Fonte: EcoTerra Brasil (www.ecoterrabrasil.com.br)
Por: Anna Elisa Nicolau dos Santos (aens@ecoterrabrasil.com.br)
Como caminha a questão do Consumo Consciente no Brasil e no mundo? Como estão os brasileiros com relação à consciência de consumo?
A questão não caminha, ela tropeça e cai. A não ser por conta de meia dúzia de lunáticos, nos quais se incluem eu e boa parte dos visitantes do site EcoTerra Brasil, quem pode comprar um carro maior, compra. Quem pode pagar pela água que gasta, gasta. Quem pode trocar objetos em perfeito estado de uso, troca. As pessoas são o que ostentam. Já que temos uma tendência a um fetichismo da mercadoria, por que não adotar um fetichismo com aspectos positivos? O relógio que me ‘acompanha’ é o mesmo há anos. É claro que este relógio mostra os sinais de quase dez anos no meu pulso, dia após dia, e como não é uma marca chique, não irá comunicar para as pessoas ao meu redor que ganho grandes somas de dinheiro. Mas é um velho amigo, terei grande resistência em descartá-lo se ele quebrar. Na verdade, já consertei este relógio duas vezes. Talvez tenha gasto mais do que para comprar um novo, mas pago para não jogar um velho e fiel companheiro fora. Já que o fetichismo da mercadoria é algo que quase decorre de nossa natureza humana, que pelo menos seja de caráter positivo. O meu fetichismo tem melhores resultados ambientais, além é claro, de atrair pessoas mais agradáveis.
O senhor diz que são duas as correntes ligadas ao aumento da sustentabilidade no mundo. Quais são elas?
Os anglo-saxões, tanto os norte-americanos quanto os europeus, criaram uma invejável estrutura de conhecimento, infra-estrutura e conforto em seus países. A falta de matérias-primas ameaça estas estruturas e os mais esclarecidos temem isto. Por outro lado, na cultura oriental, existe um ideal zen-budista que chama a simplicidade, a ausência de posses. Para os primeiros, que vêm da lógica protestante do trabalho, a economia de recursos é um fato recente. Neste momento em que o mundo todo se ocidentaliza, a tendência geral em prol da sustentabilidade é muito negativa, porque esta ocidentalização se dá com o pior, e não o melhor do ocidente. A preocupação com o futuro, no ocidente, ainda é monopólio das elites intelectuais, enquanto a Britney Spears é patrimônio de todos. No Oriente, a China que fazia sua agricultura milenar baseada na reciclagem de matéria orgânica (humana, inclusive), perde espaço para a China que produz mercadorias, descartáveis em sua grande maioria, para a maior parte do mundo.
Em que país do mundo os cidadãos têm mais consciência de consumo?
Não sei. Aliás, acho que esta busca por ser melhor que outros está muitas vezes associada a um descaso com o ambiente que nos cerca. Ao focar na competição, muitas vezes esquecemos da interação com nosso ambiente. Muitos países, no entanto, têm experiências que devemos copiar, como o manejo de água de irrigação israelense, a reciclagem da água dos lavatórios japonesa, a coleta de água da chuva nas estradas da Ilha da Madeira, o uso de fontes geotermais de água da Islândia, a consideração com o consumo que os habitantes da Nova Inglaterra têm ao ir às compras, assim como as muitas composteiras domésticas.
Quais os maiores problemas relacionados ao ?consumo inconsciente’?
O maior, e único problema, é gastarmos muito mais recursos do que precisamos para viver.
O que significa a ?genética do consumismo’?
Desde o vírus primordial, do qual nos originamos há seis bilhões de anos, precisamos carregar o máximo de recursos para nós e nossa prole, para garantirmos nossa sobrevivência como indivíduos e como espécie. Somos programados para consumir o máximo possível quando há recursos, para garantir o tempo das vacas magras. Esta programação funcionou por seis bilhões de anos, mas agora nos está intoxicando, tanto como pessoas, quanto o planeta inteiro.
O problema do consumo é cultural?
Ele tem uma dimensão cultural, já que é exacerbado pelo fato que quanto mais as pessoas consomem, mais elas aumentam o lucro umas das outras. É uma roda viva, na qual a mídia repete a cada instante que devemos comprar de tudo, e ao fazermos isto, possibilitamos que outros façam também. A exacerbação do consumo tem uma dimensão cultural, mas repito, ele faz parte da programação humana em um nível muito profundo. Ao se tomar consciência disto, devemos negociar com esta ?programação’ genética e nos perguntarmos se o carro novo e maior que queremos comprar é realmente útil, se realmente precisamos de um carro novo e se estamos dispostos a pagar o preço de trabalhar mais para tê-lo.
O senhor diz que são duas as portas de entrada para o consumo consciente. Quais são elas?
