Por Washington Novaes*
De 18 a 29 de outubro, em Nagoya, no Japão, nova reunião da Convenção da Diversidade Biológica (CDB) – que nasceu no Rio de Janeiro, em 1992 – discutirá caminhos para tentar reverter o atual quadro de perda da biodiversidade no mundo, que é, junto com mudanças climáticas, a maior “ameaça à sobrevivência da espécie humana”, segundo o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan. Já estamos consumindo pelo menos mais de 30% de recursos naturais acima da capacidade de reposição do nosso planeta, diz o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. E isso contribui decisivamente para o desaparecimento progressivo das espécies em terra e no mar – o que significa a perda de pelo menos US$ 2 trilhões anuais, segundo recente congresso científico em Curitiba.
O biólogo norte-americano Edward Wilson, considerado a maior autoridade nesse campo da biodiversidade, diz que conhecemos 280 mil espécies de plantas das 320 mil que se estima existirem; 6.830 anfíbios (25% do total estimado); só 16 mil nematódeos em 15 milhões; e 900 mil insetos de 5 milhões. Ao todo, há entre 1,5 milhão e 1,8 milhão de espécies catalogadas, mas elas podem ser de 10 milhões a 15 milhões. Numa tonelada de terra fértil pode haver 4 milhões de bactérias. Na boca humana são 700 (Eco 21, maio de 2010). Num de seus livros, Wilson, que é o maior especialista conhecido em formigas, diz que estas dominarão o nosso planeta, porque já são alguns quatrilhões de indivíduos; e no espaço de uma geração humana (20 anos) as formigas se reproduzem 20 vezes.
[Leia na íntegra]Há outros dados impressionantes. O comércio mundial de recursos naturais em 2008 já chegava a US$ 3,7 trilhões, seis vezes mais que em 2002, um quarto do comércio total, diz a Organização Mundial do Comércio (Estado, 24/7). A Rússia lidera, por causa do petróleo. E os Estados Unidos lideram as importações, com 15,2% do total. Só o comércio mundial de medicamentos derivados de plantas está em torno de US$ 250 bilhões/ano, segundo o biólogo Thomas Lovejoy. E o Brasil tem lugar destacado entre os detentores de biodiversidade – entre 15% e 20% do total mundial. São 103.870 espécies animais conhecidas; 41.121 espécies incluindo vegetais, fungos e algas; 9.101 espécies marinhas; e quase 2.600 espécies de peixes de água doce, das quais 800 ameaçadas de extinção (a bacia mais ameaçada é a do Paraná). O valor anual dessa biodiversidade brasileira é calculado em US$ 2 trilhões.
Mas a perda da biodiversidade no mundo é assombrosa – entre US$ 2 trilhões e US$ 4,5 trilhões anuais (até três vezes o PIB brasileiro), segundo especialistas que participaram das discussões em Curitiba. “Estamos sentados num baú de ouro e não sabemos o que fazer com ele”, diz o secretário de Biodiversidade no Ministério do Meio Ambiente, Bráulio Dias (Estado, 2/9). Por falta de apoio financeiro e político, comenta ele, “estamos queimando a biodiversidade” (curiosamente, no dia 16/9, em que o presidente da República e a ministra do Meio Ambiente lançavam em Brasília um plano de ações para o Cerrado – para ampliar a fiscalização, reduzir o desmatamento e evitar as queimadas -, faltou energia três vezes durante a cerimônia, porque queimadas no Cerrado brasiliense interromperam a transmissão).
O Brasil pretende mostrar em Nagoya que está atento à questão. Tem 310 áreas federais e 374 estaduais de conservação. Mas faltam recursos e pessoal para cuidar bem delas. Na Amazônia, quase 13% do território são terras indígenas – o melhor caminho para conservar a biodiversidade, segundo relatórios científicos nacionais e internacionais. Mas essas áreas também têm sido invadidas. Em 26,7% das áreas de conservação são permitidas algumas atividades, como ecoturismo, manejo de recursos naturais e até agricultura (Estado, 3/9).
A reunião de Nagoya terá três eixos principais: 1) Como evitar o colapso de estoques pesqueiros, perda de espécies na Amazônia e processos de extinção provocados por espécies invasoras; 2) fluxos financeiros para ajudar países mais pobres a proteger grandes áreas importantes para a biodiversidade; 3) novas regras internacionais para “acesso transparente” a recursos biológicos, assegurando que países e comunidades detentores desses recursos recebam uma parte dos benefícios de sua exploração. Em 2002 os 193 países signatários da convenção já se haviam comprometido a reduzir as perdas até 2010. Não aconteceu. “Agora é tudo ou nada”, diz o secretário executivo da convenção, Ahmed Djoghlaf. A “exploração em excesso ameaça o mundo, alerta o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. De fato, há estudos indicando ameaças à sobrevivência de 520 milhões de pessoas por causa do esgotamento próximo de estoques pesqueiros em 65% das águas marítimas.
Não será fácil em Nagoya. O terceiro ponto – “acesso transparente” -, principalmente, envolve uma discussão até aqui sem saída entre governos, comunidades, cientistas e empresas. No Brasil vigora uma medida provisória (2.986, de 2001) que tentou disciplinar a questão. Os Ministérios do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia vêm discutindo um novo texto. Cientistas acusam ambientalistas, comunidades tradicionais e indígenas de impedir o acesso a espécies. Os acusados retrucam que nunca obtêm participação na exploração de produtos obtidos a partir das pesquisas acadêmicas. Cientistas argumentam que desenvolver uma droga a partir de espécies da biodiversidade chega a exigir até uma década de pesquisa, investimentos de até US$ 1 bilhão.
Seja como for, o mundo está alarmado. A Noruega já criou um banco de sementes em montanhas geladas próximas ao Ártico, que tem sido chamada de “cofre do juízo final”. No Brasil, a referência é o Centro de Pesquisas em Recursos Genéticos e Biotecnologias (Cenargen), da Embrapa, com acesso a 671 espécies. No mundo já são 1.500 bancos.
É por essas coisas que passa o futuro humano. Por isso é bom prestar a atenção em Nagoya.
*Washington Novaes é jornalista. Email wrnovaes{at}uol.com.br
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.