Por Ligia Bensadon
Durante o III ENA, a pauta da construção das alternativas da economia solidária e da agroecologia estiveram articuladas a denúncia e a resistência nos territórios visualizados de norte a sul do país, nos seminários temáticos, oficinas e nas sessões simultâneas. Essa construção ganha passos importantes e segue num processo desafiante de diálogos e convergências de pautas e práticas entre redes e movimentos sociais, principalmente desde o processo do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências em 2011. Confira algumas das expressões do diálogo entre a economia solidária e da agroecologia presentes no II ENA.
No caso das experiências produtivas foram inúmeros os relatos, por exemplo, em Santa Catarina a Afaooc, uma cooperativa de 13 mulheres produz para uma feira local produtos agroecológicos, em práticas de pluriatividade, com organização para logística e comercialização conjunta, com certificação participativa junto a Rede Ecovida de Agroecologia. Já na Bahia, mutirões nas terras de agricultores vizinhos é o que viabiliza a colheita e a construção de cisternas. Também em terras baianas um grupo de jovens gere um empreendimento de economia solidária em projeto de caprinocultura, comercializando através do PNAE, melhorando a auto-estima e mantendo os jovens no campo.
Em outra experiência, Diva, cooperada da Apaco-SC, cooperativa que há 25 anos atua no oeste catarinense, diz que “se não fosse pelas práticas da economia solidária não teríamos sobrevivido”, hoje se organizam em mais de 164 agroindústrias, acessaram crédito, com o desafio de fazer uma maior articulação com as iniciativas solidárias urbanas.
Na plenária das mulheres, cujo lema ecoou em todo o encontro “Sem feminismo não há agroecologia”, de forma semelhante a economia solidária também traz o lema “sem feminismo não há economia solidária”, e diversos foram os apontamentos de que a luta pela igualdade entre homens e mulheres passa pela autonomia econômica das mulheres, pelo reconhecimento e compartilhamento dos trabalhos de cuidado e reprodução da vida, enfim por uma mudança nas relações humanas, e das formas (re)produtivas que valorizem a vida. No ENA diversas destas experiências foram visibilizadas, na produção dos quintais domésticos levando alimento e saúde para casa, no beneficiamento de produtos, como geléias e farinhas, no cuidado com as sementes. De acordo com Maria José, presidente da Central do Cerrado, empreendimento de economia solidária que atua para comercialização de produtos da sociobiodiversidade do cerrado, presente em 7 estados, “o fornecimento dos produtos na Central é de 90% vindos de agricultoras, mas o desafios ainda está para a conquista do crédito”. Rubenice, da Associação Tijupá de Agroecologia complementou o debate “a economia solidária é o caminho para a autonomia das mulheres, sem economia solidária também não há agroecologia, uma precisa da outra para se consolidar, são os mesmos princípios”.
No Seminário de acesso a mercados e consumo, também foi aprofundada a relação entre práticas agroecológicas e solidárias, a partir da apresentação das experiências da Rede Ecovida no sul do país, da Associação Regional de Produtores Agroecológicos-MT e da RedeMoinho-BA. Um dos destaques foi a importância da articulação como um caminho para a efetivação das iniciativas, seja para formar circuitos de produção, comercialização e abastecimento de proximidade, acesso a mercados institucionais, manutenção das feira agroecológicas locais e no fortalecimento da pauta política destes movimentos sociais. Dentre os desafios foi apontada a logística e a necessidade de tarifas diferenciadas de circulação; a efetivação do PLANAPO (Plano Nacional de Agroecologia); normas de legislação sanitárias e legislação acessível e adequadas a realidade dos grupos produtivos; desburocratização do PAA; intensificar a denúncia contra os grandes grupos e monopólios de produção e abastecimento das cidades, entre outros.
Outro importante debate durante o seminário foram os casos de criminalização do PAA, com relato de João Antônio, agricultor do Paraná que teve o irmão preso por 2 meses devido a uma operação da política federal, no final do ano passado. De forma emocionante, João relatou o sofrimento e o impacto da operação que tratou os agricultores como criminosos, gerando desconfiança pela comunidade e também dos agricultores para acessarem o programa. “Será que valeu a pena ter investido neste programa? Houve um erro na compreensão da nota fiscal, mas isso não justifica que a polícia tenha revirado a casa e prendido meu irmão de forma humilhante”. A família até hoje sofre com a questão, tanto pelos danos morais, quanto por não ter sido paga há 8 meses pelo fornecimento realizado. O caso também precisa de apoio jurídico, para acompanhar o processo. Embora o PAA seja um dos programas mais importantes aos agricultores e agricultoras para acesso a mercados, há uma onda de criminalização e de aumento da burocracia. Do seminário foi retirada uma moção de apoio as famílias atingidas pela criminalização.
Na Oficina promovida pelo FBES “Economia Solidária: organização coletiva das práticas agroecológicas”, dentre os destaque foi vista a importância do papel do consumidor que é tão importante quanto a da produção, no entendimento de que o consumo é um agente e impulsionador da produção, que pode contribuir para outro mundo e na articulação do campo com a cidade, buscando caminhos de promover estas práticas através dos Coletivos de Consumo, por exemplo. Os participantes também puderam compreender o significado da economia solidária, para além da questão da geração de renda e organizativa, segundo a militante do MST da Paraíba “Estamos num processo de construção de alternativas, o que tem haver economia solidária com agroecologia é a construção de novos valores, solidariedade, vida coletiva, distribuição igualitária, não é apenas produção, em todas estas experiências forjamos grupos solidários, no semi-árido, de sementes, fundos rotativos, de mulheres que buscam construir coletivamente outras formas de produção e busca de novos valores, tanto de valores quanto de igualdade, em meio a essa contradição do mercado, do capital, não adianta sonhar com outra sociedade se não constrói agora”.
Na linha desta importante articulação, Chicão, do MST, apontou a importância do ENA para a unidade de pensamento e das práticas, que sinalizam o futuro da sociedade e que é uma luta política de classe e de um novo projeto. “Temos que unificar o conteúdo, que se expresse em formas diversas como o é a realidade brasileira”. Sobre a relação com a economia solidária aponta que “a economia solidária se encaixa perfeitamente neste processo, tem uma nomenclatura diferente, mas o princípio é o mesmo”. Quanto aos desafios para as convergências, “temos que avançar na luta política, no enfrentamento político, fazer grandes mobilizações sociais, não ficar apenas na negociação”.
Por fim, e de forma complementar, Douneto, da CPT de Góias, avalia que a “unidade na luta não significa uma desfiliação do movimento social de origem, quando juntamos pessoas alavancamos a militância e ocupamos espaços para nosso projeto. A denúncia vem junto com as propostas, não seremos meros reivindicadores, levamos propostas e buscamos sinergia não só para quem está na luta diretamente, mas para todas as periferias rurais e urbanas”.
Acesse outras notícias, fotos e informações em: www.enagroecologia.org.br