Uma é a economia do próprio dinheiro, a outra é a preocupação com o planeta. No primeiro caso você começa por querer ser eficiente com o próprio dinheiro, e por vezes (não sempre) amplia sua visão para imaginar que cidades, estados e países devem também usar os recursos (inclusive os não financeiros) da melhor maneira possível. A segunda já parte de uma preocupação ambiental a priori, e inclusive se dispõe a gastar mais para adquirir produtos com menor impacto ambiental. Enquanto um é mais disposto a não consumir, o outro é mais disposto a consumir produtos corretos. Ambas são positivas.
Como seria um típico consumidor consciente, existe um ideal para ser seguido?
Se você persegue um ideal não é consciente. Pessoas conscientes vão olhar para seu próprio modo de vida e tentar melhorá-lo o máximo possível dentro das possibilidades. Eu sou o meu próprio ideal de vida, assim como recomendo que todos sejam os seus próprios também. O ideal é estar consciente das conseqüências das próprias opções de consumo e identificar os passos que são possíveis. Acredito, porque passei por este processo, que seja possível para muitas pessoas, em muitas situações, andar mais a pé do que andam. Isto traria melhoras para elas mesmas e para o planeta. Acredito que seja possível também, para muitas pessoas, gastar muito menos água do que se gastam, sem reduzir sua qualidade de vida. Acredito que não precisariam trocar objetos novos porque perderam a aparência de novos. Acredito inclusive que muitas delas sofrem em empregos que não lhes agradam para pagar por tudo isto, enquanto se comprometem os recursos naturais do planeta.
O senhor se considera um consumidor consciente? O que significa estar realmente envolvido com esta questão?
Acho que sou mais consciente que a média, mas muito menos consciente do que poderia ser. A Editora que fundei, por exemplo, só usa embalagens reutilizadas, que pegamos no supermercado e processamos para termos embalagens apresentáveis (nem todos os nossos clientes são conscientes) a custo ambiental muito baixo. Evitamos muito usar a impressora e, quando fazemos, 99% do tempo é em papel reutilizado. Em minha casa, reciclo todos os resíduos da cozinha e boa parte da água da pia da cozinha. Todo o material que sai de lá, vai para a coleta seletiva. Plantamos morangos, tomates, uvas e maracujá no húmus criado pela decomposição da matéria orgânica. Infelizmente, ainda tenho que usar meu carro mais do que gostaria. Também sou responsável por um significativo gasto de querosene de aviação, pois viajo muito para dar palestras. Os livros que vendo consomem uma grande quantidade de papel que pelo menos, apesar de todo impacto ambiental que causam para sua produção, representam uma maneira bastante positiva de seqüestrar carbono nas prateleiras de dezenas de milhares de prateleiras de bibliotecas pessoais e públicas Brasil afora.
O que muda no cotidiano de quem se torna um consumidor consciente?
Para mim, não existiram perdas em me tornar um consumidor mais consciente do que já fui, porque só adotei práticas que me trouxeram benefícios. Pode parecer estranho para a pessoa que cuida de uma cozinha de maneira convencional, mas reciclar os resíduos em uma composteira dá menos trabalho do que ficar levando sempre o lixo para fora. Quando saio de viagem, não tenho que pensar se tem restos de peixe no lixo da cozinha. Se eu tiver comido peixe, quando voltar, só haverá as espinhas no composto, e depois de alguns meses, nem mais elas serão distinguíveis. Quanto às embalagens ambientalmente corretas que utilizamos, elas não são só corretas, como também são mais baratas. A bicicleta, como percebi, ganha do carro em trechos curtos, para não falar que é muito mais razoável gastar 10 minutos a mais em um trecho mais comprido, do que uma hora em uma academia. Em muitos momentos, a economia de recursos para o planeta bate com a economia para o próprio bolso (como é também o caso da bicicleta). Em outros momentos, descobrimos coisas que os consumidores normais não percebem. Para a maior parte das pessoas levar uma sacola para o supermercado é um trabalho a mais. Se você um dia se der ao trabalho de experimentar, verá que é muito mais fácil trazer as compras para casa em poucas sacolas com alças grandes decentes, do que em um mundo de sacolinhas com alças de plástico.
No livro “Biologia da Conservação” o senhor fala que o consumo consciente é uma entre as várias correntes que visa reduzir ou racionalizar o consumo de recursos naturais no planeta. Pode falar um pouco sobre estas outras correntes?
A certificação ambiental garante a origem de produtos de consumo, a biologia da conservação visa evitar a extinção de espécies, os programas de conservação de energia visam usá-la de maneira eficiente, a ecologia da restauração visa a reconstrução de áreas que perderam suas características originais e a permacultura visa integrar a produção agrícola, a moradia das pessoas que trabalham nesta produção.