Fonte: Boletim Cidadania – 9/5/2005 (www.cidadania.org.br)

Jules Falquet conhece bem a realidade das mulheres do campo na América Latina. Há anos vem pesquisando a participação das trabalhadoras rurais em movimentos sociais em El Salvador, México e Brasil, onde, atualmente, estuda o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A pesquisadora da Universidade de Paris esteve no Brasil para participar do 1º Seminário Internacional para Mulheres no Meio Rural, realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e do lançamento do Prêmio Margarida Alves de Estudos Rurais e de Gênero, em Brasília, onde apresentou um panorama da atual situação das mulheres do campo na luta por melhores condições de vida e visibilidade.

Em entrevista ao Nead Notícias Agrárias, Jules Falquet comentou os desafios, lutas e conquistas das mulheres rurais latino-americanas, que ainda enfrentam uma cultura machista mesmo nos movimentos sociais – resultado da falta de reconhecimento do trabalho e da participação. Falquet destacou, ainda, a importância das pesquisas e políticas públicas voltadas para a categoria, mas fez questão de lembrar que tudo isso é fruto da luta dessas mulheres.

A senhora vem estudando há alguns anos a situação das mulheres nos movimentos sociais rurais latino-americanos. Há muito em comum entre as mulheres do meio rural nestes países?

Jules Falquet – Existem muitas diferenças, muita diversidade entre as comunidades de um mesmo país. Mas também vemos muitas semelhanças, principalmente pelo modelo cultural machista, que é muito compartilhado, e na invisibilidade tanto no trabalho no campo quanto na participação delas nos movimentos sociais. Mesmo quando estão organizadas, na hora de se beneficiarem com os resultados das lutas, elas acabam excluídas, em especial em relação à posse da terra. No Brasil, por exemplo, apenas 16% das terras tituladas ficam por conta das mulheres.

Qual análise do desempenho do governo e da sociedade civil para a melhoria das condições de vida da mulher no meio rural brasileiro?

Jules Falquet – Pude ver no Brasil conquistas relevantes sobre aposentadoria, documentação, titulação da terra. Mas tudo isso é resultado das lutas das mulheres rurais. O Prêmio Margarida Alves, por exemplo, é muito interessante, vai dar visibilidade tanto aos estudos sobre o meio rural que já existem, e que são muitos, como também aos próprios movimentos de mulheres, que possuem registros e materiais importantes que ainda não foram divulgados e que precisam ser conhecidos.

As mulheres em países onde a agricultura familiar é mais desenvolvida ainda enfrentam problemas para se equipararem aos homens no meio rural?

Jules Falquet – Mesmo na França as mulheres rurais ainda enfrentam um problema de invisibilidade na agricultura. E olhe que elas tiveram de promover uma grande luta para serem reconhecidas e terem direitos, como aposentadoria. Sem essa conquista, elas poderão ser consideradas apenas uma simples ajudante do marido. Ainda hoje muitas mulheres na França costumam sair do campo para não enfrentar uma vida tão dura sem reconhecimento e sem benefícios.

Como a pesquisa tem contribuído para a promoção da igualdade de gênero no meio rural? A senhora poderia citar alguns exemplos?

Jules Falquet – Só uma pesquisa pode-se falar que apenas 16% das mulheres são titulares da terra. Quando se estuda o acesso a crédito, pode-se descobrir o que é preciso fazer para melhorar a situação das mulheres no meio rural. É também numa pesquisa onde as mulheres ou os movimentos denunciam a situação de opressão ou de marginalização, uma vez que não existem mecanismos de apoio para a classe. Muitas vezes, a realidade apontada nas pesquisas é ainda mais dura do que as reveladas pelas mulheres durante as entrevistas. Uma boa referência é a Revista de Estudos Feministas, publicada pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (CFH/UFSC), que traz um material muito interessante, uma amostra do que está sendo feito neste sentido no Brasil. Tem estudos sobre a participação das mulheres em diversos movimentos rurais. Esse periódico apresenta ainda um artigo bastante relevante sobre a herança, uma questão fundamental para o acesso a terra, e uma análise comparativa das mulheres na reforma agrária.