Fonte: http://amazonia.org.br/2014/03/%C3%ADndios-as-maiores-v%C3%ADtimas-da-ditadura/

Os índios são apenas 0,47% da população brasileira. Ainda assim, mais indígenas morreram por decisões da ditadura iniciada há 50 anos do que as vítimas de outros grupos, armados ou não. Um único povo do Amazonas perdeu mais habitantes pela violência da imposição da construção de uma estrada em suas terras, a partir de 1971, do que todos os não índios mortos segundo as maiores estimativas. Como esse, inúmeros outros grupos foram vítimas do lado mais brutal e, até hoje, menos conhecido daqueles anos de chumbo.

A Comissão da Verdade, que investiga crimes cometidos pelo governo ou agentes do regime autoritário, suspeita que tenham sido mil mortos ou desaparecidos políticos entre 1964 e 1985. A construção de estradas na Amazônia, no governo do general Garrastazu (1969-1973), matou 8 mil índios, segundo estima a comissão.

Quando considerados os mortos indígenas relativamente à população das etnias, os resultados apontam para um genocídio. No Amazonas, os Waimiri-Atroari habitavam área em que o governo quis passar a rodovia Manaus-Boa Vista; perderam 75% de sua população entre 1971 e 1985. Os Panará (ou Krenhakarore), cuja saga inspirou uma música no primeiro disco solo de Paul McCartney (1970), estavam no traçado da rodovia Cuiabá-Santarém (Pará); eram cerca de 450 no contato, em 1973; em dois anos restavam 74 (-84%).

Ainda considerando apenas exemplos relacionados às estradas do Programa de Integração Nacional (PIN, o PAC dos anos 1970): os 200 Parakanã contatados em 1971, em área da Transamazônica no Pará, foram reduzidos a 94 em dois anos (-53%); em Roraima, 14 aldeias Yanomami no rio Ajarani, foram reduzidas a uma única maloca de 71 sobreviventes (-90%, pelo menos); outro conjunto de aldeias, no rio Catrimani, perdeu 50% de sua população para uma epidemia de sarampo introduzida por trabalhadores da rodovia Perimetral Norte.

As agressões aos índios na ditadura estão sendo apuradas por um núcleo da Comissão da Verdade liderado pela psicóloga Maria Rita Kehl. Ainda que esse passado seja agora expiado, o atropelo dos direitos indígenas por interesses de setores da sociedade abrangente persiste no Brasil atual. Quando se trata de realizar obras decididas em Brasília, impô-las goela abaixo dos índios ainda é a norma. Antes era PIN, agora PAC, mas vale a lógica expressa pelo ex-governador de Roraima: “Uma área rica como essa, com ouro, diamantes e urânio não pode dar-se ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas que estão atrasando o desenvolvimento do Brasil” (gen. Fernando Ramos Pereira, “O Estado de S. Paulo”, 1.mar.1975). É exemplar o caso da hidrelétrica de Belo Monte: as obras seguem sem respeito ao rito legal que prevê consultas prévias e compensações aos povos indígenas afetados. Questionamentos judiciais à construção são barrados com base no mecanismo de “suspensão de segurança”, criado na ditadura, pelo qual o Executivo derruba decisões do Judiciário sob alegação de “ocorrência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”.

Para os índios, o regime autoritário, iniciado em 1964, ainda sobrevive na lógica desenvolvimentista, no descaso por seus direitos e no uso de leis daquele tempo.