Autor: Euclides Mance (mance@milenio.com.br)
O presidente Kirchner está defendendo um boicote contra a Shell na Argentina em razão da empresa ter elevado seus preços, aumentando margens de lucro. Ao que parece, Kirchner – como chefe de Estado e de Governo – introduz a possiblidade de boicote a grandes empresas como forma pública de combater-se a inflação, mas não apenas isso. Uma vez que mencionou abertamente que a Shell também é apontada entre as piores empresas do mundo em razão de "fraudes, abuso de preços e más práticas trabalhistas" (ver reportagem ao final deste texto). O boicote se justificaria então não apenas pela razão da elevação de preços da Shell na Argentina, mas também pelas más práticas trabalhistas e fraudes da empresa que ocorreriam em várias partes do mundo.
Em Nova York, por sua vez, "pequenas empresas, líderes sindicais, vereadores e até alguns candidatos a prefeito estão se armando para evitar que a Wall Mart se instale na cidade (…) porque o movimento trabalhista considera a empresa o inimigo público número 1, por ser tão anti-sindical" e porque muitas pequenas empresas temem que as práticas de concorrência da rede as leve à falência [FSP,12fev2005].
Em Nova York, por sua vez, "pequenas empresas, líderes sindicais, vereadores e até alguns candidatos a prefeito estão se armando para evitar que a Wall Mart se instale na cidade (…) porque o movimento trabalhista considera a empresa o inimigo público número 1, por ser tão anti-sindical" e porque muitas pequenas empresas temem que as práticas de concorrência da rede as leve à falência [FSP,12fev2005].
Ora, além propor o boicote ou de tentar impedir a instalação dessas empresas seria interessante que o presidente Kirchner e as autoridades locais que se mobilizam contra o Wall Mart em Nova Yorque defendessem a substiuição da compra de produtos e serviços feitos com fins de lucro por produtos e serviços da economia solidária. Pois extrair lucro sobre o trabalho será sempre uma má prática trabalhista, uma vez que essa prática sempre leva à concentração de riqueza e a uma apropriação injusta do valor econômico socialmente produzido. A geração de excedentes é fundamental para o desenvolvimento de qualquer economia, uma vez que tais excedentes são a base de novos investimentos. Mas a diferença é que enquanto na lógica capitalista uma parcela dos excedentes é reinvestida perpetuando o controle do capital sobre o trabalho, na economia solidária os excedentes são coletivamente investidos promovendo a expansão do controle dos trabalhadores e consumidores solidários sobre o valor econômico e as cadeias produtivas.
Mas como vemos, a utilização do boicote avança como instrumento de luta econômica. No caso do Brasil, se as grandes empresas que aumentam seus preços ampliando seus lucros fossem duramente boicotadas, como Kirchner propõe o boicote contra a Shell na Argentina, o resultado final seria uma queda significativa da inflação, da taxa de juros do Banco Central (selic) e por consequência da dívida pública.
No Brasil, em alguns setores da economia no ano de 2004, as vendas cresceram 30% e os lucros liquidos aumentaram de forma excepcional. As 13 maiores empresas do país lucraram juntas R$ 11,5 bilhões, com um aumento de 27% em seus lucros em relação a 2003. Se considerarmos a relação das 90 maiores empresas que já divulgaram seus balanços (excluindo-se a Petrobrás e instituições financeiras), vemos que seus lucros vem crescendo de forma significativa nos últimos dois anos. Em 2000, esse lucro era de R$ 14,7 bilhões; em 2001, caiu para R$ 11,5 bi; em 2002 caiu para R$ 2 bi. Em 2003 sobe para R$ 20,4 bilhões e em 2004 alcançou R$ 29,1 bilhões. Somente a Telefônica realizou um investimento de R$ 1,4 bilhão em seu imobilizado em 2004. [FSP, 13 mar 05, p.B1-B3]
De janeiro a junho do ano passado a folha de pagamentos da indústria cresceu 9%, com elevação da renda real frente à inflação conforme o IBGE. (FSP,18Ago 2004). E 60% do crescimento do PIB no último trimestre do ano passado deveu-se à expansão do mercado interno [FSP,2dez2004,p.B6]. Mas de fato, esse modelo de desenvolvimento econômico, como vemos, concentra a renda pois o crescimento do volume de lucro acumulado (mesmo considerando que uma parcela seja distribuído entre acionistas) é, percentualmente, muito superior ao crescimento do que é distribuído em remuneração do trabalho que está em sua origem. Não é por acaso que o mercado de produtos de luxo vem crescendo 33% ao ano nos últimos cinco anos [FSP,11Ago2004,p.B10].
Embora a distribuição de renda às camadas mais pobres pelas políticas públicas de transferência de renda também tenham crescido muito nesse período, elas não são estruturalmente capazes de promover um desenvolvimento que promova a desconcentração de renda se não estiverem acompanhadas de uma estratégia de difusão, enraizamento, expansão e fortalecimento da economia solidária em todo o país, reorganizanando-se solidariamente as cadeias produtivas.
