Data: 26 de janeiro de 2006

Esta mesa foi composta por Franscine, da Universidade Livre de Bruxelas, e por Ana Telhada, do Peru. A moderação foi de Patrícia, da Oxfam.

Hoje em dia, existe um consenso global a respeito da pobreza mundial. Primeiramente, a pobreza é uma realidade objetiva de muitas pessoas; outra coisa, é a maneira como esta pobreza é apresentada, tendo em vista que se trata de um tema muito difícil.

Pode-se dizer que a pobreza é um problema monetário dentro de uma economia de mercado, onde muitas pessoas não têm acesso a alimentos, saúde, educação, etc. No entanto, uma outra questão é o modo como o Banco Mundial apresenta a pobreza, ou seja, coloca a pobreza muito mais como um problema do indivíduo, que não “aproveita” as oportunidades do mercado, do que como um problema social.

Embora existam poucas estatísticas e pesquisas a cerca da pobreza monetária das mulheres, o Banco Mundial coloca que elas são a maioria destas pessoas. Neste ponto, o discurso da pobreza é sobre o discurso da igualdade, onde, para o Banco Mundial, as mulheres defendem seus próprios interesses, sendo que, interiorizam os interesses de sua família, assumindo como os seus próprios. Deste modo, se sujeitam a trabalhos desqualificados e aceitam baixos salários. E, por isso, são bem vistas pelo Banco Mundial, “são as pobres que teremos que ajudar”.

Em decorrência do trabalho das mulheres pobres, e por que não de homens em semelhante situação, que se legitima e se reproduz a lógica capitalista. Sendo assim, a luta contra pobreza, nada mais é do que a reprodução de um modelo econômico vigente. E, neste caso, as mulheres não são apenas mães biológicas, mas, fundamentalmente, mães sociais.

Pode-se se colocar que a pobreza se apresenta de maneira diferente para mulheres e homens. Portanto, como se produz (ou reproduz) esta pobreza? E, em especial a pobreza das mulheres?

O que se observa é que algumas organizações resolvem as necessidades das mulheres, mas não fazem uma discussão de gênero, ou seja, a agenda da pobreza não está mesclada com a de gênero, não se colocam ambas em pauta, embora se faça a “feminilização da pobreza”. Deste modo, pode-se falar de pobreza, mas não se fala de discriminação e, ainda, o que o Banco Mundial entende por pobreza e gênero, não é o mesmo que o movimento de mulheres entende.

Cerca de 50% das mulheres da América Latina não contam com recursos próprios, o que gera uma série de problemas. E, ainda, ao se comparar trabalhos de igual valor executados por mulheres e homens, pode se verificar, com certa facilidade, que as mulheres recebem salários equivalentes a 60 ou 70% dos salários dos homens. Isto demonstra que as análises econômicas estão completamente cegas em relação às diferenças existentes entre mulheres e homens. Reproduz-se um sistema patriarcal de opressão e de discriminação das mulheres.

Além disso, os trabalhos não remunerados correspondem a 60% de todo o trabalho mundial. E, neste caso, o trabalho doméstico não aparece nas estatísticas, assim como, o cuidado de crianças, de idosos, de enfermos e o cuidado afetivo. Então, evidencia-se uma contradição entre o objetivo do capitalismo e o objetivo do cuidado, que tem haver diretamente com o ciclo de vida.

No entanto, um novo elemento emerge do capitalismo para superar essa contradição, que se apresenta como a terceirização ou a globalização do cuidado. Sabe-se que muitas mulheres de países em desenvolvimento vão para a Europa ou para os Estados Unidos e se submetem a condições de subemprego. Além disso, a figura da mulher é utilizada em propagandas de grandes empresas farmacêuticas para divulgar produtos de beleza ou medicamentos de uso pediátrico onde colocam que as “mamães” que sabem cuidar de seus filhos usam este ou aquele medicamento. Estes são apenas alguns exemplos, dentre os vários que se pode citar.

Os desafios colocados às mulheres dispostas a transformar esta economia não são poucos. A construção de políticas que favoreçam as mulheres, tanto rurais como urbanas, a conquista de terras, as políticas de crédito para pequenas empresas de economistas mulheres, parecem ações um tanto quanto paliativas, quando não estão conectadas às discussões de como se estabelecem as relações de poder e de mercado, e quais são as alternativas possíveis de mudança que, de fato, possam favorecer as mulheres.