Fonte: MST (www.mst.org.br)
Sexta, 21 de setembro de 2012
Sobre a dinâmica nos processos de integração, na América Latina, o economista Alfredo Serrano Mancilla, do Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS), considera que a “nova integração, de rosto humano, requer ter a clareza de que as relações comerciais não podem se solidificar sobre desigualdades e pobreza. O êxito desta humanização do Mercosul, depende das vicissitudes e pretensões individuais, e da dialética no triângulo Venezuela-Argentina-Brasil.” O artigo é publicado pelo jornal Página/12, 19-09-2012. A tradução é do Cepat. Eis o artigo.
Assistimos uma incansável metamorfose da geografia política da América Latina. O último grande acontecimento foi a entrada da Venezuela no Mercosul, alterando, assim, a ordem geoeconômica regional e mundial. A aliança de três grandes: Venezuela, Argentina e Brasil, modifica e muito as relações econômicas intrarregionais e com o resto do mundo. O Uruguai ficou só, como país pequeno no seio do Mercosul, esperando que cheguem outros que possam fazer parte do bloco, nos próximos meses: Paraguai, Bolívia e Equador.
No primeiro caso [do Paraguai], a volta ao Mercosul depende de seu retorno à democracia, nas próximas eleições, em abril de 2013. O golpe de Estado alterou as regras do jogo, criando uma injusta “pole position” para a próxima disputa eleitoral em favor dos interesses das grandes oligarquias paraguaias.
O segundo caso é o da Bolívia, que já deu sinais positivos ao projeto integração. Com a CAN [Comunidade Andina de Nações] desintegrada como bloco (devido às alianças do Peru e Colômbia com a União Europeia e os Estados Unidos), a entrada da Bolívia no novo espaço geoeconômico lhe permitiria diversificar relações como outros sócios latino-americanos, evitando ser um país dependente da conexão Brasil-Argentina.
Em terceiro lugar está o Equador, que, se finalmente dar o passo definitivo de rejeitar o acordo comercial com a União Europeia, cairá por seu próprio peso nesta regionalização de sua inserção estratégica e soberana no mundo. É bastante previsível que as próximas eleições, de fevereiro de 2013, sejam novamente vencidas por Correa e, depois disso, será o momento da aposta por uma integração dentro do Mercosul. Se isto acontecer, o eixo central da Alba ficaria inserido no novo Mercosul, contribuindo para a maior sul-americanização da proposta de integração e, principalmente, para que apareçam novas dimensões nas relações econômicas entre países.
Superar o estágio comercial é determinante para impedir o desenvolvimento desigual e uma divisão desequilibrada do trabalho na região. É o momento de enfrentar as assimetrias acumuladas entre os países, aprendendo de outros processos desastrosos (como o que é vivido no seio europeu). Rifar regionalmente a relação periferia-centro é um dever neste projeto político. Isto só pode ser conquistado através de um maior encadeamento produtivo regional. Requer muita sintonia para buscar a complementaridade produtiva, num sentido não neoliberal do termo, isto é, como produtos e também como produtores. Não é uma questão de apenas criar valor acrescido, mas de distribuí-lo.
Esta proposta deve caminhar com outras políticas que advoguem pelo uso de mais moeda nacional (como, por exemplo, acabam de firmar Uruguai e Argentina), dotar-se de mecanismos financeiros próprios, de política regional de compras públicas, de investimento público supranacional, de arbitragem regional e de políticas que integrem, de modo emancipador, cultura e educação. Esta nova integração, de rosto humano, requer ter a clareza de que as relações comerciais não podem se solidificar sobre desigualdades e pobreza. O êxito desta humanização do Mercosul, depende das vicissitudes e pretensões individuais, e da dialética no triângulo Venezuela-Argentina-Brasil.
De um lado, no próximo dia 7 de outubro, a Venezuela decide se continua com o atual processo de transformação soberano, em favor das classes mais populares, ou se volta a se colocar a serviço da oligarquia. Caso Chávez vença, pode servir como catalisador de um Mercosul mais forte e harmonioso na relação entre as grandes e as pequenas economias. Por outro lado, a Argentina continua crescendo e apostando no fortalecimento da demanda interna, redistribuindo excedente econômico e em pleno processo de reindustrialização, em favor da redução de sua dependência das importações e da “sojização” das exportações. A questão é saber se a Argentina, considerando a Venezuela e outros possíveis sócios, irá se “desbrasilizar” ou se, pelo contrário, fará complementação, pela qual contribuiria para um notável desequilíbrio econômico regional.
O outro país é o gigante brasileiro, com um lema que fala por si só: “país rico é país sem pobreza”, em parte, está conseguindo, embora recentemente tenha optado por um programa consubstancial de estímulos a favor do setor privado, para enfrentar os primeiros sintomas de desaceleração. Pouco sabemos se sua obsessão por ser a quarta economia do mundo o levará a aceitar outras regras do jogo, ou se irá impor sua agenda latino-americana de bem-estar para seu modelo de desenvolvimento.
Neste tabuleiro de grandes, uma novidade é o México, que até pouco tempo tinha olhado pelo retrovisor. O novo presidente está em viagem atualmente. Guatemala, Colômbia, Brasil, Chile, Argentina e Peru são os destinos escolhidos, não por acaso. Está para ser visto como o México se relaciona com os dois grandes do Mercosul, em termos compatíveis com o seu projeto de fazer parte do eixo de direita da Aliança do Pacífico.
A geopolítica não é estática. Como os meses passados, os próximos voltarão a ser decisivos, e assim sucessivamente. Além disso, a América Latina não vive só, depende da forma como o mundo se movimenta. E a próxima estação é a reunião dos países emergentes Brics, para a qual, desta vez, a Argentina está convidada. Falaremos dos Bricsa, nos próximos meses?