Relato de Daniel Tygel*
Está se desenhando uma importante vitória para as políticas públicas de Economia Solidária dentro do PPA (Plano Pluri-Anual 2012-2015): Provavelmente será criado um PROGRAMA TEMÁTICO que articula os temas de Desenvolvimento Territorial, Regional e Sustentável e Economia Solidária.
O PPA do governo Dilma é diferente dos anteriores, pois se organiza em uns 60 a 70 Programas Temáticos, enquanto antes havia centenas de “programas”. O atual governo decidiu criar poucos programas temáticos para estimular a articulação e negociação entre ações de diferentes ministérios, buscando maior sinergia e visão sistêmica. A primeira proposta do governo não continha em nenhum dos 60 programas temáticos a Economia Solidária. Ela estava invisível, escondida dentro do Programa Temático de “Emprego”.
Por iniciativa da Secretaria Geral da Presidência, o governo dialogou com vários movimentos sociais sobre a sua proposta de programas temáticos, em especial numa grande oficina batizada de “oficina interconselhos”, que contou com a participação de mais de 400 conselheiras/os de todos os Conselhos Nacionais existentes. O Conselho Nacional de Economia Solidária reuniu-se antes desta oficina, e preparou uma proposta de intervenção a partir de um documento inicial construído pela SENAES.
O resultado desta oficina interconselhos foi inequívoco: grande parte dos movimentos sociais dos mais diferentes temas apontou a Economia Solidária como uma importante estratégia de desenvolvimento. Apenas para se ter uma ideia, num dos momentos as/os mais de 400 conselheiras/os se dividiram em 9 grupos e tinham que apontar, em cada grupo, 3 prioridades de novos eixos. Em 6 dos 9 grupos, a Economia Solidária ficou entre os três!!! Seis de nove grupos, com conselheiras/os de todas as temáticas. Detalhe: Micro e pequena empresa praticamente não apareceram, e quando apareciam, não ficavam nas prioridades e nenhum dos movimentos via sentido em juntar com economia solidária….
Certamente, este é mais um dos frutos da bela mobilização realizada em todo o país pelo movimento de economia solidária nas audiências públicas! Ainda temos muito mais para mobilizar, e devemos continuar a luta, mas já mostramos que o movimento tem identidade e projeto político: parabéns a todas e todos que participaram deste grande mutirão!
Não tinha mais como dizer que a Economia Solidária seria invisível.
Tivemos informação informal que o Ministério do Planejamento realizou então uma oficina na última terça-feira dia 12 de julho, entre 5 Ministérios, para debater a criação de um novo Programa Temático: Ministério da Integração (Desenvolvimento Regional), Ministério do Trabalho (SENAES – Economia Solidária), Ministério do Desenvolvimento Agrário (Desenvolvimento Territorial), Ministério do Meio Ambiente (Zoneamento ambiental e sustentabilidade), e Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Arranjos Produtivos Locais – APLs).
A SENAES e o MDA aparentemente tiveram uma participação muito boa na oficina, e o debate sobre modelo de desenvolvimento foi a tônica. Representante do Ministério do Meio Ambiente parece ter feito uma boa provocação: “se estamos falando de um Programa Temático que tem ‘desenvolvimento sustentável’, estamos afirmando uma inconsistência no governo, pois estaremos dizendo que o modelo de desenvolvimento não é sustentável, com exceção deste Programa Temático!”.
Enquanto MDIC e Integração aparentemente afirmavam no início da oficina que “todos nós queremos desenvolvimento, o que muda é apenas o ponto de partida”, Paul Singer deixou claro que o que muda é justamente o “ponto de chegada”, ou seja, que há propostas e perspectivas completamente diferentes. Enquanto num caso se faz e defende um desenvolvimento voltado ao fortalecimento do grande Capital, no outro caso, ou seja, na Economia Solidária, Territorialidade e Sustentabilidade, a finalidade é outra, é desenhar outra estratégia de desenvolvimento, que acarrete em justiça social, democracia econômica, diversidade étnica/cultural/territorial/de gênero e sustentabilidade ambiental.
