Por Luigi Verardo
O debate sobre a forma de se fazer política é coisa que não vem de hoje e também não é só daqui. É a grande discussão que o Fórum Social Mundial trouxe de forma mais explícita. Aí, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), como filho legítimo do fórum Social Mundial (FSM), herdou o gérmen da radicalização da democracia (Aliás, nossa 1ª revista, de 2002, tem como título: Radicalização da Democracia). Note-se que radical significa ir às raízes, às bases e fundamentos; coisa bem diferente de extremismo ou sectarismo (que tem a ver com seita).
A denominada Economia Solidaria e Autogestão ao propor gestão coletiva das realidades objetivas (negócio, por exemplo) traz junto a idéia da gestão coletiva das coisas subjetivas que envolvem o relacionamento e a organização das pessoas. Isto inclui a forma de se fazer política. Aliás, esta também é uma herança do FSM porque o corolário de Um Outro Mundo Possível significaria: Uma Outra Política é Possível.
Hoje, vivemos uma crise nas formas denominadas “democráticas” de se fazer política. Os instrumentos tradicionais (partidos e sindicatos) não estão dando conta da gestão pública que a sociedade e sua relação com a natureza demandam.
Existe a visão de que política só se faz através da denominada Democracia Representativa Tradicional, cujo processo eleitoral elege representantes que dependem muito de recursos financeiros de campanha (diretos ou indiretos), possuem fóruns especiais de negociação, muitas vezes sem prestar contas de seus mandatos ou gestão e vivem em regime de irrevogabilidade de seus mandatos. Nisto os Partidos Políticos se parecem cada vez mais com empresas de propaganda e marketing. Os que no começo não são assim, ficam depois. Os que parecem diferentes são apenas lados de uma mesma moeda, como o Republicano e o Democrático nos EUA, por exemplo.
No processo de empresariamento partidário e financeirização de campanhas e, em suma, de adaptação ao mercado, vale a lei da concorrência onde existem apenas dois lados: o seu e o do concorrente. Porém para se chegar a isso é só começar a perder a capacidade de ver que além do inimigo existem os que são simplesmente adversários e, principalmente, os parceiros. Não é só para Busch que “quem não fecha comigo (com meu partido) é meu inimigo”.
Estamos falando, além dos problemas e limites, das virtudes e potencialidades: estamos falando da importância estratégias e alianças que possam combinar as políticas partidárias com organizações e movimentos sociais. Isto é muito diferente de achar que política só se faz nas instâncias partidárias e que daí se leva a orientação para os movimentos sociais.
Não estamos negando a importância da política partidária e sindical; só dizendo que não são os únicos instrumentos e tampouco a única maneira de se fazer política. Esta discussão também deve ser ampliada para outras organizações partidárias menores – muitas vezes, chamadas “organizações políticas” – que possuem a mesma forma organizacional com semelhante funcionamento vertical . Contudo, deve-se considerar que estas últimas têm, às vezes, a virtude de investir em escola de formação política e ideológica para seus quadros.
Contudo, educar pela forma de se fazer política (pelo método e pelas práticas políticas) é onde está o nó da questão. Por quê? Porque nós falamos que educamos de três formas: 1) na economia solidária e autogestão; 2) para a economia solidária e autogestão; 3) pela (ou através da) economia solidária e autogestão. Isto significa que economia solidária e autogestão é uma escola da democracia. Ou melhor: escola de radicalização da democracia porque pode envolver nossa vida enquanto trabalhador e enquanto cidadão, que se relaciona e consome. Nós estamos aprendendo a tratar da (auto)gestão da nossa economia, da finança solidária (incluído o crédito), da administração, organização e do nosso consumo dentro de uma perspectiva de sus tentabilidade social e ambiental.
Quando falamos, de forma resumida, que estão em disputa dois modelos – um que centraliza nas organizações tradicionais, outro que enfoca na autogestão e decisões coletivas – não quer dizer que defendemos uma coisa ou outra. Quer dizer que não queremos alienar, por exemplo, nossa capacidade e direito de definir as coisas estratégicas e nossa política. Se abrirmos mão, hoje, do poder de decisão das questões essenciais estaremos optando pela subalternidade de amanhã. É uma pobreza porque se deixarmos de ser sujeitos, deixaremos de ser, simplesmente.
As relações das políticas governamentais com os movimentos e organizações sociais requerem amadurecimento. Amadurecimento para a adequada parceria com os movimentos e organizações sociais, contemplando, por exemplo, seus princípios, métodos de atuação e características organizacionais. Sobre isto, quanto da riqueza dos movimentos e organizações sociais são perdida pelo simples fato de aqueles que deveriam promovê-los, simplesmente, vampirizam suas essências!
Sobre institucionalização e o movimento, ou sobre a estrutura e a base, vale a pena avaliar a política dos governos da social-democracia e também de origem comunista na Europa (Espanha, Itália e França): foram eleitos pelos trabalhadores e deixaram em enorme crise o movimento sindical. Como os trabalhadores e suas organizações deveriam se relacionar com o governo que ajudou a eleger? Os sindicatos e principalmente as centrais sindicais ficaram estagnadas, quando não retrocederam. Resultado: muitos foram para a retração política enquanto os poucos que começaram a buscar continuidade de lutas encontraram muita dificuldade, como por exemplo, os metalúrgicos na Itália, a partir de 2002.
Na América Latina (especialmente, Brasil, Venezuela, Equador, Uruguai, Bolívia, Argentina, Paraguai e Nicarágua) depois de governos ditatoriais e autoritários, surgem perspectivas de conquistas e de avanço da democracia. Contudo, é de se perguntar das políticas públicas com relação aos movimentos sociais, partidos, sindicais e sobre atividades com relação à etnia, gênero e meio ambiente. È de se avaliar o investimento que se faz no presente para garantir saldos políticos, sociais e culturais após gestão dos governos progressistas ou democrático-populares. O que está sendo feito para educar, conscientizar, e promover a organização da sociedade? Por acaso não se mede o resultado pelo que se propiciou para garantir e ampliar o exercício da democracia (econômica, cultural e política) e para atender aos in teresses da maioria?
O que ficará, de fato, depois destes governos progressistas? Qual será o saldo deste processo? O que sobrará para a sociedade dos homens e mulheres que habitam esta região? Talvez devêssemos perguntar o quanto e em quê cada governo está promovendo os movimentos e as organizações sociais mais autônomas e com perspectivas de desenvolvimento e de sustentabilidade.
Daí a necessidade de politizar nossos embates e de promover politização de nosso cotidiano de homens e mulheres que vivem juntos projeto autogestionário, envolvendo as pessoas na vida pública e também na partilha a vida privada. Por conta disso dizemos que economia solidária e autogestão não é apenas um projeto econômico. É um projeto sociedade e de vida.