Fonte: CIMI (http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=1736&eid=274)

Há 250 anos, acontecia no sul do Brasil uma batalha entre indígenas do povo Guarani que viviam nas missões jesuítas e os exércitos da Espanha e de Portugal. Enquanto os impérios buscavam redividir as colônias segundo os seus interesses, os povos que nela viviam lutavam para seguir vivendo em suas terras ancestrais. Na batalha de 7 de fevereiro de 1756, o líder indígena Sepé Tiaraju foi morto. Três dias depois, outros 1500 Guarani foram assassinados. A história de resistência dos Guarani foi inspiração para 4 mil pessoas reunirem-se e debaterem sua situação nos dias atuais, em que os impérios são outros, mas continuam existindo.

Em atividades paralelas, os indígenas realizaram a primeira Assembléia Continental do povo Guarani e, assim como os quilombolas, debateram o direito à terra. Os jovens trataram da experiência das missões, da dificuldade de manter a cultura camponesa com o empobrecimento e a migração para as cidades. Falaram também do mundo do trabalho e as dificuldades para prepararem-se para ele, pela falta de acesso à educação de qualidade. A Via Campesina realizou estudos sobre Sepé. Os grupos estiveram acampados na cidade de São Gabriel, Rio Grande do Sul, por quatro dias. Estavam presentes mais de mil Guarani vindos do Brasil, Paraguai e Argentina, além de 200 indígenas de povos do Sul e do Nordeste do país.

Se a resistência dos Guarani vem do passado, a Assembléia Continental prova que ela segue forte nestes dias, pois este povo segue vivendo a seu modo, que pode ser ouvido nas falas – em idioma Guarani -, na forma como se encaminharam as discussões deste povo, e visto no trato com as centenas de crianças trazidas para o encontro, nas rezas e danças. “Nossa resistência vem dos sistemas políticos que temos, de nossa forma de eleger autoridades, nossos ritos, nossa forma de expressão. Temos fé e força na espiritualidade e neste conjunto de coisas. Com o avanço da tecnologia, com a globalização, os tempos mudam, mas a origem está presente. Se não perdemos a nossa memória, temos força, e se temos força há capacidade de resistir”, disse o cacique Duarte Sose Catri, do Paraguai, ao ser questionado sobre a capacidade de resistência de seu povo. E completa: “Os brancos não nos deixam espaços, mas nós mesmos temos que buscar espaço, levar adiante. Aqueles brancos que quiserem ajudar, que façam. Não por nós, mas com a gente”.

A questão da terra é central nas lutas deste povo. Na província de Missiones, Argentina, apenas 25% das 70 comunidades Guarani têm títulos de propriedade, e apenas cinco delas possuem terra suficiente. No Paraguai, apenas um terço das terras indígenas é reconhecida pelo Estado. No Brasil, o Mato Grosso do Sul, onde vivem 35 mil Guarani, tem a menor média de hectares demarcados por indígena. Se dividirmos o número de hectares demarcados e sob a posse das comunidades pelo número de Guarani, cada índio vive em menos de um hectare. “A gente vê a vida indo nessa luta pela terra”, comentou Léia Aquino, do Mato Grosso do Sul.

“Foi importante perceber que a luta não é diferente nos países”, afirmou Leonardo Guarani, de Santa Catarina. Pelo fato de as terras habitadas pelos Guarani serem de solo fértil e ricas em madeira, elas foram ocupadas desde o início da colonização. Expulsos de suas terras, os Guarani foram se concentrando em pequenos espaços de mata. Neste processo, que no Brasil começou pelo litoral atlântico, muitos indígenas migraram para o interior do país, em direção às fronteiras a oeste. No Paraguai, o processo de colonização foi mais lento do que aqui, e as terras situadas na Argentina foram ocupadas no século 18, na época das missões, mas só voltaram a ser exploradas depois da 1ª. Guerra Mundial. Grande parte dos Guarani vive próximo às fronteiras.

E foi nestas regiões onde, na última década, as terras onde este povo ainda conseguia viver foram tomadas pelas plantações de soja. Além dos problemas ambientais, a devastação das terras traz conseqüências culturais porque, na visão Guarani, todos os seres que nascem da terra são vivos e, se o território é destruído, esta população tem dificuldade para encontrar sentido para a vida neste ambiente.

Outro problema comum é a criação de unidades de conservação nos locais onde os Guarani vivem, porque são espaços onde ainda há matas originais. Há diversos casos em que o acesso dos indígenas aos parques é negado ou vira motivo de disputa. Exemplos no Brasil são o Morro do Osso, parque municipal da cidade de Porto Alegre que é terra reivindicada pelos Guarani. O problema se repete na Argentina. “Comunidades que estão dentro da Reserva de Biosfera Yabuti, na província de Missiones sofrem com o desmatamento indiscriminado e com o roubo de madeira. A reserva, criada pela Unesco, tem 250 mil hectares, engloba os últimos redutos da Selva Paranaense [semelhante à Mata Atlântica] que restam no planeta. Há nove comunidades indígenas na reserva da biosfera, mas a maioria das terras está em propriedade de empresas madeireiras, porque o Estado argentino abre a possibilidade de exploração neste tipo de reserva”, relata Maria Josefa Ramirez, da entidade indigenista católica argentina (Endepa).

“Um dos grandes desafios no Brasil é que os indígenas, quando conseguem ter acesso à terra, voltam para terras totalmente degradadas “, afirmou Mario de Oliveira, do Conselho Indigenista Missionário. A construção de hidrelétricas também é ameaça comum. Elas afetam as comunidades indígenas direta e indiretamente, destruindo a pesca, medicina, as terras.