definição, execução, avaliação do orçamento público, bem como na responsabilização de nossa/os gestoras/es quando desviarem o caráter público do Estado.