Fonte: Filipe Freitas (autopoese@yahoo.com.br)
Reproduzimos abaixo uma entrevista com a escritora Vicki Robin sobre o fenômeno do consumismo e o seu impacto em nossas vidas e na vida do planeta. Vicki Robin é uma das fundadoras do movimento da Simplicidade Voluntária, bastante difundido nos países “desenvolvidos”, porém com muito pouca penetração nas mídias. Notem o interessante raciocínio da escritora.
“Precisamos estar abertos para mudanças fundamentais de mentalidade. Uma vez entendido esse aspecto, começamos a compreender que o futuro não é fixo, que vivemos num mundo de possibilidades. Ainda assim, a maior parte de nós carrega um profundo senso de resignação. Resignamo-nos a acreditar que não podemos influenciar o mundo, pelo menos não numa escala que faça diferença. Portanto, enfocamos na escala pequena, onde achamos que temos influência. Fazemos o melhor possível com nossos filhos, ou trabalhamos em nossos relacionamentos, ou enfocamos a construção de uma carreira. Mas, lá no fundo, estamos resignados a sermos absolutamente impotentes no mundo mais amplo. Assim, se tivermos um mundo de pessoas em que todos se sintam impotentes, teremos um futuro pré-determinado. Então, vivemos indefesos e sem esperança, num estado de grande desespero. E esse desespero é, na verdade, um produto de como pensamos, uma espécie de profecia auto-realizável” – Joseph Jaworski.
Vicki Robin costuma se comparar a uma missionária que viaja pelo mundo aplicando vacinas. Uma das fundadoras do movimento Simplicidade Voluntária, ela está no Brasil para uma série de palestras em várias capitais. Nelas, tenta ensinar os ouvintes a não buscar a felicidade no shopping, a pensar duas vezes para abrir a carteira e a fazer um exercício antes de comprar qualquer coisa: calcular quantas horas de trabalho foram necessárias para ganhar o dinheiro que se pretende gastar. Vicki percorre o mundo ensinando a não gastar dinheiro.
Americana, tem 60 anos, viúva, sem filhos. Vive com uma gata, Sophie. É escritora, graduada pela Universidade Brown. Livros escritos por ela: “Seu Dinheiro ou Sua Vida”, traduzido para dez idiomas. Em 2007, lançará “Se Este É um País Livre, Por Que não Me Sinto Livre?” (título provisório).
ÉPOCA – Por que se consome tanto hoje em dia?
Vicki Robin – Porque a cultura do consumismo vende a vergonha. Se a propaganda puder envergonhar alguém, terá um consumidor em potencial. As pessoas se envergonham de não ter algo. E correm às compras para cobrir essa vergonha imediatamente. Dessa forma, nossa cultura vende vergonha e sentimento de inferioridade. E ninguém quer ser inferior aos outros.
ÉPOCA – Como isso acontece?
Vicki – As propagandas passam a idéia de que você é infeliz, gorda e feia. Ao comprar determinado produto, porém, poderá ser feliz, jovem, magra. E com namorado. Sutilmente, dizem que podem melhorar sua vida. Além disso, a cultura do consumo corta a ligação com a família. Quem tem amigos não consome tanto. Quando se tem família, tudo acontece ao redor dela. Longe de ambos, é preciso pagar por tudo. O consumismo cresce quando essas ligações são rompidas. O consumismo nos ensina que o mundo é morto, sem vida. Ele faz você se sentir sozinho. Por isso, tento reconectar as pessoas entre si e com seu mundo interior.
ÉPOCA – No livro Seu Dinheiro ou Sua Vida, a senhora ensina a calcular o salário real. Como se faz isso?
Vicki – Vamos pensar em alguém que ganha R$ 20 por hora. Ele paga impostos e gasta com transporte, alimentação e roupas para trabalhar. Na verdade, então, ganha cerca de R$ 10. Além disso, não trabalha apenas as oito horas no escritório. Com o trânsito de São Paulo, arrisco dizer que as pessoas devem gastar duas horas por dia para ir e voltar. E outras tantas se preparando para o trabalho – sempre resta um relatório para ler em casa. Então, não são mais R$ 10, mas apenas uns R$ 5. Quando você se dá conta do tempo que as coisas exigem, vê que uma blusa não custa R$ 75, mas sim 15 horas de seu trabalho. Se pensar assim, comprará menos. A cura para essa loucura do consumismo está na consciência. Não é para deixar de comprar. É deixar de buscar a felicidade nas compras. Não é uma maneira de dizer que o consumo é ruim e que você não deve praticá-lo. A questão é despertar desse pesadelo chamado consumismo. ”O consumismo enche todas as horas de nosso dia. É a doença do muito. Não temos tempo sequer para pensar no que realmente queremos
ÉPOCA – O que os leitores do livro relatam?
