Fonte: Agência Carta Maior
Não é possível falar em preservação do meio ambiente sem resolver as questões sociais pendentes no Brasil. Essa foi a diretriz defendida pelo presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos, e reiterada pela maioria dos debatedores no painel Energia, Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável realizado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), orgão consultivo do governo federal, no Instituto Vitae Civilis, em São Paulo na manhã de terça-feira (9).
O evento reuniu intelectuais, representantes dos trabalhadores e empresários, além do governo, para debater como concatenar crescimento econômico com preservação ambiental e justiça social.
“Um dos perigos a evitar neste campo é fazer do meio ambiente a bola da vez e usar como pretexto para postergar a problemática social. Enfrentamos um duplo desafio, o ambiental e o social. Não temos direito de pensar soluções que se façam sem tratar de maneira simultânea os dois objetivos”, afirmou o diretor do Centro de Pesquisas do Brasil Contemporâneo na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais na Universidade de Paris, Ignacy Sachs.
Na busca do novo modelo de produção e consumo, a questão do emprego se coloca no centro do debate, para o presidente da CUT. “Emprego descente e com dignidade. Essa é uma ação importante para buscar um desenvolvimento sustentável. Temos agenda colocada e reiteramos a necessidade de implementar as contrapartidas no Brasil”. Entre elas, ele cita critérios para seleção de financiados por bancos públicos: “não pode emprestar para empresas que não se comprometam com emprego, questão ambiental, investimento em ciência e tecnologia, etc”, defendeu.
“Hoje, 27% dos jovens entre 15 e 24 anos estão fora da escola e sem emprego no Brasil”, lembrou Ladislau Dowbor, docente da pós-graduação da PUC e do grupo Crises e Oportunidades. Para ele, é inaceitável que o trabalho digno seja negado aos cidadãos, algo ainda comum no Brasil. E, assim como o presidente da CUT, o professor defendeu a regulamentação de 40 horas semanais de trabalho. “Há mais de 1 bilhão de pessoas vivendo na miséria no mundo e ninguém fala em crise nesta área”, complementa.
Parâmetros para transformação
Um instrumento para garantir o desenvolvimento sustentável e que deve ser retomado é o planejamento de longo prazo estatal, de modo a integrar as diversas políticas públicas. Para Sachs, o contexto para isto é favorável, já que depois de deflagrada a última a crise econômica, a crença na autoregulação do mercado está abalada. Ele explica, porém, que é preciso construir tais planos de maneira democrática, ouvindo trabalhadores, empresários e sociedade civil organizada.
A organização social necessária para cada um dos projetos de sustentabilidade alcançarem seus objetivos deve ser também uma preocupação constante, ponderou Sachs. Como exemplo, citou o estímulo à produção de biocombustível, que deveria ser feita via agricultura familiar e não em latifúndios. Sua opinião foi compartilhada pelo presidente da CUT, que aproveitou para questionar a produção à partir da soja: “O que aconteceu com o projeto inicial?”, indagou.
As propostas necessárias para a estruturação da sociedade desejada, porém, só serão colocadas em prática quando os representantes do povo deixarem de defender os interesses dos financiadores de campanha eleitoral ante o público, conforme lembrou Oded Grajew, conselheiro do CDES e presidente emérito do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. “É só olhar os financiadores, não apenas no Brasil, e ver as conseqüências em termos de decisões políticas. Falar em financiamento público de campanha é um desafio, geraria compromisso com a população e com as futuras gerações”.
Realidade e agenda
O fato de o Brasil já ter, em certa medida, uma matriz energética limpa pode ser uma vantagem, mas que pode ser um risco, avalia Ricardo Abramovai, professor titular do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo e do grupo Crises e Oportunidades: o país se acomodar e perder o bonde da história. “A China constrói uma usina térmica por semana, mas os dirigentes estão conscientes de que rumam contra o rochedo e sinalizam no sentido das inovações tecnologias. No Brasil, o governo não vê problema em colocar milhares de carros a mais nas ruas”. Para ele, este tipo de sinalização é perigosa e pode desconectar o país do que há de mais avançado no plano mundial.
A produção de álcool combustível no Brasil, por exemplo, ainda requer ajustes, lembrou. Hoje, citou, “a indústria sucroalcooleira usa fertilizantes químicos em excesso e contamina o lençol freático. Além disso, é preocupante e a expansão da área plantada de cana-de-açúcar no cerrado”.
A estratégia de crescimento a qualquer custo no presente, postergando medidas para reduzir as emissões de gás carbônico, também foi questionada por Branca Bastos Americano, diretora do departamento de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente: “talvez esta estratégia não seja a mais interessante”.
Ela pediu atenção de todos para a definição dos critérios e da regulamentação do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC), que capitará recursos para apoio a projetos ou estudos e financiamento de empreendimentos que visem à mitigação da mudança do clima e à adaptação aos seus efeitos.
Igualmente citada entre as boas iniciativas que devem nortear a agenda para conter as mudanças climáticas está a Lei 12.187, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que institui a Política Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC), além da Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas, assinada por algumas das maiores empresas do país comprometidas com a sustentabilidade. “Nossa agenda deve partir daí”, defendeu Grajew.
Representante dos empresários da construção e também conselheiro, Paulo Simão argumentou que é preciso investir em novas tecnologias e na atualização de padrões de edificação aprovados. Para ele, é fundamental criar um ambiente em todo o Brasil para que este debate incida nas mais de 130 mil empresas do ramo espalhadas pelo território nacional.