Fonte: http://www.domtotal.com.br/diario_bordo/detalhes.php?diaId=170 (Marcus Eduardo de Oliveira)
O pedagogo Moacir Gadotti, num excelente trabalho que tem por título “Economia Solidária como Práxis Pedagógica” (2009), chama a atenção para a incidência do “Fator C” nas relações solidárias que pautam a economia humana.
Na prática, trata-se de valores que norteiam a economia solidária em sua plenitude, e que começam com a letra C: cooperação, comunidade, coletividade, colaboração, coordenação, cogestão, corresponsabilidade, comunicação.
A quem cabe esboçar esses valores? A ninguém menos que os seres humanos que se encontram na condição de excluídos da economia mundial. Carola Reintjes, economista espanhola, aponta, nesse pormenor, que a economia solidária “vê os seres humanos como sujeitos e atores principais da transformação social, econômica, política e cultural”.
Esses indivíduos são adredemente colocados “no centro da economia, como protagonistas e beneficiários”. Na economia solidária, os indivíduos são a origem e fim. “É o cidadão responsável, que quer manter controle sobre como se produz, troca, consome, investe ou economiza”, conclui Reintjes.
Outro ponto que merece destaque em torno da prática da economia solidária diz respeito à ajuda mútua. Cada indivíduo para se desenvolver necessita da colaboração do outro. Decorre disso que a economia solidária enaltece o papel sobre a união, e não a divisão.
Antropocêntrica e econocêntrica
É por isso que a economia solidária apoia e se apoia na cooperação e na parceria, e abomina, ardorosamente, a competição desleal, bem como a concorrência não sadia que privilegia uns em detrimento de outros.
Conquanto, para que uma economia solidária se estabeleça de fato, e passe a ganhar cada vez mais novos adeptos, é imprescindível que incorpore em suas ações, ao menos dois importantes aspectos: 1. Deve ser antropocêntrica, colocando as pessoas em primeiro lugar; fazendo essas ocuparem o centro das atenções; e, 2. Deve ser econocêntrica, à medida que projeta luz no funcionamento do sistema econômico.
Certamente, isso não é uma tarefa fácil. No entanto, é preciso “enraizar” esses princípios. Um bom caminho a ser percorrido para se chegar a esse estágio de consolidação que deve embasar a economia solidária talvez seja torná-la uma disciplina, inserindo-a, por exemplo, na grade curricular dos cursos de ciências econômicas, depois estendendo-a às outras ciências sociais.
A práxis da economia solidária, uma vez entendida e também conceituada como um projeto pedagógico, no momento em que deixa de ser apenas um novo modo de fazer economia e passa a incorporar uma nova maneira de operar a sociedade, precisa ser ensinada nos cursos superiores que carregam a pecha de ciências sociais.
É imprescindível – para consolidar o sucesso da economia solidária – que essa “maneira de fazer economia” marque terreno firmando-se, de fato, como um projeto pedagógico, tendo em alta conta que se deve construir aquilo que defende Moacir Gadotti: uma “pedagogia da economia solidária”. Resta a indagação: Por que não transformar a economia solidária num projeto pedagógico?
Se o princípio básico e capilar que norteia a economia solidária é a cooperação, nada mais justo que “aprender” cooperando; afinal, Paulo Freire, nosso maior mestre no campo da Pedagogia, ensinou que “ninguém ensina nada a ninguém. Aprendemos juntos, em comunhão”.
Gadotti, que vem da “escola de pensamento de Freire”, reforça esse argumento contextualizando que “a economia solidária baseia-se na ajuda mútua, e esse princípio pedagógico da reciprocidade e da igualdade de condições – exigência de todo diálogo verdadeiro – entre educador e educando, deve ser levado em conta, sobretudo, na formação em economia solidária”.
Uma vez enaltecida essa premissa, discutindo os princípios da economia solidária em sala de aula, abre-se possibilidade de superar a visão distorcida de alguns de que a solidariedade econômica é apenas um slogan, uma retórica e, por vezes, não passa de uma declaração com forte conteúdo emotivo.
A economia solidária é muito mais que uma simples reunião de excluídos que estão lutando e praticando um mundo melhor. Paul Singer, o mais competente especialista nesse assunto, argumenta que “a economia solidária é um ato pedagógico em si mesmo, na medida em que propõe uma nova prática social e um entendimento novo dessa prática. A única maneira de aprender a construir a economia solidária é praticando-a”.
Da parte de Gadotti vem ainda a contextualização de que “a economia solidária não se resume a um produto, a um objeto. Ela se constitui num sistema que vai muito além dos próprios empreendimentos solidários. Ela é, sobretudo, a adoção de um conceito. A economia solidária respeita o meio ambiente, produz corretamente sem utilizar mão de obra infantil, respeita a cultura local e luta pela cidadania e pela igualdade”.
É por isso que a economia solidária é regida pelos princípios da solidariedade, da sustentabilidade e da inclusão social. É essa a razão desse novo tipo de fazer economia ser também chamado de economia social e humana. É por isso que a economia solidária subverte a ordem: repele a economia tradicional capitalista que enaltece a competitividade insolidária, e em seu lugar propõe a cooperação solidária e fraternal. A competição desleal é destrutiva, ao passo que a cooperação solidária é construtiva.
Nunca é demasiado afirmar que a economia solidária não é apenas um projeto de uma nova economia, mas de uma nova sociedade baseada na cooperação voluntária. É dessa forma que se prospera o desenvolvimento associativo, capaz de reduzir a zero os indecentes índices de miséria que assola um país como o Brasil, dono de imenso potencial no campo econômico que pode ser regido em parceria com uma ordem social justa e equânime.
Se a engenharia econômica de hoje está regulada para servir aos interesses capitalistas, a economia solidária está (e cada vez mais estará) regulada para atender aos interesses sociais.