Autor: Marcos Arruda (marruda@pacs.org.br)
Quando o pescador estende sua rede no chão ou na água, ela se deita horizontalmente, espraiada para alcançar o espaço mais amplo que puder. Nenhum nó está acima dos outros, nem é mais importante do que os outros. Nenhum nó pode pensar os outros nós como competidores, adversários ou inimigos. Cada nó sabe que, fazendo parte da rede, está indissoluvelmente ligado a quatro nós ao seu redor, que por sua vez estão ligados cada um a quatro outros nós, numa progressão exponencial… para formar a rede. Portanto, cada nó tem consciência de sua responsabilidade por si próprio, pela sua ligação com os quatro nós seus vizinhos, e pela integridade da rede inteira. Cada nó sabe que é único e que os outros nós também são únicos. É esta diversidade de nós que forma a unidade da rede. Quando o pescador reflete sobre esta maravilhosamente simples complexidade, lágrimas de emoção escorrem dos seus olhos. Ele ama a rede, pois ela é obra dele, e é bela e eficaz. Ela reflete a maravilhosamente simples complexidade que ele é.
Assim é a Economia Solidária. Ela trata de muito mais do que a mera atividade de produzir para sobreviver. Ela é uma arte da vida. Ela (eco=casa; nomia= gestão) nos desafia à gestão e ao cuidado das diversas casas que habitamos (o corpo, a morada da família, a comunidade, o município, o ecossistema, o país, o planeta). Ela convoca cada habitante a empoderar-se para ser sujeito do desenvolvimento dos seus potenciais individuais e coletivos. A atividade econômica é meio para tornar viável o desenvolvimento humano e social. Este é o verdadeiro fim a almejar. Um fim em contínuo movimento, sempre mais além, pois nossos potenciais são infinitos! Este desenvolvimento também pode ser definido como conquista permanente de cada vez maior grau de liberdade: liberdade em relação às amarras da mera sobrevivência, à cadeia do trabalho escravo ou assalariado (emprego), à privação dos diversos direitos e à alienação em relação aos nossos deveres de cidadãos e de seres humanos num Universo também em movimento.
A Economia Solidária afirma que ninguém empodera ninguém, e ninguém se empodera sozinho. Mas para empoderar-se como pessoa e como ser social, cada um precisa estar interligado conscientemente com outras e outros. Se esta ligação for hierárquica e vertical, ela será dominadora e alienadora. Só a ligação horizontal, não hierárquica é emancipadora. Outro nome desta ligação horizontal é democracia. A verdadeira democracia é como a rede do pescador: cada pessoa é plenamente responsável por si própria e pela comunidade humana inteira, numa relação de harmonia dinâmica com o ambiente. A relação entre as pessoas se dá pela cooperação, reciprocidade, respeito à diversidade, solidariedade, construção de unanimidades sem sacrificar a diversidade. A rede é a unidade da diversidade.
A educação emancipadora é aquela que contribui para o autoempoderamento do educando a fim de exercer a responsabilidade de gerir seu próprio desenvolvimento, individual e social. A educação emancipadora ensina a ir sempre mais além. O educador da emancipação é aquele que trabalha para que cada educando aprenda a aprender sem precisar mais dele. Esta vocação está marcada pela humildade de desejar que o educando consiga, enfim, dispensar a sua guia. Este é o desejo do autoempoderamento do outro, ao ponto de este tornar-se um caminhante que, com o seu andar, abre o seu próprio caminho. Mas esta caminhada é longa e cheia de riscos, de desvios. A educação emancipadora ensina a não temer riscos, nem crises, nem conflitos. Em meio à diversidade que constitui a vida, eles são naturais. Aprender a lidar com eles não como inimigos, mas como aliados, ajuda a crescer e a avançar para frente e para cima.
Na sua humilde impecabilidade, o educador da emancipação deseja que o educando o alcance, e mesmo o supere, nas três artes de ser, saber e saber fazer. Um tal educador pratica a educação amorosa. E quando esta educação está a serviço de uma economia solidária, ela informa as relações que tecem a economia de um conteúdo social, solidário, amoroso. E do amor brota naturalmente o fim maior da nossa existência na Terra: a vida sempre mais plena, a felicidade.