alternativas e estratégias desde as mulheres em movimento

Data: 26 de janeiro de 2006

Esta mesa foi composta por Ruana Vasquez, indígena da Guatemala; Lícea, do Chile; Lourdes Vergueiro, do Centro de Estudos sobre a América (Cuba); e Analu Faria, da SOF – Sempre-Viva Organização Feminina (Brasil).

A fala inicial foi da cubana Lourdes Vergueiro, do Centro de Estudos sobre a América:

Comumente, várias pessoas fazem a associação e a co-relação da integração regional com os acordos de livre comércio, o que não é apenas isso. A integração não pode ser considerada como um fim em si mesmo, mas como um dos meios para se consolidar identidades.

Nos últimos anos, observa-se que o panorama de integração está em avanço, principalmente, com o surgimento das redes latino-americanas. O tema do livre comércio apenas abre uma brecha para outros campos de discussão, pois se tem a clareza de que estes acordos se desvinculam cada vez mais dos processos de integração livre. Pois, mais do que criar estratégias para a integração do comércio, o desafio está em se construir uma plataforma comum para a integração dos povos latino-americanos.

Com toda essa diversificação de movimentos na América Latina, emergem projetos que se propõem a construir uma outra lógica de desenvolvimento em contraposição ao modelo hegemônico vigente. Hoje, aqui na Venezuela, se tem a instalação de um novo modelo de desenvolvimento, baseado nos princípios da revolução bolivariana que aponta a ALBA – Alternativa Bolivariana para as Américas, como uma estratégia de integração dos povos. Tanto este projeto em construção, como tantos outros projetos locais, poderá se estender por toda a América Latina. Sabe-se que existem muitas críticas a este projeto, mas tem que ser o cuidado para não abortar esse processo de construção que está em curso.

Na América Latina, existem muitas estatais, como é o caso da Petrobrás (Brasil), que se comportam como transnacionais em outros países. Ou ainda produtos que são comprados na Argentina que são muito mais caros do que em qualquer parte do mundo. Afinal de contas, qual modelo de desenvolvimento que se quer construir? É preciso pautar o desenvolvimento endógeno dos países latino-americanos para se pensar em construir uma integração regional entre os povos.

A criação de um Banco do Sul, com reservas de recursos latino-americanos, pode ser uma sugestão de integração para financiamentos de projetos sociais. Afinal de contas, para que e para quem deve servir a propriedade intelectual dos povos? De que servem os conhecimentos acumulados se não estiverem a favor do desenvolvimento social e para a manutenção da vida? A discussão de caráter ético deve, portanto, passar por todas as esferas da sociedade.

Como velas coloridas acesas à sua frente, a indígena guatemalense Ruana Vasquez, fala da Cosmovisão Maia.

Ao contrário do que se apresenta, não é um retrocesso praticar a espiritualidade cósmica. Entender o que é a Cosmovisão Maia faz parte da luta interna de cada pessoa. E quando se valoriza o que cada um traz dentro de si, neste caso, para o FSM, isso promove uma grande força para enfrentar a globalização neoliberal.

Cada dia tem uma energia e, o desenvolvimento econômico, dentro de uma visão cósmica, remete às pessoas com as quais nos aliamos e que nos acompanham nesta caminhada, cada qual com a sua energia.

Uma alternativa: retornar às raízes. Refletir sobre espaço e natureza, ou seja, como a “mãe natureza” nos dá sustança e como nos movimentamos no espaço ou em qual espaço nos encontramos. Como encontrar ou estabelecer um equilíbrio entre espírito e matéria?

Há passos que precisam ser dados para se chegar a decisões maiores, que se construa uma política não dominar ou menosprezar povos, pessoas ou outros seres deste Universo.

Para os Maias, a questão de gênero sempre esteve presente, tanto quanto a dualidade: dia e noite, sol e lua, masculino e feminino.

Primeiro há que se ter terra, água, minerais, vegetais, animais, para se ter seres humanos, seres inteiros, homem e mulher, com as energias que cada um carrega. Há toda uma ciência milenar em torno disso. O próprio calendário lunar, diferente do calendário gregoriano, carrega outro sentido de se estar no mundo e que acompanha cada pessoa no seu processo de vida.

Para se avançar na integração entre os povos é preciso mais do que uma integração regional, é preciso uma integração pessoal, interior. E, efetivamente, nada impede que uma líder espiritual, seja uma líder política.

Prossegue Lícea, do Chile:

A integração das mulheres de que se fala, é uma integração de que, para que e com quem?

Globaliza-se a luta, globaliza-se a esperança, para fazer deste mundo um outro possível, onde se valoriza a vida! (emociona-se)

Busca-se a integração dos povos, de homens e mulheres, desta América Latina. É uma luta constante pela vida digna, por alimentos saudáveis e relações igualitárias.

Já temos uma presidenta no Chile, seguimos avançando nas conquistas por um mundo melhor.

Para fechar a primeira rodada de falas, Analu Faria, da SOF – Sempre-Viva Organização Feminina (Brasil):

Podemos colocar que, a partir dos Fóruns Sociais Mundiais, em todas as suas edições, muita coisa mudou na vida das pessoas.

A Marcha Mundial das Mulheres também traz muitas mudanças, principalmente, quando se vêem e se encontram tantos movimentos organizados de mulhers presentes no mundo todo, que se contrapõem ao modelo capitalista neoliberal, ao imperialismo, às desigualdades sociais e a qualquer tipo de discriminação e exploração humanas, etc.

Este movimento organizado de mulheres faz parte da Assembléia dos Movimentos Sociais, onde se busca traçar uma agenda comum para a integração regional.

Este espaço do FSM é um espaço de construção e o feminismo se coloca como uma luta coletiva, que está presente também em outros movimentos sociais. E é importante desenvolver a força das mulheres dentro dos movimentos.

A América Latina parece que está passando por um novo momento e segue a preocupação de como estes “novos governos” vão incorporar este histórico de luta dos movimentos sociais, em especial o tema de que tratamos, gênero e igualdade, que já não é incorporado pelo capitalismo.

Aliás, as questões relacionadas ao trabalho da mulher parecem que estão lá no início do capitalismo. Os argumentos são os mesmos: “As mulheres já não conseguiram o que queriam? Já não conseguiram a sua independência financeira? O que mais querem?” E se segue uma visão que prioriza cada vez mais o ser individual, que não consegue o sucesso por falta de esforço pessoal. O que temos é a imposição de um padrão de beleza e de saúde, que utiliza a figura da mulher, do ser feminino e do cuidado.

Não é possível desconectar construção de uma política social do estabelecimento de uma política econômica. Para tanto, colocam-se algumas ponderações:

Soberania alimentar: resgate da cultura popular, banco de sementes crioulas;

Trabalho e emprego: como modificar as relações de trabalho;

Disputa por novos valores: consumo ético, concepção de solidariedade;

Soberania dos nossos povos: de nós mulheres, do nosso corpo, da nossa sexualidade;

Estado de direitos: a favor dos povos;

Avançar na articulação da luta contra o imperialismo.