Em 2004, a despesa financeira do Governo Lula alcançou a cifra de R$ 74,1 bilhões (que foi o valor gasto pelo Tesouro com juros e encargos da dívida pública) ao passo que a despesa social (gastos previdenciários, assitencias e programas) chegaram a R$ 72 bilhões, contra R$ 61,2 bilhões em 2002. Essa elevação de R$ 10 bilhões em transferência de renda e despesa social em sua maioria está relacionada a uma maior cobertura de populações que não contribuiram para a previdência, trabalhadores rurais e aposentados que recebem até um salário mínimo, bem como benefícios concedidos a idosos e portadores de deficiencias [FSP,13fev05,p.B4].
Frente à elevação do volume de renda transferida às populações pobres com as políticas do Governo Federal, a elite difunde a idéia de que a continuidade de elevação dos gastos sociais nesse ritmo que visa alcançar 11,2 milhões de famílias em condição de insegurança alimentar até 2006 nos programas de transferência de renda (das quais mais de 6 milhões já foram alcançadas pelo Bolsa Família) seria uma "bomba-relógio" para as contas públicas. Mas vemos que somente o lucro das 90 maiores empresas que já divulgaram seus balanços, somando R$ 29,1 bilhões em 2004, daria para cobrir cinco vezes todo o recurso gasto com o Fundo da Pobreza/Bolsa Família no ano passado, que chegou a R$ 5,9 bilhões.
Reafirmo o que já disse em parágrafo anterior que, embora a distribuição de renda às camadas mais pobres pelas políticas públicas de transferência de renda tenham crescido nos últimos dois anos e devam crescer ainda mais, pois é papel da Repúlica assegurar uma vida digna ao conjunto de seus cidadãos, tais políticas são estruturalmente incapazes de promover um desenvolvimento que desconcentre a riqueza se não estiverem acompanhadas de uma estratégia de difusão, enraizamento, expansão e fortalecimento da economia solidária em todo o país.
Como vimos no ano passado, embora tenha ocorrido elevação dos níveis de emprego e elevação da folha de pagamentos da indústria, o volume de lucros acumulado pelas grande empresas teve um crescimento percentualmente superior em relação ao crescimento do que foi distruído em remuneração do trabalho assalariado e em transferência direta de renda pelos fundos públicos.
Promover o boicote sistemático a empresas que elevem preços visando aumentar lucros poderia até surtir algum efeito na contenção dos indíces inflacionários mas é insuficiente para promover a distribuição de renda. Somente a substituição de produtos e serviços de empresas com fins de lucro por produtos e serviços de economia solidária tem a capacidade de instaurar um modo de produção em que os trabalhadores e consumidores passem a ter o controle sobre o valor econômico ao invés de pemanecerem subordinados aos interesses do capital. As políticas de transferência de renda são necessárias e devem ser aprimoradas e ampliadas pelo Governo Federal pois são um legítimo instrumento republicano para a garantia dos direitos econômicos de uma gigantesca parcela da população brasileira historicamente explorada, expropriada e excluída. Mas serão insuficientes para enfrentar a concentração de riqueza se não estiverem articuladas a um Projeto Nacional de Desenvolvimento Sustentável baseado nos princípios e estratégias da economia solidária.
————————–Kirchner ataca Shell e diz desprezar "os piores investimentos do mundo"
11/03/2005 – 14h41, VINICIUS ALBUQUERQUE da Folha Online
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u94278.shtml
O presidente argentino, Néstor Kirchner, sustentou nesta sexta-feira o pedido de boicote dos produtos da Shell e disse que a Argentina quer investimentos, "mas não os piores do mundo".
O presidente argentino disse que "uma famosa revista americana [sem especificar qual] põe a Shell na liderança do ranking das 10 piores empresas do mundo, entre outros motivos, por fraudes, abuso de preços e más práticas trabalhistas".
"Queremos que venham os investimentos [para a Argentina], mas não os piores do mundo", disse o presidente argentino hoje, em um evento na Casa Rosada (sede do governo argentino).
Ele defendeu a realização de um boicote à empresa, que reajustou os preços de seus combustíveis entre 2,6% e 4,2%.
Kirchner disse que convocar um boicote contra a Shell não é incompatível com seu cargo. Ele disse que, se "defender o bolso" dos argentinos é uma "atitude extrema", ele tomará "todas as atitudes extremas que forem necessárias".
Na Holanda
O jornal holandês "Het Parool" foi o único do país que publicou hoje a notícia do aumento de preços da Shell na Argentina e da convocação do presidente Kirchner ao boicote.
Segundo o jornal holandês, a Shell fez seu segundo aumento em sete meses, enquanto as demais petrolíferas no país mantiveram seus preços. Na Holanda a Shell também aumentou preços, mas em proporção menor, diz o diário.
Piquetes
Piqueteiros de grupos ligados ao governo argentino começaram hoje a realizar uma série de protestos em Buenos Aires e em cidades próximas, bloqueando o acesso aos postos Shell e pedindo aos motoristas que não comprassem combustível da empresa. Os manifestantes carregavam faixas, dizendo "Força, Kirchner" e "Não ao aumento".
Outros entregavam aos motoristas um panfleto que dizia: "Não abasteça em uma empresa que extorque a nação". Os manifestantes pediam aos consumidores que preferissem combustível de empresas que não aumentaram seus preços, como a Repsol-YPF e a Petrobras, e que poderiam fazer uma manifestação semelhante quanto à carne, pedindo para boicotar por um dia se os preços subirem sem motivo.