Por João Andrade, coordenador do Programa Governança Florestal, do Instituto Centro de Vida
Especialista faz alerta sobre prejuízos com aprovação das mudanças
A proposta que altera o Código Florestal, aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados com base no parecer do relator, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) propõe mudanças que podem acarretar vários prejuízos, como: perda da biodiversidade, aumento do desmatamento e, consequentemente, da emissão de gases causadores do efeito estufa, redução dos recursos hídricos no período de seca, anistia ao desmatamento ilegal, entre outros.
Essas mudanças são consideradas danosas por organizações socioambientalistas, como o Instituto Centro de Vida (ICV), que prefere não falar em reforma do Código, mas em retrocesso. “Reformamos as coisas para melhorá-las. Neste caso, as alterações comprometem o capital n atural que representam as florestas e isentam de multas aqueles que desmataram ilegalmente, transferindo o ônus para a sociedade”, afirma João Andrade, coordenador do Programa Governança Florestal do ICV. E vai além: “Essa proposta de Código Florestal colocada pelo deputado Aldo Rebelo não representa uma oportunidade de reforma, traz uma visão ultrapassada, de curto prazo, que vai ter que ser revista quando os impactos ambientais passarem a representar custos cada vez mais altos a sociedade. O problema é que, no futuro, o dano pode ser irreversível”, argumenta.
De acordo com o economista ecológico, as alterações consideram apenas o lucro imediato sem medir as conseqüências de uma exploração predatória do meio ambiente no médio e longo prazo. “Estes custos ambientais provocados na propriedade serão divididos no futuro com toda a sociedade”, adverte.
Andrade chama a atenção para medidas que parecem de proteção num primeiro momento, mas que trazem consigo permissi vidades perigosas em longo prazo, numa referência ao fato de a nova proposta proibir a autorização para desmatamento por cinco anos, mas, ao mesmo tempo, prever que propriedades com até quatro módulos fiscais (que pode chegar a 400 hectares em Mato Grosso), localizadas na Amazônia Legal, não precisarão manter qualquer percentual de vegetação nativa. “Isso significa que você pode ter uma propriedade nestas condições sem floresta alguma”, reforça.
Outro ponto considerado absurdo pelas organizações não-governamentais (ONGs) é que os desmatamentos ilegais cometidos até 2008 serão perdoados. Quem cometeu o crime não sofrerá qualquer punição, como pagamento de multas. Além disso, a proposta aprovada muda a obrigatoriedade de recuperar a vegetação nativa destruída em desacordo com a lei: em propriedades com até quatro módulos fiscais não será preciso recuperar e, nas áreas maiores, só será obrigatório recuperar o que exceder essa quantidade. Por exemplo, se a propriedade tiv er dez módulos fiscais, a área a ser recuperada será calculada sobre seis.
A proposta de alteração do Código Florestal foi aprovada na Comissão Especial e será analisada e votada na Câmara dos Deputados e depois no Senado, antes de ser sancionada pelo presidente da República. A expectativa é de que todo este processo seja concluído apenas no ano que vem. Por isso, é muito importante que as mudanças propostas sejam debatidas com a sociedade durante este período.
Para garantir o acesso a diversas informações a respeito do processo, com análises da comunidade científica, quem pode trazer ao debate a neutralidade necessária, e ainda dados mais precisos sobre os impactos desta proposta, foi lançado o site “SOS Florestas – O Código Florestal em Perigo”. A iniciativa é de um grupo de organizações não-governamentais.
Confira abaixo o que pode mudar com o novo Código Florestal (colaboração do Instituto Socioambiental – ISA).
Áreas de Preservação Permanente (APPs)
Como é a lei hoje Protege, no mínimo, 30 metros de extensão (em Mato Grosso são 50m) a partir das margens dos rios, encostas íngremes, topos de morro e restingas. Quem desmatou é obrigado a recompor as matas.
Proposta aprovada pela comissão A faixa mínima nas margens dos rios passa a ser de 15 metros. Topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros deixam de ser protegidas. Veredas passam a ser consideradas APPs. As demais áreas, embora continuem sendo formalmente protegidas, podem ser ocupadas por plantações, pastagens ou construções, caso tenham sido desmatadas até 2008 e sejam consideradas pelos governos estaduais como “áreas consolidadas”.
Riscos Áreas que, por estarem irregularmente ocupadas, sofrem com enchentes, deslizamentos, assoreamento e seca de rios são as mais fortes candidatas a serem consideradas como áreas consolidadas e, portanto, conde nadas a conviver eternamente com esses problemas, já que não haverá recuperação e as ocupações permanecerão.
Reserva Legal
Como é a lei hoje Todo imóvel tem de manter um mínimo de vegetação nativa. Nas propriedades rurais situadas nas áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampas a reserva é de 20% do tamanho do imóvel. Na Amazônia Legal deve-se manter 35% nas áreas de Cerrado e 80% nas de floresta. Quem não tem a área preservada tem que recuperar ou compensar. A recomposição deve ser feita com espécies nativas, ou então o proprietário pode compensar a falta de reserva em seu imóvel com o arrendamento de outra área, com vegetação preservada, situada na mesma bacia hidrográfica.
Proposta aprovada pela comissão Propriedades com até quatro módulos fiscais (20 a 440 hectares, dependendo da região do país) não precisam recuperar a área caso ela tenha sido desmatada até a promulgação da lei. Nas demais propriedades el a deve ser recuperada, mas será menor do que atualmente, pois não será calculada com base na área total do imóvel, mas apenas na área que exceder quatro módulos fiscais (por exemplo, se tiver 10 módulos, será calculada sobre 6). Além disso, será permitido compensar a área devida a milhares de quilômetros da área onde ela deveria estar, desde que no mesmo bioma. Poderá também ser transformada em dinheiro a ser doado a um fundo para regularização de Unidades de Conservação.
Riscos Como mais de 90% dos imóveis rurais têm até quatro módulos fiscais, boa parte deles concentrados no sul e sudeste, haverá grandes áreas do país onde simplesmente não haverá mais vegetação nativa, pois são regiões que abrigam o maior número de APPs com ocupação “consolidada”. Há ainda um grande risco de que propriedades maiores sejam artificialmente divididas nos cartórios para serem isentas de recuperação, algo que já está acontecendo. Embora a proposta diga que isso não pode ocorrer , a fiscalização e coibição são extremamente difíceis. Os poucos que tiverem que recompor as áreas poderão fazer com espécies exóticas (como eucalipto), ou optar por arrendar terras baratas em locais distantes, cuja fiscalização também será precária.
Regularização ambiental e anistia
Como é hoje Proprietários que não têm a Reserva Legal ou APP preservadas estão sujeitos a multas e a embargos da produção oriunda de desmatamentos ilegais.
Proposta aprovada pela comissão Os Estados terão cinco anos, a partir da publicação da lei, para criar programas de regularização. Nesse período, ninguém pode ser multado, e as multas já emitidas ficam suspensas. Os que aderirem à regularização podem ser dispensados, em definitivo, do pagamento de multas e, como já mencionado, da recuperação das áreas ilegalmente desmatadas.
Riscos Total descontrole da governança ambiental
Reportagem de Daniela Torezzan / Estação Vida, publicada pelo EcoDebate, 21/07/2010