Essa é uma grande vitória para as políticas públicas de Economia Solidária! Enfim, uma boa briga! A partir de agora, para o movimento de Economia Solidária, vem o bom desafio de entrar em uma briga em que vale a pena disputar, sobre o modelo de desenvolvimento do país, pois a Economia Solidária está reconhecidamente agregada neste espaço.
Isso nos remete ao debate do PL 865, em que infelizmente houve um esfriamento dos diálogos da Frente Parlamentar e da Secretaria da Presidência, visto que ainda não realizaram-se as reuniões após as audiências, apesar das solicitações do FBES. Sabemos apenas que ontem, dia 20 de julho, houve reunião entre 5 ministérios (Casa Civil, Secretaria Geral, MDIC, Planejamento e SENAES/MTE) para tentar fechar um posicionamento do governo federal sobre o PL 865, e com isso uma proposta consensual entre eles para alterações do PL 865. Ainda não sabemos o resultado, nem se os resultados das audiências públicas serão analisados para esta tomada de decisão. Também temos o indicativo de reunião do GT de diálogo com a presidência na primeira semana de agosto. Neste momento, o movimento poderá apresentar o posicionamento a partir dos resultados das audiências.
As audiências públicas, que demonstraram uma mobilização em menos de dois meses de 22 audiências públicas envolvendo diretamente 2.500 representantes dos vários segmentos do movimento, assim como a II CONAES envolvendo mais de 20 mil pessoas, a IV Plenária (que em seu processo de dois anos envolveu diretamente mais de 4.000 pessoas nos debates) e a consulta do FBES aos mais de 130 Fóruns Estaduais, Municipais e Microrregionais de Economia Solidária, têm demonstrado de forma cabal que a Economia Solidária não é simplesmente uma forma econômica de produção, é mais que isso: é um movimento social que defende uma estratégia diferenciada de desenvolvimento.
Por isso o movimento não aceita a proposta do governo em fundir as políticas de Economia Solidária e de Micro e Pequena Empresa no PL 865. Esta fusão esvazia a economia solidária da verdadeira disputa que está em jogo: que sociedade, que economia e que mundo nós queremos? Queremos sim a transformação social, cultural e econômica através de iniciativas e articulações em redes e cadeias de produção, comercialização, consumo, finanças solidárias. Queremos um outro modelo econômico (ou outros modelos econômicos)!
No debate do PL 865, ainda há muita água para correr: setores do PT, do governo e uma parcela minoritária do próprio movimento ainda acham que a economia solidária tem uma janela de oportunidades se conseguir que a nova Secretaria Especial se chame “Secretaria Especial de Micro e Pequena Empresa e Empreendedorismo Solidário”. Nas audiências públicas, este foi efetivamente um posicionamento que apareceu, por parte destes setores, e isso foi respeitado e apresentado em vários estados, além de constar na sistematização realizada pelo FBES na vídeo-conferência após as audiências.
Entretanto, é impossível negar que a grande maioria, massiva, do movimento, afirmou nas audiências públicas que a identidade da Economia Solidária é muito mais próxima com a disputa sobre o modelo de desenvolvimento, e a afinidade muito maior com movimentos sociais de reforma agrária, agroecologia, povos e comunidades tradicionais, mulheres, agricultura familiar e campesina, saúde popular.
Este é o grande resultado das audiências: uma afirmação da identidade, sem diminuir ou desrespeitar a importância das micro e pequenas empresas. Outro resultado importante das audiências, além desta afirmação de identidade para além do meramente produtivista, foi o desejo de negociar com este governo que ajudamos a eleger, a partir do respeito aos resultados das audiências públicas. Que estas audiências sejam respeitadas, sistematizadas, compreendidas como sendo uma sabedoria oriunda dos acúmulos e história do movimento.
