Fonte: Folha de S.Paulo
A redução da pobreza e da desigualdade no Brasil ainda se assenta sobre bases frágeis, pois foi puxada pela oferta de empregos de baixa remuneração no setor de serviços e comércio, aponta estudo divulgado ontem pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Segundo o estudo do órgão federal, dos 2,1 milhões de novos postos de trabalho criados por ano na década de 2000, 95% pagavam até 1,5 salário mínimo (R$ 817,5). Enquanto isso, a cada ano foram eliminadas 397 mil vagas com salário de três mínimos ou mais.
O fenômeno está ligado à mudança na estrutura da produção, afirma o presidente do Ipea, Marcio Pochmann. “Não é mais a indústria que comanda, são os setores de serviços.”
Na década, esses setores geraram 2,3 empregos para cada vaga na indústria – a relação era de 1,3 nos anos 1970. Serviços e comércio respondem agora por 57,6% da ocupação, contra 42,6% nos anos 1980. A proporção da indústria e da construção civil (24%) não mudou.
“A sustentação dos êxitos recentes não depende só da qualificação da mão de obra. Para o longo prazo, é preciso ampliar a oferta de empregos que sejam de maior remuneração”, diz Pochmann.
O estudo destaca que, em boa parte devido a aumentos reais do mínimo, o crescimento do emprego concentrado na base salarial contribuiu para reduzir a fatia de pobres na população ativa, de 37,2% em 1995 para 7,2% em 2009.
Na classificação do instituto, a maior parte do contingente de novos assalariados foi engrossar o “nível inferior” da população ativa: “Não é mais pobre, mas tampouco de classe média”.
Enquanto isso, a parcela que o Ipea classifica como de “nível médio” (combinando renda a fatores como escolaridade, consumo e moradia) se manteve em 32,2%. Os que vivem de “rendas da propriedade” (lucro, juros, terras e aluguéis) passaram de 3,9% para 14,3%.
O Ipea vê uma “polarização” entre as “duas pontas” com maior crescimento relativo na pirâmide social: “os trabalhadores na base e os detentores de renda derivada da propriedade”. Hoje, só 16,4% dos brasileiros empregados ganham três mínimos ou mais, contra 28,7% em 2000 e 25,9% em 1990.
Para Pochmann, a estagnação do “nível médio” explica parte da redução no grau de desigualdade da distribuição da renda do trabalho, que foi de 10,4% entre 2004 e 2010-índice inédito desde os anos 1960. “A questão é como sustentar esse padrão. Se o mínimo não mantiver trajetória de crescimento, podemos ter postos com remuneração muito baixa, e com isso não termos capacidade de reduzir mais a desigualdade.”
Embora ainda estejam longe do nível de escolaridade dos brancos, os negros estão deixando para trás a herança de poucos anos de estudos de seus pais. Pesquisa sobre cor e raça feita pelo IBGE em cinco Estados e no Distrito Federal mostra que a distância entre a escolaridade de pais e filhos é maior entre negros e pardos que entre brancos. A desigualdade racial na educação, no entanto, persiste.
A reportagem é de Luciana Nunes Leal e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 07-08-2011.
A escolaridade dos filhos é muito maior que a dos pais em todas as raças, em consequência da ampliação do acesso à escola dos anos 1990 em diante. Especialistas destacam, porém, que os avanços entre negros e pardos são maiores porque partiram de bases muito baixas.
A proporção de filhos negros com 12 anos ou mais de estudos (pelo menos ensino médio completo) é quatro vezes maior que das mães e três vezes maior que dos pais da mesma cor. No caso dos brancos, a proporção de filhos na faixa mais alta de escolaridade é três vezes maior que das mães e o dobro dos pais.
Segundo a pesquisa, apenas 2,8% dos pais negros tinham 12 anos ou mais de estudos, enquanto os pais brancos chegavam a 9,7%. Entre mães negras, somente 2,1% tinham o ensino médio completo, índice que chegava a 6,9% entre as mães brancas.
Apesar do progresso em relação aos estudos dos pais, a diferença entre filhos negros e brancos continua gritante. Menos de um em cada dez filhos negros entrevistados pelo IBGE (9,2%) completou o ensino médio. Entre os brancos, quase um em cada quatro (23%) tinha pelo menos 12 anos de estudos.
“Um nível mais alto de educação entre pretos e pardos, que há algumas décadas não estava no imaginário social, começa a fazer parte da realidade. Emblematicamente, é muito importante. Mas em números absolutos e relativos ainda é muito pouco”, diz o pesquisador do IBGE José Luís Petruccelli, coordenador da pesquisa de cor e raça, que ouviu 15 mil pessoas de 15 anos ou mais, em 2008.
A pesquisa mostrou que, entre todos os entrevistados, 49% se declararam brancos e 7,8% negros. No universo dos que têm 12 anos ou mais de estudos, as proporções se alteram: 71% eram brancos e apenas 4,5% negros.
Qualidade
O professor da UFRJ Marcelo Paixão, especializado no estudo de raças, ressalta que a diferença da escolaridade dos filhos em relação aos pais seria bem maior e a desigualdade entre negros e brancos muito menor se a expansão de alunos nas escolas fosse acompanhada de qualidade na educação.
“Os filhos estão se distanciando da baixa escolaridade dos pais, mas o avanço ainda é muito lento para ser comemorado. A diferença tem de aumentar até o filho do analfabeto chegar a doutor, tanto o branco quanto o negro. O salto grande será quando os anos de estudos de brancos e negros se equipararem”, afirma Paixão.
Para o professor, a comparação da escolaridade de pais e filhos é “um indicador que não admite muita condescendência”. Ele explica: “Não estamos comparando a riqueza de pais e filhos, que pressupõe um patrimônio físico, depende de uma série de fatores, é mais lento. Estamos falando de educação, em que os avanços podem ser muito mais rápidos com a expansão da presença nas escolas”, diz.
Segundo ele, a escola conseguiu se massificar, mas o aproveitamento escolar é muito baixo, em especial para os negros. “Os jovens deixam a escola, repetem o ano, ficam atrasados. Há muita propaganda e pouco resultado”, complementa.
Educadores apontam para a participação e o estímulo dos pais, mesmo aqueles de baixa escolaridade, como fatores fundamentais para o aprendizado dos filhos. Mas ressaltam que, nas famílias em que o estudo é pouco valorizado, a escola deve assumir o papel de incentivadora dos alunos.