Por Igor Arsky e Vitor Santana
A falta de acesso regular a qualquer fonte de água potável ainda é uma situação bastante presente na realidade social brasileira, e particularmente crítica para a população localizada na zona rural, em especial para aquela em situação de extrema pobreza. Variações climáticas que afetam a disponibilidade de água, a poluição de fontes hídricas disponíveis, conjugadas com uma reduzida oferta da rede pública de abastecimento de água, têm afetado severamente as condições de sobrevivência dessa população.
No Brasil, 72,2% da população rural ainda acessa água apenas por meio de poços, cacimbas, açudes e barreiros, acesso esse muitas vezes precário e com grande potencial para provocar doenças (IBGE, Censo Demográfico 2010).
No semiárido a situação de acesso à água é ainda mais crítica, uma vez que os rios geralmente são intermitentes, o subsolo é formado em 70% por rochas cristalinas, rasas – o que dificulta a formação de mananciais perenes e prejudica a potabilidade da água subterrânea, que normalmente é salinizada. Além disso, os níveis de precipitação e escoamento superficial são pequenos se comparados ao restante do país e a eficiência hidrológica dos reservatórios é extremamente baixa, em função das altas taxas de evaporação.
Nesse contexto, a captação de água de chuva tem sido considerada um novo paradigma no âmbito do desenvolvimento rural sustentável, sendo socialmente justo e econômica e tecnicamente viável. Com isso, apostar na descentralização do atendimento e na gestão integrada e coletiva dos recursos hídricos é estratégia fundamental para a população rural, em especial para a população do semiárido.
Um grande desafio diz respeito à gestão dos recursos hídricos em nível local e comunitário. O primeiro ponto é compreender o crescente papel da captação direta das águas pluviais, que devem ser consideradas na gestão dos recursos hídricos, tal como se faz com as águas superficiais e subterrâneas. O segundo ponto diz respeito à participação local e comunitária. Uma vez que geralmente o abastecimento das comunidades rurais se faz por meio de sistemas isolados e não conectados à rede geral e por soluções individuais, como as cisternas, é razoável entender que possíveis problemas no abastecimento sejam melhor geridos em nível local.
Um terceiro ponto, decorrente do anterior, diz respeito, portanto, à criação de capacidades locais para essa gestão, sendo necessário investir tanto na formação das próprias comunidades abastecidas por essas soluções descentralizadas, como no fortalecimento das capacidades das administrações municipais em implementar processos participativos de gestão dos recursos hídricos.
O quarto e último ponto, diz respeito à integração das políticas públicas de acesso à água que incidem sobre a população rural. A Política Nacional de Recursos Hídricos está voltada para a gestão da disponibilidade agregada da água para os seus diversos usos, tendo como referência as bacias hidrográficas e com mecanismos próprios de gestão e participação. O abastecimento humano (considerando o tratamento, a distribuição e qualidade da água consumida), por sua vez, está regulado no âmbito da Politica Nacional de Saneamento Básico, que também possui seus próprios mecanismos de gestão e participação como, por exemplo, os planos municipais de saneamento.
Por fim, cita-se a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que tem assumido como diretriz a universalização do acesso à água em quantidade e qualidade suficiente para o consumo humano e para produção de alimentos. A partir de uma abordagem centrada no direito humano dos indivíduos à água e à alimentação adequada, o MDS tem tido papel preponderante no atendimento da população rural, com destaque para o Programa Cisternas.
A grande novidade para as políticas de acesso à água foi o lançamento do Plano Brasil sem Miséria, que vem mobilizando todo Governo Federal na busca da universalização do acesso à água para a população rural de baixa renda. Até 2014 deverão ser beneficiadas cerca de 750 mil famílias com cisternas e sistemas simplificados de abastecimento para o consumo humano, sendo que para a produção de alimentos também estão previstos investimentos em diversas tecnologias como cisternas de produção e pequenas barragens. Nesta perspectiva, o desafio da gestão local deverá estar cada vez mais presente na agenda nacional.
Igor Arsky e Vitor Santana são gestores governamentais e, respectivamente, coordenador geral e técnico de Acesso à Água do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)