Entre os dias 3 e 6 de março, na cidade de Goiânia, reuniram-se 223 lutadores e lutadoras do povo, oriundos de vinte estados, para debater a situação brasileira, as tarefas para o período que se inicia e o futuro da Consulta Popular. Não foi um evento isolado. Desde 1995, muitos desses lutadores, entre outros, acompanham com grande preocupação os rumos da esquerda brasileira. Em dezembro de 1997, realizamos em Itaici uma primeira conferência, na qual nasceu a Consulta Popular, que desde então, com acertos e erros, constituiu um pólo de reflexão e de prática.
Identificamos que estava em curso na esquerda brasileira uma crise com três faces fundamentais: uma crise de valores, com a difusão cada vez mais ampla dos valores da política tradicional em substituição aos valores históricos da luta socialista; uma crise de prática, com o crescente afastamento da esquerda em relação ao povo; e uma crise de pensamento, com a perda de referenciais teóricos e estratégicos, substituídos pelo pragmatismo e o imediatismo.
Para combater essas deformações, a Consulta concentrou sua atuação, nesse período, na formulação teórica e política de uma alternativa para o Brasil, na formação e articulação de lutadores do povo, e no apoio aos movimentos sociais. Logo compreendeu que a jornada seria longa, com muitos passos intermediários. Sua organicidade permaneceu insuficiente. Porém, o fato de ela ter-se mantido viva e ativa mostra que correspondia a uma necessidade real. Mais do que isso: sete anos passados da I Assembléia de Lutadores e Lutadoras do Povo, pouca dúvida resta de que nossas preocupações e críticas estavam corretas. Acreditamos que também estava basicamente correta a nossa interpretação da crise brasileira como uma crise de destino que terá de ter uma solução inédita em nossa história, com a construção do poder popular.
Este nosso encontro realiza-se em uma conjuntura diferente daquela de 1997 e 1999. A força hegemônica da esquerda brasileira abandonou qualquer projeto de transformação do país e o governo de Lula gerou grande frustração. É uma situação que tem disseminado perplexidades, aumentado o descrédito do povo na eficácia da ação política e provocado a dispersão de militantes. As dificuldades e riscos daí decorrentes são claros. Isso exige de todos nós um esforço redobrado de superação. Ou construímos as bases para uma ação dotada de nova qualidade, ou apenas repetiremos idéias e práticas que são insuficientes para fazer face ao imenso desafio atual.
Convidamos lutadores e lutadoras a realizar o balanço crítico dos erros cometidos e, principalmente, a construir uma organização política que, sempre atuando junto do povo, possa disseminar amplamente uma nova interpretação do Brasil e propor ao país um programa de transformações estruturais. Isso é mais do que somar reivindicações de cada movimento social. Por isso, a Consulta não substitui nem concorre com as diversas formas de coordenação e de articulação de movimentos já existentes.
Reconhecemos e valorizamos o legado deixado pelos lutadores do passado. Porém, tarefas novas demandam soluções novas, a serem construídas no caminho. A Consulta não parte de uma fórmula pronta. A organização se constrói na ação pensada. A base inicial dessa organização política, que começa a constituir-se, é formada, principalmente, pelos milhares de militantes dos movimentos sociais, que são um importante patrimônio acumulado pela esquerda brasileira e que serão incentivados a assumir como seu objeto de reflexão e de prática, de forma ainda mais plena, o Projeto Popular para o Brasil. Essa militância social será agora chamada a organizar-se politicamente em torno da causa comum da realização da Revolução Brasileira.
Considerada em perspectiva histórica, a Revolução Brasileira amadureceu. Mas as condições políticas para realizá-la não estão dadas. Para isso, os grupos sociais que vivem no mundo do trabalho e da cultura, unidos ao povo mais pobre – ao qual nega-se hoje acesso às condições mínimas para uma vida digna -, precisarão derrotar os grupos dominantes, que usufruem a desigualdade social interna e a dependência externa. Nossa sociedade, então, poderá reorganizar-se como uma sociedade socialista.
Assumimos neste encontro de Goiânia o compromisso de dar um salto de qualidade na organização da Consulta Popular. A nova Coordenação Nacional, aqui indicada, será depositária de uma responsabilidade de direção política clara. Passaremos a ter uma vida orgânica muito mais regular, com princípios, regras e disciplina bem-definidos, no interior de uma estrutura democrática e flexível. Buscaremos melhores métodos de trabalho, a serem adaptados em cada local pelos núcleos militantes. Estabeleceremos metas.
Concentraremos nossos esforços em tarefas multiplicadoras, com destaque para a formação de novos lutadores, o aprofundamento de nossa compreensão teórica e política da crise brasileira, o desenvolvimento de múltiplas formas de comunicação e diálogo com o povo, e o fortalecimento dos movimentos sociais. Prepararemos milhares de militantes para atuarem decisivamente, junto do povo, quando este decidir tomar em mãos o seu próprio destino.
A Consulta Popular, agora em via de consolidar-se como organização política, considera-se uma parte do conjunto maior de militantes e lutadores, hoje dispersos, e adotará uma posição cooperativa com todas as demais iniciativas capazes de contribuir para a renovação da esquerda e a refundação do Brasil. Reafirmamos hoje o compromisso, expresso na carta da I Assembléia de Lutadores e Lutadoras do Povo, em Brasília em 1999: "Construiremos uma organização de novo tipo, dirigida para a luta, e cujas marcas são a unidade, a disciplina militante e a fidelidade ao povo. Uma organização que pratica os valores da solidariedade, da gratuidade, da honestidade e do trabalho coletivo. Isso é condição para que possamos enfrentar a crise, de dimensão histórica, que vive o Brasil. Uma crise cuja superação exigirá lutas e sacrifícios, que serão recompensados pela construção de uma pátria livre, justa e solidária."
Goiânia, 6 de março de 2005