Fonte: Portal Ibase (www.ibase.br)

Demorou, mas está se formando um consenso em torno da pecuária bovina como o grande fator do desmatamento no Brasil. O relatório “A farra do boi na Amazônia”, do Greenpeace, desatou respostas dos grandes frigoríficos alegando que só compram gado legal, e do BNDES, jurando que só financia projetos ambientalmente corretos.

A Amigos da Terra-Amazônia Brasileira e o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) já comprovaram no ano passado, com seus respectivos estudos “O reino do gado” e “A pecuária e o desmatamento na Amazônia na era das mudanças climáticas”, a responsabilidade predominante do gado na devastação.

Mas a discussão tende a jogar toda a culpa na pecuária ilegal, inocentando os produtores que supostamente seguem as leis. Os frigoríficos, o BNDES e outros financiadores do “desenvolvimento”, como o Banco Mundial, se autoabsolvem argumentando usar critérios compatíveis com o desenvolvimento sustentável e com a legislação ambiental. A responsabilidade dos(as) consumidores(as) nesse processo nem é mencionada.

Mas é preciso ir além, questionar a sustentabilidade da própria pecuária bovina em si mesma, toda ela, ainda que legal. Não pode ser sustentável uma atividade de tão baixa produtividade, de menos de cem quilos por hectare ao ano, que exige um quilo de pastagem e rações para produzir 50 a 120 gramas de carne. Trata-se de desperdício institucionalizado.

Acusa-se a soja de “empurrar” o gado contra a Floresta Amazônica. Mas o principal produto da soja, o farelo, se destina à ração que alimenta animais confinados, principalmente bois e aves. É o consumo de carnes, especialmente o da bovina, que cresce junto com a renda de populações emergentes por todas as partes e com a mudança de hábitos na Ásia, a grande devoradora de vastidões de terras e florestas, em gigantesca desproporção com o resultado final em termos nutricionais. Isso vale tanto para nossa pecuária extensiva como para a confinada que se alimenta da soja, milho e outros insumos produzidos em terras alheias.

Considerado esse custo, um quilo de carne deveria valer uma fortuna. Mas não é essa lógica que vigora e sim a da “redução” dos custos, que na verdade são transferidos para a humanidade, por meio das mudanças climáticas, por exemplo. A expansão Amazônia adentro é um dos mecanismos, lá se pode viabilizar a produção extensiva. A terra custa pouco e a ilegalidade fácil a torna mais barata ainda. A mesma lógica induz ao trabalho precário em atividades que exigem muita mão-de-obra, como a produção de açúcar e álcool. Na pecuária se trata de “precarizar” a terra, o custo maior, e isso inclui grilagens e assassinatos em disputas fundiárias.

A baixa produtividade força o gado de corte a “refugiar-se” na Amazônia, não tem sentido culpar a soja ou a cana de expulsá-lo de outras regiões. O feijão, a mandioca, tudo é mais competitivo em terras cultiváveis. É o desenvolvimento agrícola em geral que torna a terra mais produtiva e cara, o fator dessa migração inevitável. A pecuária intensiva dos países industrializados, que ocupa menos espaço, não é uma resposta. O boi é confinado, mas suas rações demandam grandes extensões de terra para produção, a pecuária europeia só sobrevive a custa de enormes subsídios e uma tentativa de baratear sua alimentação, usando farinha de restos de outros animais, deu no mal da vaca louca.

A solução seria consumir menos carne bovina? Os problemas que a humanidade enfrenta, como as mudanças climáticas, o desmatamento e o esgotamento da terra e água disponíveis, recomendam limitaratividades tão ineficientes e danosas como a pecuária. Teremos de usar a terra de forma mais produtiva e racional. Algum dia, os custos ambientais terão de ser considerados e sua inclusão no preço de produtos como a carne e os combustíveis fósseis pode ser uma forma de induzir um consumo menos predatório, como já ocorre com o cigarro.

Mas como adotar medida tão impopular? Não se trata de uma droga como o tabaco, mas de alimento que, mais caro, escaparia ao acesso dos mais pobres e aumentaria a fome. Substituir por outras carnes e pelo peixe, uma fonte de proteína de produção mais eficiente, enfrenta barreiras do paladar e de hábitos. O que fazer? Argumentos como o fato de os bois emitirem muito metano, gás mais ativo que o carbônico no aquecimento da Terra, e de sua carne conter mais gordura trans que outras, são pouco eficazes em dissuadir o consumo.

Incluir a dimensão ambiental na economia não é fácil. É a batalha que o Ministério do Meio Ambiente perdeu no governo com Marina Silva e continua perdendo com Carlos Minc. As derrotas se refletem em novas legislações que têm flexibilizado ou eliminado exigências ambientais, inclusive onde os desastres da negligência já se fizeram sentir recentemente, como em Santa Catarina. E a crise econômica só fez ampliar o desequilíbrio de forças que pode derrubar, também, o novo ministro.

Publicado em 5/6/2009.

* Artigo de Mario Osava – Jornalista, colaborador do Ibase.

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