Fonte: O Globo
Estudo divulgado ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) traçou, pela primeira vez, o perfil das vítimas do trabalho escravo no país. Elaborado a partir do depoimento de 121 trabalhadores resgatados entre 2006 e 2007, o estudo mostrou a baixa escolaridade dos resgatados e a falta de ações para criar oportunidades nas regiões que mais fornecem este tipo de mão de obra.
Em 67% das famílias de trabalhadores libertados, existiam crianças e adolescentes, sendo que 28% (quase um terço) delas eram beneficiárias do Bolsa Família. O levantamento revelou também que quase 60% dos trabalhadores resgatados no país já foram escravizados antes e que a fiscalização do governo conseguiu libertar apenas 12,6% do universo de trabalhadores nestas condições, de acordo os dados do Ministério do Trabalho.
A pesquisa apontou forte relação entre trabalho escravo e infantil no país: 92,6% do total de entrevistados começaram a trabalhar antes dos 16 anos. Na média, aos 11,4 anos, mas cerca de 40% já trabalhavam antes.
Segundo Luiz Antônio Machado, coordenador do projeto da OIT de combate ao trabalho escravo no Brasil, o Bolsa Família ajuda a reduzir a vulnerabilidade dos trabalhadores porque melhora a alimentação das famílias. Mas, por si só, não evita que os chefes dessas famílias se submetam a condições degradantes de trabalho, com cerceamento de liberdade – o que caracteriza o trabalho escravo.
O Bolsa Família é insuficiente e a fiscalização não consegue cobrir todo o país ou mesmo os estados com maior concentração (da irregularidade) – afirmou Machado.
Agropecuária concentra trabalho escravo
Machado destacou que o alto índice de recorrência – 59,7% dos resgatados já haviam estado na situação de escravidão anteriormente – deve-se à falta de alternativas, restando aos trabalhadores sem qualificação nas áreas rurais apenas a “empreitada”, que exige só força física. Segundo ele, também é preciso investir em campanhas de conscientização frequentes para estimular os próprios trabalhadores a fazerem a denúncia. Na maioria das vezes, eles são liberados no fim da empreitada sem receber pelo serviço.
A renda média declarada desses trabalhadores foi de 1,3 salário mínimo, sendo que 40% informaram ser o único responsável pela renda das famílias que têm, em média, 2,4 filhos.
Ele defende a necessidade de ações complementares para tornar as politicas mais efetivas. Entre elas, estimular a criação de empregos nos locais de residência dos trabalhadores e oferecer cursos de capacitação profissional.
De acordo com a pesquisa, 85% dos trabalhadores entrevistados, além de terem baixíssima escolaridade (analfabetos e com menos de quatro anos de estudo), nunca fizeram curso de qualificação. No entanto, 81,2% declararam que gostariam de fazer algum curso, principalmente os mais jovens (95,2% dos que têm menos de 30 anos). A preferência recai nas áreas de mecânica de automóveis, operação de máquinas, construção civil (pedreiro, encanador, pintor) e computação.
Maranhão, Paraíba e Piauí são os exportadores de mão de obra escrava para outros estados. Eles estão entre as principais origens dos trabalhadores resgatados em Goiás (88%) e no Pará (47%). No Mato Grosso e na Bahia, 95% deles eram da própria região.
Segundo a OIT, a agropecuária continua sendo o setor de maior concentração de trabalho escravo, sobretudo nas fazendas de cana-de-açúcar e produção de álcool, como é o caso do Pará; plantações de arroz (Mato Grosso); culturas de café, algodão e soja (Bahia); e lavoura de tomate e cana (Tocantins e Maranhão).
Segundo a pesquisa, o aliciamento se dá, na maioria dos casos, pela rede de relações pessoais; os “gatos” (aliciadores) e escritórios que funcionam como agências de emprego aparecem em segundo lugar. Em terceiro estão hotéis, pensões e locais públicos, como rodoviárias, estações de trem e ruas das cidades.
O conceito de trabalho escravo apontado pela OIT considera, além das condições precárias (falta de alojamento, água potável e sanitários, por exemplo), cerceamento à liberdade pela presença de homens armados, dificuldades de acesso às fazendas e dívidas contraídas de forma forçada pelos trabalhadores para pagar alimentação e despesas com ferramentas usadas no serviço.
O Ministério do Trabalho informou que a pasta não comentaria a pesquisa porque o responsável pela área de fiscalização estava incomunicável ontem.
