Fonte: SOL – Boletim eletrônico da articulação da economia solidária no Maranhão
No mês de novembro de 2005 ocorreu o Seminário Economia Solidária promovido pela Cáritas Brasileira, CUT – Central Única dos Trabalhadores, e Instituto EKOS. Abaixo segue sínteses e transcrição de alguns trechos das apresentações feitas no Seminário, no espaço dedicado ao diálogo sobre concepções e/ou vertentes de Economia Solidária no Brasil.
A Economia Solidária é associada a ações de consumo, comercialização, produção e serviços. O Seminário foi proposto tendo em vista que ela abarca diversas práticas e não há um pensamento único sobre o seu significado.
As apresentações foram feitas por assessores convidados, e foram sempre baseadas em uma experiência concreta de construção da Economia Solidária no país. Do Ceará veio Lúcia Albuquerque, com uma fala baseda na experiência da Fundesol – Agência de Desenvolvimento Local e Socioeconomia Solidária. De São Paulo, Maria Eunice Dias Wolf veio comunicar a experiência da ADS – Agência de Desenvolvimento Solidário, órgão da CUT. O assessor da Cáritas Brasileira, Ademar Bertucci, veio de Brasília para falar sobre o programa Economia Popular Solidária desenvolvido pela entidade.
As entidades apresentaram formas particulares de realizar a Economia Solidária. Particulares, mas não excludentes. As instituições apresentaram experiências e concepções que se encontram, se unem, justamente nos aspectos que as caracterizam singularmente: a participação coletiva, autogestão, democracia, igualitarismo, cooperação e intercooperação, auto-sustentação, a promoção do desenvolvimento humano, responsabilidade social e a preservação do equilíbrio dos ecossistemas.
A estratégia dos Fundos Solidários
“Enquanto uma das vertentes, das diferentes contribuições, que hoje fazem parte do movimento que se afirma como movimento Economia Solidária, a contribuição da Cáritas vem dos Fundos Solidários que apóiam Projetos Alternativos Comunitários.”
Ademar Bertucci
Ademar Bertucci, da Cáritas Brasileira, iniciou sua exposição lembrando que a entidade lançou um livro sobre os 20 anos da Economia Solidária. “É bom lembrar, há 20 anos não existia o termo economia popular solidária, mas já existiam na Cáritas os chamados Projetos Alternativos Comunitários, comumente conhecidos como PACs”, explicou Ademar.
Ele explicou que os PACs já eram constituídos com base nos valores da Economia Solidária e que a estratégia de apóia-los através de Fundos foi construindo um processo que, “há cerca de 5 anos, reunindo um conjunto de organizações, se configurou na idéia, no projeto da Economia Solidária”.
A seguir, trechos da exposição realizada por Ademar Bertucci durante o Seminário Economia Solidária:
“A idéia dos fundos solidários no Brasil ultrapassa os limites da Cáritas, da Igreja ou da CNBB. Mais recentemente, já dentro das nossas estratégias do movimento da Economia Solidária, estamos avançando para que haja, da parte do estado e do governo, um reconhecimento de que o atual sistema financeiro e bancário – por mais que haja um esforço da parte do governo para torná-lo acessível, para dar crédito para população -, não dá conta, e vai demorar muito tempo para dar conta, de financiar e apoiar os grupos, associações e cooperativas da Economia Solidária.
Porque esse sistema financeiro com o qual a gente convive não é solidário, ele tem uma lógica do capital, dos juros, da chamada viabilidade financeira, ou sustentabilidade, que não é uma sustentabilidade do empreendimento, e sim do banco. Isso é um equívoco na concepção de desenvolvimento sustentável, no sistema financeiro sustentabilidade significa o enriquecimento dos bancos.
Um levantamento feito, durante dois meses, pela ASA, Fórum da Economia Solidária, Fórum da Segurança Alimentar, e o Mutirão de Combate à Fome, identificou os fundos que existiam no nosso campo de trabalho. Foram encontrados 180 fundos só na área do nordeste. Se procurássemos mais um pouco, certamente descobriríamos milhares de fundos pelo Brasil. Fundos que sobrevivem e alimentam a possibilidade dessas pequenas iniciativas, e que existem sem nenhum conhecimento do Estado.
O que nós, da Economia Solidária, estamos fazendo neste momento, é trabalhar ao lado do Banco do Nordeste em uma experiência de financiamento e apoio a grupos que trabalham com fundos, nessa perspectiva que a Cáritas desenvolve há 20 anos. Para que o Estado comece a reconhecer que há uma rede, uma trama real no Brasil, que dá conta de fazer com que os grupos acessem recursos em uma outra lógica que não seja a lógica da sustentabilidade do capital, mas na lógica da sustentabilidade e da organização dos grupos.
Quando a gente fala de fundo solidário é importante dizer que, dentro das várias experiências de fundo solidário, existem os fundos rotativos. O fundo rotativo é administrado pela comunidade, que decide quais projetos dentro da comunidade devem ser apoiados na perspectiva do desenvolvimento local.
Em relação à prática dos fundos solidários, há um avanço em todo o Brasil. Isso faz parte da contribuição da Cáritas para o movimento da Economia Solidária.”
A busca da efetivação dos Direitos Humanos
“A contribuição que trazemos aqui é a da articulação da Economia Solidária com a efetivação dos direitos humanos, compreendendo que eles são indivisíveis e universais. Direitos Humanos na perspectivas de direitos definidos no pacto de direitos econômicos, culturais e sociais.”