Vicki – As pessoas que seguem os passos ensinados diminuem seus gastos em cerca de 20%. Elas sentem que têm o controle de sua vida e são inteligentes. Às vezes, ficam orgulhosas por haver despertado isso também nos outros. É importante saber que as blusas ou cadeiras que compramos consomem parte da energia vital da Terra. Não usamos apenas os recursos renováveis, mas também arrancamos mais árvores do que a floresta tem capacidade de repor.
ÉPOCA – As pessoas são mais felizes se compram mais?
Vicki -É o que chamamos de curva da felicidade. Quando você compra o que é necessário para sobreviver, há muita alegria em relação ao valor gasto. Quando é por conforto, a alegria é menor. Depois de certo ponto, comprar não dá mais felicidade. Tudo será lixo – coisas que você compra, mas que não lhe dão nada. Pode ser até mesmo uma casa.
ÉPOCA – Existe uma receita para viver com simplicidade?
Vicki – É uma vida com intenções, na qual a pessoa pensa em seus valores e no que é importante. É uma maneira de refletir sobre o que está acontecendo. Quem sonha muito não está refletindo. Se refletimos, podemos nos distanciar dos assuntos e ponderar melhor. Depois, voltamos ao curso normal da vida com mais consciência. Muitas vezes, numa sociedade consumista, as pessoas se dão conta de que têm muito, consomem muito, fazem tudo muito rápido e não têm horas suficientes para fazer o que realmente querem. É a doença do muito. O consumismo nos distrai e enche todas as horas do dia. Quando estamos cansados, não temos tempo sequer para pensar no que realmente queremos. Vida simples é viver com o suficiente, o essencial.
ÉPOCA – É possível levar uma vida simples nas grandes cidades?
Vicki – Sim, na cidade ou no campo, sem que seja preciso plantar suas verduras. Na cidade estamos mais abertos ao consumismo. No entanto, podemos fazer mais coisas com os amigos, o que no campo é difícil. E também temos a opção de não consumir indo à biblioteca em vez de comprar um livro.
ÉPOCA – As crianças de hoje começam a consumir muito cedo. Existe um modo de minimizar isso?
Vicki – A indústria de propaganda mira conscientemente as crianças. Sabe que, se as ensinam cedo a tomar Coca-Cola em vez de Pepsi, avida inteira consumirão Coca-Cola sem se dar conta. As agências de propaganda sabem detalhes como o tom de vermelho de que uma criança de 2 anos gosta. As crianças ficam muito tempo em frente à televisão. Nos primeiros cinco anos, aprendem a realidade por meio da TV. Por isso é muito difícil uma pessoa, ao chegar aos 40, se dar conta de que algo que ela entende desde a infância como verdade não é verdade. A Coca-Cola vai ser melhor que a Pepsi para sempre.
ÉPOCA – As pessoas nunca se dão conta disso?
Vicki – O ser humano só descobre o que quer ao ver o que o outro tem. Nessa cultura da propaganda, vemos muita gente com muito mais que nós. O estilo de vida dos ricos está nas revistas. Disso surgem os desejos. Se você não pode ter algo, fica deprimido. Compra para não se sentir pior que o outro. É o que acontece com os negros americanos, que compram para ser como os brancos. Nos Estados Unidos, somos tão racistas que os negros se endividam para comprar as mesmas coisas que os brancos. Com isso, criam dívidas enormes.
ÉPOCA – Muitas pessoas dizem que têm o direito de gastar o que querem porque ganham seu dinheiro. O que dizer a elas?
Vicki – É a lei do consumismo. Se tenho dinheiro, posso comprar o que quero sem pensar. É muito difícil confrontar essas pessoas, pois a cultura nos diz que isso é correto.