Quem escraviza é jovem, bem formado, da região sudeste e filiado a partidos
BRASÍLIA. A pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre o perfil das vítimas de trabalho escravo definiu também quem são os fazendeiros acusados de explorar esse tipo de mão de obra. Com base na chamada Lista Suja do Ministério do Trabalho e nos depoimentos de 12 dos 66 contactados, que aceitaram participar do estudo, a entidade concluiu que a maioria deles nasceu no Sudeste, tem boa formação (curso superior completo) e é filiada a partidos políticos.
Com idade média de 47,1 anos e cor branca, a maioria nasceu em cidades de Rio, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo e optou por residir próximo às fazendas, nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.
Formados em Administração de Empresas, Engenharia Agrônoma e Medicina Veterinária, declararam como ocupação serem pecuaristas, fazendeiros, administradores, comerciantes e veterinários. Alguns dos entrevistados informaram ser filiados ao PMDB, ao PSDB e ao PR. A maioria deles disse não acreditar na existência de trabalho escravo no Brasil.
Quem está na Lista Suja do governo fica impedido de tomar crédito em instituições públicas federais – iniciativa destacada no estudo da OIT.
Os aliciadores (gatos) também têm baixa escolaridade como os aliciados e idade média de 45,8 anos. A maior parte nasceu no Nordeste e vive nas regiões Norte e Centro-Oeste.
Além de entrevistas com os envolvidos, a OIT utilizou os dados do Ministério do Trabalho, entre 2002 e 2007, quando foram resgatados 9.762 trabalhadores. (Geralda Doca)
20 mil escravos no país
JÚNIA GAMA- correio Braziliense 26 outubro de 2011.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou ontem um perfil do trabalho escravo rural no Brasil, indicando que 81% das pessoas que vivem em condições análogas à escravidão são negras, jovens e com baixa escolaridade. O estudo foi feito a partir de entrevistas com pessoas libertadas, aliciadores e empregadores em fazendas do Pará, Mato Grosso, Bahia e Goiás entre 2006 e 2007.
Além da predominância da raça negra, o documento aponta que cerca de 93% dessas pessoas iniciaram a vida profissional antes dos 16 anos, o que configura trabalho infantil, e que quase 75% delas são analfabetas. O estudo identificou que a maioria dos empregadores e dos aliciadores, os chamados “gatos”, é branca.
Para o coordenador da área de combate ao trabalho escravo da OIT, Luiz Machado, o dado reflete a condição de vulnerabilidade da população mais pobre ao trabalho escravo, composta maioritariamente por negros. “Isso é um resquício da exploração colonial”, atestou. O fato de não terem frequentado escolas na infância também é destacado pelo coordenador como um indutor do problema. “O trabalho infantil tira as possibilidades futuras e facilita o caminho ao trabalho escravo. Pessoas sem escolaridade não têm oportunidades.”
O Ministério Público do Trabalho (MPT) estima que cerca de 20 mil pessoas estejam submetidas ao trabalho forçado ou degradante no Brasil hoje. Desde 1995, mais de 40 mil trabalhadores foram libertados no país, que assumiu um compromisso internacional para erradicar a prática até 2015. A coordenadora nacional de Combate ao Trabalho Escravo do MPT, Débora Tito, relata que as políticas sobre o tema têm se concentrado no que ela chama “pedagogia do bolso”.
A ideia é enfrentar o problema por meio de multas altas e da inserção de nomes de empregadores em cadastros negativos para que deixem de conseguir financiamentos de bancos. “Temos que tornar essa prática economicamente inviável, para que os fazendeiros parem de economizar à custa da dignidade do trabalhador”, disse a procuradora. Segundo ela, a pena para punir o empregador de trabalho análogo ao escravo é de dois a oito anos de prisão, mas existem poucas condenações no país.
Convenção
As centrais sindicais que representam os servidores públicos das três esferas do governo estão se debatendo para definir o projeto de lei que tratará de temas como direito de greve, negociação coletiva e liberação de dirigentes sindicais de bater o ponto para se dedicar aos assuntos das categorias, itens da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que deverá ser regulamentada até o fim do ano. Em audiência pública na Câmara ontem, a queda de braço girou em torno da cobrança do imposto sindical, um desconto no contracheque de um dia de salário ao ano, a exemplo do que ocorre com os trabalhadores da iniciativa privada.