No dia 17 de outubro de 2005, foi dia de casa cheia em Paris. A Unesco (Organização das Nações Unidas para educação, ciência e cultura) abriu as portas a um debate em prol da diversidade cultural no mundo. Estavam presentes centenas de pessoas, entre representantes de grupos internacionais importantes, ONGs e as delegações de cada país. O número de participantes era tão grande, que foi necessária uma mudança de sala, algo jamais visto num debate em comissão na Unesco. Tal fato não era para menos, afinal a diversidade cultural é a «ordem do dia», neste mundo globalizado. E os Estados Unidos, o país «do contra» em relação a grande maioria.

Na segunda-feira, 151 Estados, dos 191 membros da Unesco, votaram a favor da Convenção, dois se manifestaram contra – Estados Unidos e seu unico aliado, Israel – e houve ainda duas abstenções, uma da Australia e outra das Filipinas.

Apesar de muitas tentativas por parte dos Estados Unidos em impedir o processo da Convenção, como a carta enviada à todos os países membros da Unesco, no dia 4 de outubro, pela secretaria de Estado, Condoleezza Rice, pedindo que a mesma fosse adiada; e as 28 reparações ao texto apresentada à organização, nada foi capaz de impedir a sua aprovação.

Os Estados Unidos sempre acreditaram que a Unesco não teria vocação para regular as questões relevantes ao comércio internacional e a livre-troca e que, portanto, a Convenção deveria ser tratada no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio), como as outras trocas comerciais.

Já os outros países, acreditando na dualidade da Convenção – valor comercial das expressões culturais ligado ao seu valor espiritual e de identidade – continuaram todo o processo na Unesco, contrariando os americanos que detêm cerca de 85% das entradas de cinema a um filme Holywoodiano.

Em seus 35 artigos, o texto da Convenção começa por definir seus objetivos de proteção e promoção da diversidade cultural, reconhecendo a natureza específica das atividades, bens e serviços culturais. Além disso, ela tem um ponto importante ao definir, no artigo 20, que este novo direito terá o mesmo valor juridico que os outros instrumentos – no caso a OMC – trazendo a possibilidade de «recusa» pelos países mais vulneráveis frente a voracidade mercadológica das majors do cinema norte-americano, por exemplo.

Após esta vitória expressiva na votação em comissão, o texto, para entrar em vigor, deverá ser ratificado por pelo menos 30 países ainda hoje, quinta 20 de outubro, em sessão plenaria da 33a Conferência Geral da Unesco.

Visto que 151 Estados já votaram à favor da Convenção, acredita-se que os Estados Unidos não terão grande margem de manobra para tentar evitar a resolução do processo. “É a primeira vez que a congregação manifesta de maneira assim majoritaria a vontade de colocar um fim à liberalização sem freio”, afirma Jean Musitelli, membro do grupo de especialistas internacionais que redigiu o texto.

A Convenção “é um grande suporte neste momento historico do movimento pela diversidade cultural”, afirma Garry Neil, diretor executivo da INCD (International Network for Cultural Diversity), “e nos estamos orgulhosos do papel desempenhado pelo INCD e outras organizações civis neste momento. A sociedade civil continuara a ter uma parte ativa na proxima fase do trabalho e, por isso, nos pedimos hoje, a todos os Estados que votaram à favor, para que ratifiquem a Convenção, para torná-la o mais eficaz possível, e para que a diversidade cultural esteja presente tanto em seus territórios como globalmente”, conclui.

Ela é a garantia de sobrevivência das culturas minoritarias e a chance de um maior dialogo entre as nações. Em resumo, é como a metáfora utilizada por um representante jamaicano: “Os elefantes e as águias puderam conversar com os ratos”, finalizando com uma canção de Bob Marley.

Por outro lado, “a luta está apenas começando”, afirma Leonardo Brant, vice-presidente da INCD e autor do livro Diversidade Cultural, recém lançado no Brasil. “Agora precisamos fazê-la efetiva, principalmente junto a outros organismos internacionais, como o OMC, e nas políticas culturais internas de cada país”.