Fonte: http://www.arazao.com.br/2013/07/a-sociedade-nao-e-so-capitalismo/

Esta entrevista realizada com o secretário nacional de Economia Solidária, professor Paul Singer, 81 anos, e a coordenadora do Projeto Esperança/Cooesperança, irmã Lourdes Dill, 62, eles falaram sobre o fomento à economia soidária e ao cooperativismo no país. Os dois ainda avaliaram os 20 anos da Feira do Cooperativismo (Feicoop), o momento autal do Brasil, entre outros temas.

Nascido na Áustria e radicado no Brasil há 73 anos, o economista e sociólogo Paul Singer é um dos maiores especialistas em economia solidária do país. Ele percorre o mundo em busca de novas experiências e para levar o trabalho que é feito aqui e que é referência mundial. Socialista, Singer foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, em 1980, e defende ser possível haver uma convivência entre o sistema capitalismo a economia solidária.

Sobre o atual momento do partido, envolto em denúncia de corrupção, incluindo o esquema do mensalão, o líder petista admite falhas devido ao longo tempo do PT no governo federal, mas nega o mensalão, em que o governo Lula pagaria deputados federais para aprovar projetos do Executivo. Mas Singer é defensor da alternância de poder e, por isso, contra a reeleição. Seria uma das alternativas contra a corrupção. Ou seja, para o fundador do PT, o partido hoje é “chapa branca” e deveria se intercalar no poder com outras siglas. “Mas sem destruir o que fizemos até agora”, destaca.

Carismático e dono de uma lucidez impressionante, Singer ficará até o fim da feira, no domingo. Ele pretende conhecer cada detalhe do evento. Nessa caminhada entre os inúmeros expositores e em seminários e palestras, o ícone da economia solidária recebe enorme carinho dos participantes da feira. Ele atende a todos solicitamente. Posa para fotos, conversa com pessoas. Um exemplo de união que simboliza o cooperativismo.

Confira a seguir trechos da entrevista do professor Paulo Singer para A Razão.

Há diferença entre economia solidária e cooperativismo?

Paul Singer – Existe diferença, sim. Economia solidária é cooperativismo e é outras coisas também que foram desenvolvidas a partir do cooperativismo, tipicamente os bancos comunitários que são uma espécie de cooperativas mas não são. São bancos de bairro em que a população, os moradores, fazem a autogestão do seu banco. Enfim, a partir do cooperativismo e para enfrentar as crises do capitalismo, foi criada a economia solidária. O cooperativismo é a parte principal da economia solidária.

E o que dificulta a criação de cooperativas?

Singer – É principalmente o fato de que a lei do cooperativismo é muito antiga e está ultrapassada. Em 1971, no regime militar era exigido 20 pessoas, no mínimo para formar uma cooperativa. Na época não havia cooperativas de trabalho, só agrícolas, ou seja, era de agricultores. Desde a Constituição de 1988 há vários projetos, inclusive uma do senador Eduardo Suplicy (PT), de uma nova lei para o cooperativismo brasileiro que prevê o trabalho. Mas esse assunto continua indeciso no Parlamento porque a legislação antiga dava à organização das cooperativas o monopólio da representação política de todas as cooperativas no Brasil, praticamente obrigada a se registrarem na OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). Isso é contra a Constituição, que explicitamente garante a liberdade de associação dos brasileiros. A OCB é dominada, ou pelo menos o peso maior na OCB, são as grandes cooperativas agrícolas, porque seus sócios são grandes empresas e não tem nada a ver com economia solidária.

Professor, capitalismo e economia solidária são sistemas conflitantes. É possível coexistirem no país?

Singer – Eles convivem, estão convivendo desde que a economia solidária existe, que é muito antiga. Os indígenas nossos eram economia solidária, uma forma totalmente igualitária. O capitalismo veio depois. A resposta, então, é sim.

O governo busca um equilíbrio entre os dois sistemas?

Singer – Não. O que se busca é desenvolver a economia solidária e, enfim, o capitalismo aí está, mas não temos política nenhuma em relação ao capitalismo, nem de equilibrar nem de desequilibrar.

O governo fomenta a economia solidária, ao mesmo tempo em que vivemos em um país capitalista. Isso não seria um contrassenso?

Singer – Não, o contrassenso é exatamente supor que não podem conviver. A sociedade não é só capitalismo. O capitalismo é só uma parte do Brasil, e nem é maior parte.

O Bolsa Família pode ser considerado um exemplo de economia solidária, já que divide renda e incentiva o trabalho?

Singer – Não, é o que se pode chamar de assistencialismo, de assistência social, negócio importante para chuchu. Não tem nada a ver com economia solidária, com capitalismo nem coisa nenhuma. É um direito à vida.

Mas existem programas para fomentar a economia solidária?

Singer – Existem sim. O Bolsa Família é um programa federal, mas há programas análogos ao Bolsa Família nos Estados. Com o Lula uniu todos os programas municipais, estaduais e federais no Bolsa Família, ela se tornou muito maior. Em São Paulo, o Maluf (Paulo Maluf, do PP, ex-prefeito de São Paulo), tinha um programa de distribuição de leite. Então, o assistencialismo ou coisa semelhante não é coisa só do governo federal. Cada um tem a seu modelo, mas todos os governos têm.

