Fonte: Jornal do Brasil – 31/03/2003
Autora: Juliana Lanzarini
A economia solidária ganha mais um novo aliado para a venda de produtos: a internet. Além de ser um espaço de comunicação e de divulgação, a web tem se mostrado também um ótimo meio para a prática da chamada economia solidária no Brasil. Participação de todos os trabalhadores nas decisões da organização, busca pela melhoria das condições sociais da comunidade local e adesão voluntária ao trabalho são algumas das características dos grupos de produção da economia solidária.
Claiton Manfro, da Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores (CUT) do Rio Grande do Sul, explica que as cooperativas e associações surgem a partir do desemprego, da violência familiar e da falta de habitação. Não há dados oficiais sobre a quantidade de empreendimentos nessa área em âmbito nacional, mas no Rio Grande do Sul a estimativa é de que 550 associações e cooperativas geram oportunidades para mais de 30 mil pessoas, oferecendo uma renda média mensal de R$ 300. "A economia solidária é hoje a alternativa mais importante dentro dos movimentos populares e sindicais para a geração de empregos da população excluída", explica o Secretário Nacional de Economia Solidária, o professor Paul Singer.
Para os militantes da economia solidária, a criação, pelo governo Lula, da Secretaria Nacional de Economia Solidária, ligada ao Ministério do Trabalho, foi um grande avanço para o cooperativismo. "Existem linhas de financiamento que estão contribuindo para o fortalecimento da economia solidária no Brasil, visando elevar a renda das populações menos favorecidas”, explica Monalisa Stefani, que inaugura, na próxima quinzena, uma loja de comercialização de produtos da economia solidária, em Curitiba.
O que diferencia essa nova forma de produção daquela empregada no sistema tradicional? A resposta está justamente na maneira como a organização é criada e seus princípios fundamentais. A participação de todos os funcionários na hora de decidir as questões da empresa é uma das principais características dessas organizações, além do compromisso com a comunidade e com o desenvolvimento local. Associações, cooperativas de distribuição e serviços, grupos solidários de produção e trabalho, mutirão e trabalho voluntário são algumas das formas de organização desses grupos.
Lojas de comércio virtual, como a SocialWeb, vendem produtos de organizações não governamentais. No período de agosto de 2004 a fevereiro de 2005, o comércio no varejo realizado pela empresa gerou um rendimento total de R$ 10.658, destinados às ONGs parceiras. Um aumento de quase 108% em relação ao mesmo período do ano anterior.
As vendas pela internet, que em 2004 cresceram 30% em relação a 2003, estão conquistando mercado para os produtos da economia solidária. "Essas pessoas decidem comprar porque acreditam no diferencial socioeconômico", explica Alexandre Moraes, coordenador da SocialWeb. Mas é preciso atenção: nem todos os produtos vendidos por grupos solidários e ONGs estão de acordo com a economia solidária.
Paul Singer cita, como exemplos de empreendimentos da chamada economia solidária, as cooperativas de produção, crédito, habitação e seguro saúde, empreendimentos solidários de autogestão, associações, produtores autônomos, banco do povo e clubes de troca. Entre os princípios da economia solidária, ele destaca a valorização social do trabalho humano.
Ainda segundo Singer, a economia solidária é uma organização da atividade produtiva em que o capital pertence aos próprios trabalhadores. "O processo é todo autogestionário. Não há uma pessoa de que imponha as regras de cima para baixo", explica. Nesse caso, a utilização da internet como forma de revender produtos doados por ONGs não configura um benefício para o novo sistema, mas apenas para a captação de recursos. "Não é qualquer empreendimento que pertence à economia solidária. Se os trabalhadores não participam de todo processo, da administração à decisão do preço, não é economia solidária", conclui Singer.
Para a professora e escritora Rosalvi Monteagudo, a web é um campo que deve ser amplamente explorado pela economia solidária. Ela explica que o e-commerce contribui para a redução da inflação. "Hoje em dia você pode comprar pela internet sem pagar imposto. A economia solidária está percebendo a importância disso. Podemos economizar com loja, pagamento de profissional, pessoas", explica a autora de livros como Economia Solidária; Novas Regras e Autonomia na Organização da iEmpresa.
Segundo Alexandre Moraes, as compras realizadas na SocialWeb são motivadas pela ação social que está por trás dos produtos. "Muitos usuários contam que tiveram sua primeira experiência com e-commerce em nosso site, pois só se sentiram encorajados realizar esse tipo de transação por conta da razão social", conta Moraes.
Dentre os produtos vendidos na SocialWeb estão colares produzidos por cooperativas de trabalho indígena no sul da Bahia que recebem apoio da ONG Care Brasil. "Esse trabalho com os Tupinambás visa o fortalecimento das comunidades indígenas na região", conta Flávia Lang, coordenadora de comércio eletrônico da organização. "Conseguimos vender alguns produtos pela internet. Embora seja um valor ainda reduzido, sabemos que essas pessoas jamais teriam conseguido ter acesso ao produto se não fosse pela rede", revela Flávia.
Os planos da SocialWeb para o próximo ano são ambiciosos. "Estamos desenvolvendo uma modelo de leilão virtual de produtos sociais", conta Alexandre, que já atendeu clientes como o HSBC e a Votorantim. "Se alguém pode comprar uma calça do Projeto Renascer ou da Ellus, e as duas têm a mesma qualidade, é preciso ter em mente o diferencial social do produto", conclui.