Por Elaine Ramos
Leia a entrevista do Francisco Menezes, diretor do Ibase*
No Brasil, Josette Sheeran, diretora executiva do Programa Mundial de Alimentação da Organização das Nações Unidas (PMA/ONU), afirmou que metade da população mundial que passa fome é formada por pequenos agricultores que não conseguem produzir para alimentar a própria família. Ela participou do “Diálogo Brasil-África sobre Segurança Alimentar, Combate à Fome e Desenvolvimento Rural”. Qual a situação do Brasil? O que tem feito para contornar essa realidade? Confira a entrevista.
Ibase – A afirmação de Josette Sheeran mostra uma situação alarmante, não?
Francisco Menezes – Os dados sobre a fome são sempre dados aproximados. Pois o indivíduo que passa fome tem sempre estratégias próprias para evitá-la. Mas ele vive uma situação de vulnerabilidade à fome. Uma situação que não devemos aceitar. Os números são alarmantes, mostram uma situação de ausência de políticas, de falta de solidariedade no mundo. Um direito que deveria ser defendido.
Ibase – O senhor acredita que falta interesse por parte dos governos?
Francisco Menezes – Nós vimos o deslocamento, de forma rápida, de bilhões, mais de um trilhão de dólares para o enfrentamento da crise financeira. A fome até ganha espaço nas notícias e a nossa indignação, mas não consegue mobilizar os chefes de Estado para um enfrentamento verdadeiro.
Ibase – O que pode ser feito para alterar positivamente essa realidade?
Francisco Menezes – A alimentação deve ser considerada um direito humano. É fundamental. É preciso que hajam políticas públicas para a garantia desse direito.
Ibase – Como o Brasil vem enfrentando a fome? Sabemos da importância do Bolsa Família, mas há outros projetos, não é?
Francisco Menezes – Sim.O programa Bolsa Família teve contribuição enorme. O Ibase estudou esse programa e verificou a prioridade destinada à aquisição de alimentos por parte dos titulares que recebem o benefício. Tem também o programa da alimentação escolar que, com a nova lei da alimentação escolar, foi estendido ao ensino médio e à Educação de jovens e adultos, beneficiando um total de 48 milhões de estudantes. Existem programas, como o de aquisição de alimentos, que unem a agricultura familiar àqueles que são mais carentes de alimentos. Essas iniciativas criam condições de sustentação para esse agricultor familiar e cria condições de entrega de alimentos saudáveis para grupos mais vulneráveis.
Ibase – Como está o Brasil diante da fome hoje?
Francisco Menezes – O Brasil, até muito recentemente, apresentava números preocupantes de vulnerabilidade. Foram tomadas medidas específicas para o enfrentamento. E os resultados são claros. Há redução da desnutrição. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostram isso. Não foram ainda divulgados, mas sabemos que, no final do ano, depois das eleições, virão novos dados mostrando a escala de insegurança alimentar e progressos grandes na sua redução.
Ibase – E falta muito para vencer a fome?
Francisco Menezes – Existe uma parcela da população classificada como de extrema pobreza, às vezes sem dispor de qualquer renda ou apenas com recursos de programas de transferência de renda. Essa população vive uma situação de ameaça de segurança alimentar grave. E são essas pessoas — com todos os direitos negados, inclusive o direito à alimentação – que têm pouca capacidade de acessar as políticas públicas existentes. Além disso, mesmo quando acessam, não conseguem produzir a mobilidade social tal qual foi obtida com pessoas que estavam em situação um pouco melhor.
Ibase – E o que é preciso ser feito?
Francisco Menezes – São necessáriaspolíticas específicas para situações de grande fragilidade. Mas é preciso prosseguir, mantendo e fortalecendo políticas que se mostraram acertadas, além de inovar em outras políticas. Temos que avançar mais.
Ibase – No Brasil, quais os territórios que apresentam mais quadros de insegurança alimentar?
Francisco Menezes – Asregiões Norte e Nordeste sofrem mais essa vulnerabilidade. Havia poucas informações sobre a região Norte. Agora, temos mapeamentos e estatísticas. No entanto, a situação está se transformando. No caso brasileiro, está se espalhado por todo o país. A não implementação de medidas como reforma agrária, entre outras, fez com que houvesse um processo de migração do campo para a cidade, criando bolsões de miséria nas grandes metrópoles. Eu chamaria mais a atenção para o fato de que determinados grupos sociais continuam desassistidos. Sejam povos indígenas, sejam comunidades quilombolas, seja a população de rua.
Ibase – Está sendo pensado algo específico para esses grupos?
Francisco Menezes – Existe um projeto de carteira indígena que dá elementos para que o próprio índio seja ator da sua emancipação. Mas esses projetos são menores do que a necessidade. Nós sabemos que, nas classes dominantes, qualquer mobilização de recursos públicos para os mais pobres é taxada de desperdício, assistencialismo. São necessárias políticas específicas para cada grupo, observando suas especificidades.
É preciso haver dedicação para a construção de políticas específicas para esse grupos e enfrentamento das forças políticas mais retrogradas para que não barrem essas medidas. Nós estávamos sabendo, por exemplo, que o Superior Tribunal Federal está examinando a inconstitucionalidade do reconhecimento de comunidades quilombolas. Se isso ocorrer, será um retrocesso. Precisamos fazer frente a tentativas de retrocesso.
Ibase – á uma dívida histórica que precisa ser paga, não?
*Francisco Menezes – Recursos públicos precisam ser destinados às camadas mais pobres no sentido de resgatar a dívida histórica, de usurpação, de exploração. Veja o caso dos povos indígenas, eles perderam terras que garantiam a sua sobrevivência e a preservação, inclusive, cultural. E perderam terras para as grandes culturas de soja e produtos voltados para a exportação. É preciso enfrentar isso.
**Entrevista Publicada em 28/05/2010 no Portal Ibase