Por Daniel Tygel Fonte: www.cirandas.net/dtygel/blog/dia-do-indio-e-todo-dia-a-nossa-vida-nao-e-mercadoria
Hoje é o chamado “dia do índio”. Mas sabemos que a resistência indígena acontece todo dia, o ano inteiro. Mesmo com toda a chamada “civilização” (termo bastante questionável) tentando eliminá-los, durante 500 anos, muitos destes povos continuam sua resistência.
Mesmo sem política, programa, ação, sem apoio de deputados, governadores, prefeitos, eles continuam. Pois a maioria deles têm convicção de serem o que são. E pagam um preço alto por isso.
Os ataques continuam, como Jirau, Belo Monte, estradas cortando suas terras, os grandes fazendeiros, caçadores e pescadores depredando suas matas. Apesar disso, há muitas conquistas no movimento indígena, e, mais que o “movimento indígena” oficial, continuam as práticas nas suas terras, lutas por demarcação e por seus direitos, autonomia e diversidade cultural.
Acredito que a Economia Solidária tenha muito o que aprender com estes movimentos de resistência e formas diversas de viver e encarar a vida. Para além de palavras, a Economia Solidária tem a ambição de se basear nas práticas. Cada empreendimento autogestionário de economia solidária é ao mesmo tempo um núcleo de resistência e alternativa. É uma forma de viver e de dizer um NÃO a este maldito modelo de desenvolvimento que mata, destrói a vida na terra, gera acúmulo para uns poucos, e uma desigualdade crescente. Um modelo baseado no consumo desenfreado, na angústia de querer sempre consumir mais para tentar tapar o vazio da alma numa sociedade cada vez mais seca, competitiva e estúpida.
Agora o PL 865 nos ofereceu uma grande oportunidade: existe um movimento de Economia Solidária? Ou o que interessa é ver onde seria possível conseguir um programinha, uma açãozinha, ou um carguinho?
Se os atores da Economia Solidária não solicitarem a retirada da Economia Solidária do PL 865, a quem estão servindo? estão servindo ao governo (não querer ficar mal com o governo ou o Partido, querer aproveitar as benesses do governo) ou estão servindo aos princípios, valores, acúmulos, práticas, deliberações e história construídos pelo movimento até aqui?
É óbvia a necessidade de políticas, recursos, que vão diretamente para os empreendimentos. E a função dos atores do movimento é lutar para que haja sempre mais políticas, linhas de financiamento, logística, capital de giro, para os empreendimentos e sua articulação em redes e cadeias. E um “ministério da micro e pequena empresa” será um destes espaços em que devemos buscar recursos, assim como são o ministério da justiça, do desenvolvimento social, do desenvolvimento agrário, da cultura, do meio ambiente, das cidades, da integração, etc.
Assim como em todos estes ministérios temos lutado por programas e ações para a economia solidária, deveremos lutar por programas e ações junto à nova secretaria especial de micro e pequena empresa.
Mas abrir mão do que é a economia solidária para ter um lugarzinho ao sol e ser bem visto pelo governo e o partido é, no mínimo, uma irresponsabilidade. É claro que há pessoas e entidades que defendem a ida da economia solidária ao ministério da micro e pequena empresa como sendo uma oportunidade. Mas há também os que, apesar de também usarem este discurso, estão na verdade de olho em cargos, espaços no Partido e vêem outro tipo de oportunidade, a partir de um pragmatismo de corredor, bastante ligado ao poder e a interesses partidários.
Vejo o contrário: estamos tendo uma oportunidade única e histórica, graças ao PL 865, de afirmar nossa identidade. Uma oportunidade bonita de mostrar a nossa cara e coragem. Mesmo que tenhamos que pagar um preço por isso ao contrariar o que o governo quer.
Mas, afinal de contas, nosso compromisso é com quem? com a história e práticas da Economia Solidária ou com o governo ou Partido?????
No caso dos índios, não há dúvidas: o compromisso deles não é com o governo. É com sua terra, sua história, sua língua, seu modo de vida.
E nós, da Economia Solidária? Qual é o nosso compromisso?
Abraços, e boas reflexões (E AÇÕES!) nesta semana de luta e expressão dos povos indígenas no Brasil.