Lúcia Albuquerque
Lúcia Albuquerque, da FUNDESOL – Agência de Desenvolvimento Local e Socioeconomia Solidária, discorreu sobre a Economia Solidária entendendo-a como um conjunto de ações e experiências que contribuem para a efetivação dos Direitos Humanos. “A Economia Solidária trabalha com as nossas necessidades básicas, mas não a cesta básica, e sim aquilo que o ser humano necessita para viver dignamente. Produzir para realizar-se dos pontos de vistas econômico, pessoal e comunitário”, disse Lúcia.
Ela vê na experiência dos empreendimentos de Economia Solidária uma oportunidade de redefinir valores. Os Direitos Humanos podem ser efetivados na vida das pessoas que produzem, que consomem, que comercializam. E isso não acontece necessariamente atrelado à manutenção de um determinado mercado, mas da manutenção da solidariedade entre as pessoas, a solidariedade de forma integral.
Lúcia destacou o fato de que os atos de consumo fazem parte de um processo de construção social, por trás desses atos estão os valores da sociedade. Lembra que, assim como podemos consumir produtos advindos de fazendas que escravizam homens e mulheres, também podemos optar pela perspectiva da solidariedade e, à medida que realizamos outra economia, assumindo outras práticas de consumo, também efetivamos direitos humanos.
A seguir, trechos da exposição realizada por Lúcia Albuquerque durante o Seminário Economia Solidária:
“Nós começamos nosso trabalho com crianças e adolescentes. Estávamos numa busca por formas de oferecer trabalho e renda a famílias, preferencialmente a mulheres chefes de família, mães de crianças e adolescentes que viviam nas ruas de Fortaleza. Iniciou-se por a,í e chegamos ao patamar da discussão da Economia Solidária.
A partir de 1997 começamos a fortalecer a compreensão de que o que vínhamos desenvolvendo se tratava de uma prática de Economia Solidária. Claro, a partir de um acúmulo de reflexões e de desenvolvimento do próprio projeto. Tinha um conjunto de ações de cultura e educação ligadas à construção de uma perspectiva do direito humano econômico, de forma integral, na perspectiva da Economia Solidária.
Umas das coisas que efetiva os direitos humanos é a realização de políticas públicas. E política pública exige a definição de marco regulatório. Em Fortaleza desenvolvemos um programa de primeiro emprego com jovens que é todo na linha da Economia Solidária. É um grande desafio.
Há quatro anos, por exemplo, a DRT não pautava a economia solidária na sua agenda. Hoje, precisa pautar, porque nós temos empresas sendo formadas por jovens, e a meninada não está toda nos conformes como quer determinada legislação. E nós precisamos mexer nesse legado, ou construir outro legado para processos que estão se constituindo agora.”
O caminho da mobilização social
“Nós não queremos apenas fazer um belo negócio, um bom negócio. Nós não nos dispomos a fazer um trabalho com as cooperativas e com Economia Solidária que não envolva o compromisso de mudar a sociedade, para intervir na sua comunidade. Nós queremos construir essa estratégia de transformação.”
Maria Eunice
A Agência de Desenvolvimento Solidário – ADS, foi criada em 1999, pela CUT, FASE, UNITRABALHO e DIEESE. O objetivo assumido pela nova Agência foi o de gerar trabalho e renda na perspectiva da Economia Solidária. Maria Eunice falou sobre o contexto político que gerou a necessidade de criação da ADS. Segundo ela, muitos sindicatos da CUT já estavam desenvolvendo o debate sobre Economia Solidária ou já tinham iniciativas próprias, embora o tema ainda estivesse consolidado na CUT.
Tudo começou quando alguns sindicatos começaram a pensar em como gerir empresas falidas. A pensar alternativas de organização dos trabalhadores em função da reestruturação produtiva e da abertura do mercado na década de 1990, que gerou a “quebradeira de empresas no país”. Maria Eunice lembrou que a situação “motivou os sindicatos a pensarem sobre o que fazer na situação de crescimento do desemprego. Uma das alternativas foi a ocupação de fábricas e a constituição de empresas autogestionárias.”
A representante da ADS explicou que faz parte da história do movimento sindical as tentativas de superar a ausência do Estado criando cooperativas de vários tipos: habitacionais, saúde, de cultura, etc. Essa prática, segundo ela, se aprofundou no período das privatizações.
A seguir, trechos da exposição realizada por Maria Eunice durante o Seminário Economia Solidária:
“Nós achamos que temos que articular Complexos Cooperativos, que são redes de cadeias produtivas, setorial ou local. Porque, se não, o empreendimento só terá comprometimento consigo mesmo.
Numa estratégia de complexo, além dele otimizar os recursos e qualificar sua intervenção, ele pode fazer compras coletivas, vendas coletivas, e criar laços de solidariedade, de compromisso. Ele passa a se articular para intervir na sociedade. Através do complexo, vai valorizando o espaço local e a constituição de laços de reciprocidade na comunidade. Um sentimento de pertencimento e o comprometimento do sujeito perante a sociedade.
Quando a ADS/CUT articula os complexos e instiga os empreendimentos a intervir na comunidade é com a perspectiva de quem tem que organizar os empreendimentos é a própria organização deles.
A CUT não vai filiar a Justa Trama, vai fomentar, auxiliar através da ADS, mas numa visão de que os empreendimentos têm que se organizar politicamente, ter uma representação política para negociar, para mobilizar, para exigir, as coisas que uma sociedade democrática tem de garantir: políticas públicas… Os empresários se organizam nas federações, confederações, os trabalhadores assalariados também se organizam, e nós achamos que os empreendimentos devem se organizar em uma central que os represente politicamente.
A CUT tem trabalhado para o fortalecimento da UNISOL e ECOSOL. A UNISOL como organização do setor produtivo de serviços e a ECOSOL para a organização do crédito.”