Por Henrique Novaes (divulgado pela Agência Jovem http://www.agenciajovem.org/wp/?p=17595)
Uma crise estrutural do capital que assola os trabalhadores de todas as partes do mundo desde os anos 1970 tem trazido consequências de grande alcance: falência da democracia totalitária do capital financeiro e irrupção de inúmeras revoltas contra esta “democracia”, processos precários de urbanização, favelização e “condominização”, concentração da renda e da terra, encarceramento em massa dos trabalhadores miseráveis, aumento do desemprego e da precarização estrutural do trabalho, além da intensificação do trabalho, do retorno do trabalho análogo ao escravo e do crescimento do trabalho infantil.
Esta crise estrutural do capital, que ganha traços de regressão econômica, política e social, trouxe consigo o ressurgimento do Trabalho Associado na América Latina. Na América Latina como um todo, houve uma explosão de lutas principalmente para por fim às ditaduras na região e por demandas clássicas como terra, habitação, direito ao emprego e trabalho não alienado, serviços públicos de qualidade e, em termos mais gerais, uma vida digna. É neste contexto que surgiram muitas lutas com grande potencial anti-capital, ainda que restritas a algumas regiões e setores econômicos: lutas pela terra pelos camponeses e pelos trabalhadores urbanos sem teto; resistência das populações atingidas por barragens e grandes obras de infraestrutura, lutas pela auto-organização do trabalho, lutas pela quebra da hierarquia de gênero, geração e etnia. Lutas contra a expropriação do território indígena, contra o avanço das mineradoras e petroleiras e contra as corporações produtoras de alimentos transgênicos e envenenados.
Da mesma forma, lutas pela construção de decisões coletivas que superam a democracia formal, o abismo entre representantes e representados, e que questionam os parlamentos dominados por bancadas do capital ou por representantes vindo dos trabalhadores, mas que personificam o capital. Ao mesmo tempo, surgiram lutas defensivas pelos direitos civis e humanos, contra a mercantilização da educação pública, contra a privatização das empresas estatais, contra governos que espoliam a riqueza do país, inclusive levando a queda de presidentes na Bolívia, Argentina e Equador.
Os 8 Pilares do Trabalho Associado
O ressurgimento do Trabalho Associado na América Latina nos levou a pensar no que é necessário para o seu florescimento e generalização na sociedade:
a-) Autogestão no microcosmo produtivo: as lutas autogestionárias têm como princípio a construção de novas relações sociais. Elas nos mostram a prescindibilidade, ou seja, a não necessidade dos patrões, dos gestores e tecnocratas. Na autogestão, temos a hegemonia das assembleias democráticas, os conselhos são eleitos pelos trabalhadores, há rodízio e revogabilidade dos cargos. Todas estas medidas anti-burocratização questionam a perda do controle do processo de trabalho e são criadas formas de superação do sistema salarial e, geralmente, criados fundos para a destinação do excedente;
b-) Desmercantilização: é impossível existir uma sociedade para além do capital sem o questionamento da produção de mercadorias. Deste ponto de vista, a autogestão avança na medida em que os trabalhadores conquistam graus crescentes de controle da produção, tendo em vista a satisfação das necessidades humanas, isto é, a produção de valores de uso sem a concomitante produção de valores de troca. Nesta esteira, haverá a ampliação dos espaços públicos e da noção de “bem público”, como água, energia, transporte, saúde, terra, telecomunicações, educação, habitação, a cidade como valor de uso, etc, negando a mercantilização da vida.
c-) Autogestão no macrocrosmo social: a autogestão no sentido amplo significa a superação do Estado capitalista, isto é, o fim da burocracia estatal inamovível e das formas de dominação típicas da democracia formal. É a luta pela criação das condições gerais de produção e reprodução da economia comunal, e não mais das condições gerais de produção e reprodução do capital. Para a reprodução da vida social não alienada, os trabalhadores necessariamente deverão reduzir drasticamente a sua jornada de trabalho (em processo de desalienação), tendo tempo para decidir os rumos do bairro, da cidade, do país, etc. e para a eleição de representantes com cargos revogáveis. Enfim, terão tempo e poder para controlar as decisões fundamentais da sociedade. Da mesma forma, terão tempo e controle da composição e destinação dos fundos públicos (aposentadoria, escolas, etc.). Para finalizar, a autogestão no macrocosmo social traz consigo o debate do planejamento democrático da produção e reprodução da existência humana, isto é, a coordenação global da produção e reprodução da vida pelos produtores livremente associados.
d-) Educação para além do capital. Aqui, poderemos apenas delinear quais seriam os fundamentos da escola do trabalho emancipado: estudo da história de um ponto de vista materialista e da articulação particularidade/totalidade; apropriação e reprojetamento da ciência e tecnologia tendo em vista a satisfação das necessidades humanas; educação para o trabalho associado/coletivo; educação para a luta /inserção das escolas nas lutas do seu tempo; a formação de valores do ser humano novo (Che Guevara). A educação para a produção de arte revolucionária, a valorização da cultura popular e para compreensão de toda expressão artística;
e-) Universalização do trabalho emancipado: O trabalho será organizado através da igualdade substantiva, isto é, a cada um segundo as suas possibilidades, a cada um segundo as suas necessidades. No trabalho, o desenvolvimento do ser humano se dará em sua integralidade. No que se refere ao trabalho reprodutivo, a igualdade substantiva traz consigo a superação do patriarcalismo, isto é, a mulher cuidando da casa e dos filhos e o homem provedor, exercitando então a igualdade de gênero entre homens e mulheres em todas as tarefas.
f-) A propriedade real dos meios de produção pelos trabalhadores: para a autogestão avançar na sociedade, necessariamente os trabalhadores deverão questionar a propriedade privada dos meios de produção. Nas palavras de Marx, teremos a “expropriação dos expropriadores” ou o que chamamos de “retorno do caracol à sua concha”. A reconciliação entre os trabalhadores e os meios sociais de produção e reprodução material da vida social se dará em distintas formas de economia comunal.
g-) Por último, mas não menos importante, deverá haver a unificação das lutas anti-capital para a superação do sociometabolismo do capital, através do convencimento político dos próprios trabalhadores de que outro mundo é possível e necessário.
ENVOLVA-SE!
Quer conhecer mais sobre o tema? Abaixo vão algumas dicas de onde acessar outros materiais para você ficar mais por dentro do assunto:
• NOVAES, H. T. O retorno do caracol à sua concha: alienação e desalienação em cooperativas e associações de trabalhadores. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
• Acesse materiais sobre autogestão, economia solidária na biblioteca do Fórum Brasileiro de Economia Solidária
• Conheça e se envolva no fórum local de economia solidária mais próximo de você, acesse pelo mapa: www.fbes.org.br/foruns
• Exerça a autogestão na sua vida! No consumo, no trabalho, em atividades culturais e lúdicas.
* Docente da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da UNESP – Marília. Professor do Programa de Pós Graduação em Educação. hetanov@yahoo.com.br
Nova Coluna na AJN
Esse texto faz parte da nova coluna da AJN sobre economia solidária. Conheça essa iniciativa! http://www.agenciajovem.org/wp/?p=17222