O desejo de negociar com o governo chega ao ponto do movimento aceitar que o governo escolha o local institucional que acredite ser mais adequado para que a política da economia solidária continue crescendo e se afirmando, mesmo sem ter sua casa própria, pois o nosso debate vai além do lugar institucional, é das políticas públicas e projeto político amplo de transformação social. Se o governo, entretanto, não abrir mão e fizer questão de colocar a economia solidária como uma secretaria dentro da Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa, defendemos pelo menos que o nome da Secretaria Especial mantenha-se como “Secretaria Especial de Micro e Pequena Empresa”, e não se agregue o nome “economia solidária” ou “empreendedorismo solidário” no nome.
Isso parece uma questão menor, mas é crucial: assim com a política de economia solidária “não está em casa” dentro do Ministério do Trabalho e Emprego, também não está em casa numa “Secretaria Especial de Micro e Pequena Empresa”. Colocar “Economia Solidária” no nome implicaria em assentir numa acomodação, numa confusão de conceitos: “micro e pequena empresa” é uma forma jurídica, nada mais. Economia Solidária é uma estratégia de desenvolvimento, que tem inclusive como um de seus desafios a organização da chamada “economia popular”. Se os dois nomes se juntam, o efeito em cascata no país será imediato, e serão criados projetos de lei, fundos, conselhos de “economia solidária e micro e pequena empresa”, até mesmo “fóruns de micro e pequena empresa e economia solidária”, e com isso fica cooptado o sentido transformador das políticas de economia solidária no cerne do debate sobre o desenvolvimento do país.
A vitória no PPA é importantíssima: ela coloca ao movimento de economia solidária, na construção de sua V Plenária Nacional, o desafio de refletir nas estratégias de articulação com os demais movimentos sociais e de mobilização para lutar por um outro modelo de desenvolvimento, voltado e construído autogestionariamente pelo povo e a partir de iniciativas econômicas autogestionárias, e não aos Eike Batistas, Carrefours, Belo Montes e Monsantos que tanto mal fazem ao país e ao mundo.
E se tivéssemos uma “Secretaria Especial de Economia Popular e Solidária” no PL 865 (ou mesmo uma “Secretaria Especial de Desenvolvimento Territorial, Sustentável e Solidário”), tendo a economia solidária como estratégia: de inclusão produtiva [erradicação emancipatória da miséria]; de organização da economia popular; e de desenvolvimento territorial e sustentável ? Aí sim teríamos a “casa” para a articulação das políticas públicas relacionadas a Economia Solidária, sem impedir que os outros 20 ministérios tenham suas ações de economia solidária também. Esta é uma das propostas tiradas a partir das audiências públicas e que será apresentada à Presidência da República.
Segundo a vídeo-conferência realizada pelo FBES após as audiências públicas, caso o governo não veja possibilidade nesta proposta, por causa de compromissos já assumidos em campanha pela Presidenta com o setor “sebraeano” ou do “CNI” das micro e pequenas empresas, então as audiências públicas, em sua vasta maioria, expressaram que é melhor lutarmos para que esta secretaria especial fique exatamente com o nome que consta no PL 865: “Secretaria Especial de Micro e Pequena Empresa”, e a SENAES seja uma secretaria lá dentro, com mais estrutura, orçamento e autonomia do que tem hoje no MTE, pois ali não é o espaço da política pública de ES. E, de forma complementar, que o Conselho Nacional de Economia Solidária fique ligado à Presidência.
Estes posicionamentos, que foram consensuados na vídeo-conferência de balanço do FBES das audiências públicas, se fortalecem com esta vitória do PPA. Parabéns a todas e todos, da SENAES, do FBES, dos Fóruns Estaduais, e das várias entidades e representações de empreendimentos e do movimento!
*Com correções e sugestões de Andréa Mendes.