Fonte: Agência Repórter Social para a revista Foco Economia e Negócios ed.33, por Cristina Charão
Consumidor consciente, engajado, responsável. Até mesmo, “metroespiritual”. Enquanto os marqueteiros procuram o adjetivo exato para falar às pessoas que levam em consideração a origem, impactos e legalidade do que consomem, os que comercializam estes “produtos socialmente responsáveis” ainda buscam o delicado equilíbrio entre oferta e demanda que os levará ao seu próprio desenvolvimento sustentável. A resolução desta equação leva uma parte dos empreendedores dedicados ao comércio justo (ou solidário ou socialmente correto) a se engajar nas duas pontas da cadeia, da produção à venda.
Monalisa Stefani é diretora-executiva da Boutique Solidária, loja instalada em um shopping de Curitiba dedicada à venda de artesanato produzido por comunidades étnicas ou minorias, cooperativas ou arranjos produtivos em áreas de baixo desenvolvimento. Antes de iniciar o negócio, com o auxílio de uma fundação americana, dedicou tempo a conhecer a realidade dos seus fornecedores. “Há uma tremenda dificuldade de financiamento a este tipo de produção, o preço não cobre os custos e, claro, eles têm problemas em cumprir prazos”, diagnostica. A saída para manter as prateleiras cheias foi estabelecer uma rotina de capacitação dos fornecedores, além de apoio e até parcerias em busca de financiamento. “No comércio justo, são necessárias essas ações de apoio, porque na grande maioria das vezes os fornecedores nunca tiveram acesso a esse tipo de informação e por isso estão à margem do mercado”, justifica Monalisa.
O mesmo quadro foi diagnosticado pelo projeto Imaginário Pernambucano, programa de extensão da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) voltado para o fortalecimento da identidade cultural das comunidades de artesãos através da promoção do associativismo e do trabalho artesanal como meio de vida sustentável. Algumas das situações com as quais se depararam as equipes de trabalho são ilustrativas da falta que faz certos conhecimentos mercantis.
Em Cabo de Santo Agostinho, próximo do Recife, a produção de jarros e filtros de barros é uma tradição. Antes da intervenção dos profissionais e estudantes da UFPE, estes eram vendidos a atravessadores ou diretamente em feiras locais por R$ 5. Depois de engenheiros de produção dimensionarem o tempo de trabalho, o custo do material e a previsão de tempo de venda, e designers ajudarem a remodelar as peças, hoje cada módulo de um filtro é vendido por R$ 15. “O produtor não sabe nem dar o preço ao produto, contabilizar o material, o tempo gasto”, afirma a professora Ana Andrade, uma das coordenadoras do projeto.
Resolvida a questão da produção, é preciso casá-la com a demanda. No entanto, revisar o design dos produtos – como fizeram os poteiros de Cabo de Santo Agostinho – para o gosto do freguês ou criar novas peças, mais sofisticadas e com maior valor agregado para compensar a escala limitada de produção é apenas o primeiro passo.
Se, por um lado, a idéia do consumo engajado (ainda que a um preço maior) é cada vez mais simpática aos brasileiros, como apontou a pesquisa “Observatório de Tendências” do instituto Ipsos, por outro esta opção ainda não se traduziu em uma consciência dos comerciantes das diferenças entre estes produtos e os “tradicionais”. “O varejista compra o chaveirinho chinês e depois quer comprar o produto socialmente responsável pelo mesmo preço”, comenta Monalisa Stefani. Resultado: o comércio de produtos socialmente responsável fica reduzido a empreendimentos “alternativos” ou iniciativas segmentadas do varejo tradicional.
No caso da produção de alimentos orgânicos, o preço muito alto praticado pelos grandes varejistas é um dos fatores identificados como responsáveis por deter o crescimento do setor. “O produto sai caro e podre da prateleira”, indigna-se Sandra Mara Ribas Machado dos Santos, proprietária do sítio Recanto Nativo, no município de Campo Magro (PR). Para fugir desta concorrência desleal, Sandra vende seus produtos diretamente em feiras orgânicas na capital paranaense e transformou seu sítio em uma pousada especializada em gastronomia natural.
A falta de sintonia entre produção e varejo nos preços repete-se quando o tema são os prazos. Instalada próximo ao parque nacional de mesmo nome no sertão do Piauí, a Cerâmica Serra da Capivara é uma das iniciativas de desenvolvimento local através da re-engenharia da produção artesanal mais conhecidas do país. Todos estudos e mudanças no sistema de produção, no entanto, não mudam o fato de que as peças são artesanais e este detalhe, como conta a administradora de empresas Girleide Oliveira, uma das diretoras da Serra da Capivara, parece ser esquecido pelos clientes. “A empresa nos liga e pede mil peças para distribuir como brinde em poucas semanas sem nem pensar que, para poder botar a marca, nós cozinhamos cada uma delas em separado, que nosso processo é muito cuidadoso com o meio ambiente.”
Por último, mas não menos importante, é preciso lembrar da concorrência com produtos semelhantes, mas não “socialmente corretos”. “Tive de quebrar muito a cabeça para chegar a uma tabela de preços que compatibilizasse nossa capacidade de produção com os preços praticados por concorrentes”, relata Maurício Guerra Rausis, sócio-fundador do Empório Giramundo. A empresa também curitibana, depois de tentar enveredar pelo caminho da venda porta-a-porta, prosperou fazendo a ponte entre artesãos e lojas de atacado e varejo em vários estados. Tanto que se tornou sócia de um dos fornecedores para ampliar a produção de acessórios e fantasias em espuma. “O atacadista não quer saber se o produto é socialmente responsável ou não. Ele quer qualidade e preço.”
Qualidade e preço. Certamente, esta produção socialmente responsável e o comércio destes itens não poderão fugir das regras básicas do mercado. No entanto, talvez seja preciso aplicar ao setor a regra máxima das políticas de combate à desigualdade: tratar diferentemente aqueles que são diferentes. Isso significa, para a professora Ana Andrade, da UFPE, subsídio. “Tem de haver, sim. Mas depois que os grupos tiverem canais venda, mercado estabelecido, eles podem ser sustentáveis”, comenta. O empurrãozinho, por enquanto, tem sido dado no varejo por empreendedores individuais, iniciativas de organizações não-governamentais, de universidades e também por governos. A grande arrancada, no entanto, ainda depende de um suporte no atacado.