O senhor é um socialista, um dos fundadores do PT. Como vê o partido hoje com as acusações de corrupção, do mensalão?

Singer – Olha, como todo partido político que está há 10 anos no governo federal, é um período longo, ele sofre uma transformação pelo fato de estar governando o país e vários Estados e muitas cidades. Quer dizer, o PT, que nasceu totalmente alheio ao governo, ainda no regime militar, em 1980, hoje transformou-se, se você quiser, num partido chapa branca. É o que nós queríamos. Não é que ele fosse chapa branca, mas que nós pudéssemos chegar ao governo e realizar o programa do partido. Qualquer partido político é feito para isso, disputar eleição e ganhar eleição, se puder. Isso aconteceu com o PT, mas, agora, quando ele chega no poder e fica muito tempo, a corrupção começa a afetar o partido. Acho que quase todos os partidos que ficaram no governo longamente foram afetados por isso, e o PT também é afetado. Mas não dá para dizer que o partido é incólume, não tem nada a ver.

E o mensalão?

Singer – Acho que a interpretação do Supremo Tribunal Federal é totalmente equivocada. Foi inventado pelo Jefferson (Roberto Jefferson, ex-deputado federal do PTB que denunciou o esquema de compras de votos na Câmara, o chamado mensalão, que ele próprio teria participado). É ridículo supor que o governo federal tivesse que comprar o votos de seu próprio partido. É falso. Mas avia dinheiro e foi usado para comprar apoio nas eleições municipais logo em seguida existiu, isso não vou negar, foram milhões. A origem é conhecida, são aqueles empréstimos que o STF considerou falsos, mas eles foram legítimos.

O fato de o PT ter se tornado chapa branca o desvirtuou da sua linha?

Singer – Ele mudou, não necessariamente se desvirtuou. Nunca na história do PT havia tantas pessoas no governo, e essas pessoas servem ao partido, eu sou um deles. Mas isso muda a composição do partido. Sem dúvida nenhuma mudou o PMDB, não somos só nós. Há uma diferença entre partido de governo e partido de oposição.

O senhor defende a alternância de poder? Seria uma solução contra a corrupção, por exemplo?

Singer – Sim. Democracia é essencialmente essencial e uma das suas grandes virtudes é a alternância no poder. Ela não impõe, mas permite. A oposição na democracia é tão importante como quem ganhou.

Seria a alternância apenas de partidos?

Singer – De partidos, de coligações, seja o que for. Eu fui um dos muitos do PT que foram contra a reeleição. Agora o PSDB está querendo acabar com a reeleição. Isso é ótimo, já acaba tarde. Seria muito sadio para o PT e para o Brasil haver uma alternância, mas eu gostaria que fosse uma alternância que não destruísse o que nós construímos, se for possível. Nós no governo, alias, continuamos todas as políticas sociais do Fernando Henrique Cardoso. Fomos oposição a ele, à política econômica dele, mas não à política social. O próprio Bolsa Família teve início lá.

Para a eleição de 2014, seria então momento de não buscar a continuidade do PT no poder?

Singer – Não, enquanto a reeleição é legal, o PT não pode deixar de aproveitar o que a lei lhe permite. Seria um voto de castidade, e nós não estamos na religião. A Dilma está no governo e será candidata. Vamos lutar para reelegê-la.

E o ex-presidente Lula não deverá ser o candidato à Presidência?

Singer – Ele tem tido reiteradamente que não quer ser candidato. Eu conheço o Lula há muito anos, estamos juntos desde a fundação do PT, eu acredito que ele é sincero. Não acredito que realmente quer voltar a ser presidente. Mas ele continua na política e será político até morrer.

E como o senhor vê as manifestações no país?

Singer – Olha, está acontecendo alguma coisa muito importante no país, é difícil interpretar. Estou recebendo um bom número de interpretações, que são enviesadas. Gente que gostaria que esse movimento seja dos jovens, todo muito está querendo se apropriar desse movimento. Mas ele é mais amplo. Estou perplexo, o adjetivo é esse. A gente esperava que quando houvesse o movimento das passagens que houvesse uma movimentação, isso sempre há, desde que eu era criança. Mas que atingisse 44 cidades com milhões de pessoas nas ruas, surpresa absoluta. Como meu filho me falou, éramos infelizes e não sabíamos (risos).

Neste momento, o senhor acredita que o Brasil ainda possa ser um país socialista, pelo menos no modelo que hoje existe?

Singer – Espera um pouquinho. Vamos ver primeiro o que entendemos por socialismo, isso é importante. O socialismo chamado real era uma farsa, de socialismo não tinha nada. Era uma ditadura opressiva, cruel. Sinceramente… Cuba está tentando se livrar disso agora e vai conseguir, China está se livrando também. Não é nada para o futuro de nosso país. Nós queremos é democracia. Agora, na democracia o socialismo pode ser útil. Já está acontecendo, na verdade não precisa esperar se tornar socialista. Neste momento, no Brasil, há uma presença socialista, eu diria, respeitável. Não é maioria no país, longe disso. Não somos 4% ou 5% do PIB.

Fonte: Sociólogo Paul Singer, 81 anos, um dos ícones da economia solidária no mundo ficará em Santa Maria até este domingo (Rafael Dias/A Razão em 14/02/2014